Page 83 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (43)



           As campanhas no Mar Vermelho e Golfo Pérsico
           As campanhas no Mar Vermelho e Golfo Pérsico

               região do Médio Oriente teve um  do entregou a Luís Figueira. Este fidalgo  sete galeões e 12 navios de remo, que parti-
               papel preponderante no movimen-  p ertencia ao círculo de amizades do infan-  ram em Abril de 1552, com uma missão espe-
         A  to comercial que escoava os exce-  te D. Luís e tinha grande prestígio na Índia,  cífica de socorrer os aliados do Golfo Pérsico,
         dentes do Índico, que passavam para o  mas no ano anterior estivera no Estreito e  assolados pelos ataques turcos. Apesar da
         Mediterrâneo e eram distribuídos para a  viera de lá sem grande brilho e acusado de  sua crónica dificuldade em desenvolverem
         Europa. Naturalmente que foi esta uma das  cobardia, por ter arribado e fugido ao com-  grandes acções no mar – sobretudo com na-
         grandes fontes de rendimento dos sultões  bate com o corsário Cafar, que viera atacar  vios de alto bordo em combates que exigis-
         do Cairo, na altura em que os portugue-  Mascate e as naus que, em Outubro, se-  sem grande capacidade de manobra – o raio
         ses chegaram à Índia. D. Manuel teve uma  guiam de Ormuz para Goa. Figueira queria  de acção destes poderosos inimigos cruzava
         clara noção disso e definiu como objectivo  provar a sua valentia com uma ansiedade  toda a Península Arábica e chegava à costa
         nacional a asfixia deste fluxo de mercado-  que não é boa conselheira e convida à pre-  ocidental do Golfo. Desta vez tinham ataca-
         rias, bloqueando-lhe as portas de acesso.  cipitação. Saiu de Cochim em Janeiro de  do e tomado Bassorá e a cidade de Catifa,
         Não era, porém, uma região homogénea  1501, passou por Goa e seguiu para o Bab el  muito perto do Bahrain. Esta última ficava
         nas suas capacidades comerciais nem era  Mandeb, onde se acoitou no meio das ilhas  em plena zona de produção de pérolas, e
         controlada por um só poder político. De-  que ficam à entrada do Estreito, esperando  Bassorá domina o Shat el-Arab, canal em que
         vemos distinguir a parte mais                                                  se juntam os rios Tigre e Eufra-
         ocidental, inicialmente sob a                                                  tes, antes de entrarem no Golfo.
         alçada dos mamelucos e de-                                                     Bassorá é o último entreposto da
         pois dos otomanos, e uma zona                                                  Mesopotâmia e a grande ligação
         oriental, onde imperava o reino                                                a Bagdad do tempo do califado,
         da Pérsia, com controlo sobre                                                  com uma importância estratégi-
         uma parte do Golfo de Ormuz.                                                   ca determinante para a Pérsia e
         Para além destes dois potenta-                                                 para todos os reinos das imedia-
         dos, proliferavam – como era                                                   ções de Ormuz.
         típico no Índico – um conjunto                                                   Sobre Catifa foi montado um
         de pequenos reinos, com auto-                                                  cerco com 1100 portugueses e
         nomia relativa, que geriam as                                                  cerca de 3000 persas, com um
         suas relações externas como                                                    forte dispositivo de artilharia
         um jogo de gato e rato cujo                                                    que atacou as muralhas defen-
         objectivo era garantir a sua in-                                               didas por 400 turcos, e a cidade
         dependência política e pros-                                                   caiu em pouco tempo. A tutela
         peridade económica. Assim                                                      sobre ela era do rei de Ormuz,
         acontecia, por exemplo, com o   Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Fragmento de uma carta da autoria de João Teixeira   mas foi decidido destruí-la por
         reino de Ormuz, que tutelava   (1620-40). Nela se pode ver a expansão do Império Otomano no Egipto e Arábia, assina-  incapacidade em deixar ali uma
         a ilha à entrada do Golfo, su-  lada pelas bandeiras com o crescente, sem entrar na região da Pérsia, cujo reino continuou   guarnição que impedisse a sua
         jeitando-se à vassalagem por-  a dominar uma parte da costa do respectivo golfo.  reocupação. De seguida, D. An-
         tuguesa, com o beneplácito do Sha da Pér-  surpreender o adversário que lhe fugira no  tão dirigiu-se a Bassorá, com os navios de
         sia que assim obtinha um aliado poderoso  ano anterior. De facto, seis ou sete dias de-  remo que trouxera da Índia e outros que re-
         contra os turcos.                  pois apareceu Cafar com cinco navios, mas  colhera em Ormuz, num total de 18 fustas,
           Do lado do Mar Vermelho dominava o  o ataque dos portugueses não foi feito da  onde embarcou quase todo o contingen-
         sultão do Cairo, substituído em 1517 pelos  melhor forma, perdendo a vida Luís Figuei-  te português, esperando um reforço per-
         Otomanos, mas com igual animosidade  ra e aprisionada toda a sua tripulação. O  sa para o ataque. Os otomanos, contudo,
         contra os portugueses. Foi do Egipto que  resto da armada saiu do Mar Vermelho com  conseguiram montar um estratagema que
         saiu a esquadra que defrontou D. Lourenço  ponente rijo. Gaspar Nunes, que comandava  enganou os aliados persas e impediu a co-
         de Almeida em 1509, e era do Mar Verme-  outra fusta, não suportou o vexame do su-  ordenação de esforços. Antão de Noronha
         lho que saíam, amiúde, pequenas frotas de  cedido, envergonhado por ter perdido o seu  acabou por retirar-se sem a atacar e, em Se-
         corsários que atacavam os aliados dos por-  comandante sem que a esquadra se tivesse  tembro, já se encontrava em Goa, como lhe
         tugueses nos Golfos de Aden ou de Oman.  empenhado num combate franco. Não su-  tinha ordenado o vice-rei, porque precisava
         E deve ter-se em conta que o Golfo Pérsi-  portava regressar a Goa com esse peso na  dele para comandar a Armada do Malabar,
         co não era apenas um ponto de passagem  consciência, de forma que resolveu encalhar  durante o resto da estação. A sua missão
         de mercadorias e tinha riquezas próprias  o navio na costa da Etiópia, metendo-se a  era dar caça aos navios de Calecut ou do
         como eram os cavalos árabes ou as pérolas  pé por terra dentro em direcção ao reino do  Extremo-Oriente que iam para o norte sem
         do Bahrain, que pagavam taxas na alfânde-  Preste João. As três fustas restantes foram  o controlo português. O vice-rei, entretan-
         ga de Ormuz. Para além disso, era local de  para Goa, atacando, pelo caminho, um na-  to, empenhara-se numa importante jorna-
         presas fáceis, onde os fidalgos gostavam de  vio que detinha cartaz de salvaguarda por-  da à ilha de Ceilão, de que falaremos numa
         ir temperar as suas armas, em campanhas  tuguês, em mais uma acção desastrosa por  próxima Revista. Era assim mesmo o jogo
         marítimas de custo reduzido.       que vieram a ser julgados.         diplomático português na Índia: proteger
           De forma que uma das primeiras deter-  A campanha saldara-se por um resultado  aliados para garantir ajudas estratégicas e
         minações de D. Afonso de Noronha, logo  desastroso, mas o vice-rei não deixaria de en-  manter a predominância naval.
         após a resolução dos conflitos de Cochim,  viar outra armada à zona no ano seguinte.                   Z
         foi o envio de uma pequena armada de  Desta vez sob o comando de seu sobrinho,           J. Semedo de Matos
         cinco fustas ao Mar Vermelho, cujo coman-  D. Antão de Noronha, com 1200 homens em                CFR FZ
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2009  9
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