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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (3)
Damão e a “Província do Norte”
Damão e a “Província do Norte”
forma como Moniz Barreto pôs fim sem risco nem perigo algum”. Só a grande não se fez esperar mas contou com a re-
aos ataques que os muçulmanos convicção do capitão e a experiência que sistência nacional, agora reforçada pelas
A abexins lançavam contra a recém- tinha das guerras da Índia, fez com que peças de artilharia. Diz o cronista que os
conquistada praça de Damão e os seus li- o Vice -Rei aceitasse aquele oferecimento, abexins tiveram numerosas baixas sendo
mítrofes é paradigmática, e pode tomar-se antes da chegada dos reforços requeridos. obrigado a recuar de forma desordenada.
como exemplo de centenas de operações Despedido Moniz Barreto, passou o rio Moniz Barreto aproveitou esse sucesso e
militares que aproveitaram a surpresa e no final da tarde, indo colocar-se antes de perseguiu-os até à serra, matando mais de
as condições do terreno. Tratou-se de um anoitecer a alguma distância do acantona- quinhentos. São números exagerados, tal-
verdadeiro golpe de mão, onde o ímpeto mento inimigo, preparando-se para o atacar vez, mas mostram a violência do combate,
do assalto final e as condições de pouca vi- com a surpresa indispensável para garantir a decisão com que foi travado e o impacto
sibilidade contaram a favor dos atacantes, uma vitória, mesmo levando menos gente e de uma vitória estrondosa que consolidou
permitindo que uma força reduzida con- não podendo dispor da força da artilharia. a posse de Damão.
seguisse pôr em fuga uma hoste numerosa Avançou a coberto do escuro e a rapidez Como explica Luís Filipe Thomaz o ter-
e medianamente equi- ritório ficou associado
pada. Diz-nos Diogo ao de Baçaim, consti-
do Couto que, após a tuindo a “Província do
conquista de Damão, Norte”, cujo provei-
D. Constantino tomou to principal era a pro-
várias medidas no sen- dução agrícola obtida
tido de atrair os desa- pela tutela portuguesa
lojados camponeses às das aldeias circunvizi-
suas terras, procuran- nhas, cuja administra-
do organizar o espaço ção foi sendo entregue,
agrário que circunda- por emprazamento,
va a cidade, de manei- a nobres portugueses
ra a que se tornasse um estabelecidos na Ín-
pólo de produção agrí- dia. Era uma forma
cola capaz de apoiar de os recompensar pe-
logisticamente o Esta- los serviços prestados,
do da Índia com abas- utilizando uma forma
tecimentos e madeira semelhante à que era
para a construção na- usada no território eu-
val. Mas este processo ropeu, mas associando-
era prejudicado pelos Praça de Damão. -lhe algumas regras e
sucessivos ataques dos António Bocarro – «O Livro das Plantas de todas as fortalezas e povoações do Estado da Índia Oriental». costumes locais que as
abexins que, depois de expulsos da cidade, com que o fez, levou a que a maioria dos populações, de alguma forma, aceitavam.
permaneceram acantonados numa região soldados que levava se dispersassem per- D. Constantino deu grande importância a
limítrofe, de onde lançavam contínuas ac- didos nos caminhos da densa mata. Mas esta praça de Damão, empenhando-se em
ções de flagelação, obrigando a uma vigi- atacou mesmo assim. Aliás, não tinha ou- promover as condições em que ela trans-
lância apurada por parte dos portugueses. tra hipótese, como ele próprio disse na al- poria para a Índia um regime de conces-
Para além do mais, limitavam a reorganiza- tura: “senhores, segui-me, porque na pressa sões que lhe era particularmente grato.
ção territorial, nomeadamente no que dizia com que dermos nesta gente, está a nossa Permaneceu ali até ao final de Março de
respeito à fixação dos trabalhadores agríco- salvação”. Surpreendidos por um punhado 1559, atendendo a todos os pormenores da
las e possibilidade de continuar as tarefas de portugueses em intensa gritaria, dispa- sua defesa, deixando instruções detalhadas
quotidianas que requerem sossego e paz. rando os arcabuzes em todas as direcções e para a construção de uma fortaleza e nome-
O relato do cronista é particularmente passando à espada todos os que foram apa- ando como capitão D. Diogo de Noronha.
e vivo nestas descrições. Couto chegou à nhando estremunhados, quem teve tempo Despachou uma armada para o Estreito,
Índia com 15 anos de idade, em 1519 (uns para isso montou a cavalo e fugiu como lhe sob o comando de D. Álvaro da Silveira e
meses depois dos acontecimentos), e ou- foi possível, deixando para trás a artilharia regressou, finalmente, a Goa onde o espe-
viu tudo contado em primeira mão, viven- e as bagagens. Quando raiou o sol, o acam- ravam más notícias do Malabar. Os proble-
do com entusiasmo este vice-reinado. Diz- pamento abexim estava nas mãos dos por- mas que tinham começado no ano anterior,
-nos ele que o Vice-Rei pensou em pedir tugueses que, tão rápido quando puderam com a nomeação de D. Payo de Noronha
auxílio ao capitão de Baçaim, requerendo a se organizaram colocando a artilharia em para capitão de Cananor, agravaram-se
sua presença com uma força militar capaz posição defensiva e preparando-se para o bastante em 1559. A armada que ali andara
de surpreender os abexins, mas a situação contra-ataque que ai viria. Valeu, de facto, durante toda a estação, conseguira algumas
arrastava-se sem solução e D. Constantino este expediente e a rapidez com que Mo- vitórias, mas o clima contra os portugueses
não saía de Damão sem o assunto resolvi- niz Barreto moveu todo o pessoal disponí- adensava-se, exigindo medidas mais enér-
do. Foi durante uma reunião do seu con- vel, recolhendo os que andavam perdidos gicas. Será assunto para tratarmos numa
selho que Moniz Barreto lhe pediu “que pelo mato, porque foi muito rápida a forma das próximas revistas.
lhe desse quinhentos homens que elle iria como os inimigos tomaram consciência de Z
buscar os Abexins, e que com o favor di- que ali estavam apenas meia dúzia de ho- J. Semedo de Matos
vino se atrevia a os lançar fora das terras, mens com parcos meios. O contra-ataque CFR FZ
16 DEZEMBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA