Page 378 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (3)



                     Damão e a “Província do Norte”
                      Damão e a “Província do Norte”

               forma como Moniz Barreto pôs fim  sem risco nem perigo algum”. Só a grande  não se fez esperar mas contou com a re-
               aos ataques que os muçulmanos  convicção do capitão e a experiência que  sistência nacional, agora reforçada pelas
         A  abexins lançavam contra a recém-  tinha das guerras da Índia, fez com que  peças de artilharia. Diz o cronista que os
         conquistada praça de Damão e os seus li-  o Vice  -Rei aceitasse aquele oferecimento,  abexins tiveram numerosas baixas sendo
         mítrofes é paradigmática, e pode tomar-se  antes da chegada dos reforços requeridos.  obrigado a recuar de forma desordenada.
         como exemplo de centenas de operações  Despedido Moniz Barreto, passou o rio  Moniz Barreto aproveitou esse sucesso e
         militares que aproveitaram a surpresa e  no final da tarde, indo colocar-se antes de  perseguiu-os até à serra, matando mais de
         as condições do terreno. Tratou-se de um  anoitecer a alguma distância do acantona-  quinhentos. São números exagerados, tal-
         verdadeiro golpe de mão, onde o ímpeto  mento inimigo, preparando-se para o atacar  vez, mas mostram a violência do combate,
         do assalto final e as condições de pouca vi-  com a surpresa indispensável para garantir  a decisão com que foi travado e o impacto
         sibilidade contaram a favor dos atacantes,  uma vitória, mesmo levando menos gente e  de uma vitória estrondosa que consolidou
         permitindo que uma força reduzida con-  não podendo dispor da força da artilharia.  a posse de Damão.
         seguisse pôr em fuga uma hoste numerosa  Avançou a coberto do escuro e a rapidez   Como explica Luís Filipe Thomaz o ter-
         e medianamente equi-                                                                 ritório ficou associado
         pada. Diz-nos Diogo                                                                  ao de Baçaim, consti-
         do Couto que, após a                                                                 tuindo a “Província do
         conquista de Damão,                                                                  Norte”, cujo provei-
         D. Constantino tomou                                                                 to principal era a pro-
         várias medidas no sen-                                                               dução agrícola obtida
         tido de atrair os desa-                                                              pela tutela portuguesa
         lojados camponeses às                                                                das aldeias circunvizi-
         suas terras, procuran-                                                               nhas, cuja administra-
         do organizar o espaço                                                                ção foi sendo entregue,
         agrário que circunda-                                                                por emprazamento,
         va a cidade, de manei-                                                               a nobres portugueses
         ra a que se tornasse um                                                              estabelecidos na Ín-
         pólo de produção agrí-                                                               dia. Era uma forma
         cola capaz de apoiar                                                                 de os recompensar pe-
         logisticamente o Esta-                                                               los serviços prestados,
         do da Índia com abas-                                                                utilizando uma forma
         tecimentos e madeira                                                                 semelhante à que era
         para a construção na-                                                                usada no território eu-
         val. Mas este processo                                                               ropeu, mas associando-
         era prejudicado pelos   Praça de Damão.                                              -lhe algumas regras e
         sucessivos ataques dos   António Bocarro – «O Livro das Plantas de todas as fortalezas e povoações do Estado da Índia Oriental».  costumes locais que as
         abexins que, depois de expulsos da cidade,  com que o fez, levou a que a maioria dos  populações, de alguma forma, aceitavam.
         permaneceram acantonados numa região  soldados que levava se dispersassem per-  D. Constantino deu grande importância a
         limítrofe, de onde lançavam contínuas ac-  didos nos caminhos da densa mata. Mas  esta praça de Damão, empenhando-se em
         ções de flagelação, obrigando a uma vigi-  atacou mesmo assim. Aliás, não tinha ou-  promover as condições em que ela trans-
         lância apurada por parte dos portugueses.  tra hipótese, como ele próprio disse na al-  poria para a Índia um regime de conces-
         Para além do mais, limitavam a reorganiza-  tura: “senhores, segui-me, porque na pressa  sões que lhe era particularmente grato.
         ção territorial, nomeadamente no que dizia  com que dermos nesta gente, está a nossa  Permaneceu ali até ao final de Março de
         respeito à fixação dos trabalhadores agríco-  salvação”. Surpreendidos por um punhado  1559, atendendo a todos os pormenores da
         las e possibilidade de continuar as tarefas  de portugueses em intensa gritaria, dispa-  sua defesa, deixando instruções detalhadas
         quotidianas que requerem sossego e paz.   rando os arcabuzes em todas as direcções e  para a construção de uma fortaleza e nome-
           O relato do cronista é particularmente  passando à espada todos os que foram apa-  ando como capitão D. Diogo de Noronha.
         e vivo nestas descrições. Couto chegou à  nhando estremunhados, quem teve tempo  Despachou uma armada para o Estreito,
         Índia com 15 anos de idade, em 1519 (uns  para isso montou a cavalo e fugiu como lhe  sob o comando de D. Álvaro da Silveira e
         meses depois dos acontecimentos), e ou-  foi possível, deixando para trás a artilharia  regressou, finalmente, a Goa onde o espe-
         viu tudo contado em primeira mão, viven-  e as bagagens. Quando raiou o sol, o acam-  ravam más notícias do Malabar. Os proble-
         do com entusiasmo este vice-reinado. Diz-  pamento abexim estava nas mãos dos por-  mas que tinham começado no ano anterior,
         -nos ele que o Vice-Rei pensou em pedir  tugueses que, tão rápido quando puderam  com a nomeação de D. Payo de Noronha
         auxílio ao capitão de Baçaim, requerendo a  se organizaram colocando a artilharia em  para capitão de Cananor, agravaram-se
         sua presença com uma força militar capaz  posição defensiva e preparando-se para o  bastante em 1559. A armada que ali andara
         de surpreender os abexins, mas a situação  contra-ataque que ai viria. Valeu, de facto,  durante toda a estação, conseguira algumas
         arrastava-se sem solução e D. Constantino  este expediente e a rapidez com que Mo-  vitórias, mas o clima contra os portugueses
         não saía de Damão sem o assunto resolvi-  niz Barreto moveu todo o pessoal disponí-  adensava-se, exigindo medidas mais enér-
         do. Foi durante uma reunião do seu con-  vel, recolhendo os que andavam perdidos  gicas. Será assunto para tratarmos numa
         selho que Moniz Barreto lhe pediu “que  pelo mato, porque foi muito rápida a forma  das próximas revistas.
         lhe desse quinhentos homens que elle iria  como os inimigos tomaram consciência de                    Z
         buscar os Abexins, e que com o favor di-  que ali estavam apenas meia dúzia de ho-       J. Semedo de Matos
         vino se atrevia a os lançar fora das terras,  mens com parcos meios. O contra-ataque              CFR FZ

         16  DEZEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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