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O Património Arqueológico Subaquático
O Património Arqueológico Subaquático
UM TESOURO A PRESERVAR
ENQUADRAMENTO baquáticas são milenares e sempre foram de protecção jurídica, poderem explorar e
fundamentalmente relacionadas com ac- apropriar-se de objectos com vista só ao lu-
O que nos interessa sobretudo na His- tividades militares e económicas (resgate cro, passou pela criação de uma convenção
tória será dar (…) conteúdo eterno ao que de bens perdidos nos naufrágios e recolha internacional, a Convenção da UNESCO
acaba por aparecer como um empoeirado, de recursos naturais), porquê esta preocu- para a Protecção do Património Cultural
como um arqueológico episódio do passa- pação relativamente recente com este pa- Subaquático (Convenção da UNESCO de
do (Agostinho da Silva - filósofo). trimónio? As preocupações arqueológicas 2001). Esta Convenção entrou em vigor
surgem quando o património começa a para os Estados-partes em 02 de Janeiro
uando falamos de património ar- ficar em perigo. Desde meados do sécu- de 2009, integrando Portugal o grupo ini-
queológico subaquático é neste in- lo XX, quando foi inventado o escafandro cial de vinte países, ao ter ratificado a Con-
Qteresse de dar conteúdo eterno que autónomo (Self Contained Underwater Brea- venção em 2006.
estamos essencialmente a pensar. Que- thing Apparatus - SCUBA), que se passaram A recepção desta Convenção no ordena-
remos que estas peças de cultura sejam a atingir maiores profundidades no mer- mento jurídico Português implicará uma
investigadas, analisadas, preservadas e gulho. Actualmente já se consegue descer alteração do quadro legal nacional. Este
possam ser partilhadas como patrimó- a 140 metros com circuito fechado, para contém diversos diplomas que dispõem
nio comum da huma- sobre o património cul-
nidade. tural subaquático, no
Este património é di- que concerne à compe-
versificado e é constituí- tência, ao regime e às
do, principalmente, pe- disposições sanciona-
los mais de três milhões tórias. Assim, a compe-
de navios naufragados, tência nesta matéria, no
que se estima existirem, continente, é do IGES-
desde o mediático “Ti- PAR, I.P. – Instituto de
tanic” até aos navios Gestão do Património
de Cristóvão Colombo, Arquitectónico e Ar-
para além de outros ves- queológico (Decreto-Lei
tígios subaquáticos que n.º 215/2006, de 27 de
não navios. Conforme é Outubro, entre outros),
referido numa brochura embora outras entida-
da UNESCO (United Na- des também tenham nas
tions Educational, Scien- suas atribuições a pre-
tific and Cultural Orga- servação e a protecção
nization), um naufrágio, deste património (v.g.
assim como uma ruína Sistema de Autoridade
submersa é uma cápsula Marítima).
do tempo esperando para Trabalhos subaquáticos em São Julião da Barra. Quanto ao regime que
ser revelada. Todos estes vestígios podem além da possibilidade de serem usados rege a actividade arqueológica subaquáti-
contribuir para o conhecimento histórico aparelhos não tripulados. ca, está em vigor o Decreto-Lei n.º 164/97,
e social da humanidade e são um teste- Assim, com o progresso nas técnicas de de 27 de Junho. Este diploma já não res-
munho inestimável da cultura das civili- exploração e com uma acessibilidade a es- pondia, de forma cabal, à necessidade de
zações passadas. tes equipamentos sem precedentes, os fun- protecção do património cultural suba-
O interesse pelos sítios e artefactos ar- dos marinhos e os vestígios arqueológicos quático, mesmo antes da entrada en vigor
queológicos são diversificados. Vão desde e históricos nele assentes ficam explorá- da Convenção, pois só “protege” o que se
a comunidade científica que quer preser- veis por empresas e pessoas sem prepara- encontra para o interior das 12 milhas náu-
var e analisar esta valiosa fonte de infor- ção, nem formação, mas essencialmente ticas, i.e. mar territorial e águas interiores,
mação, até às empresas de turismo, em sem escrúpulos. Como referiu Francisco para além de outras águas que pertencem
geral, e em particular as dedicadas ao mer- Alves, Director do Centro Nacional de ao domínio público lacustre e fluvial. Des-
gulho de lazer, e ao público, que continua Arqueologia Náutica e Subaquática, cita- te modo, este diploma não inclui ainda, no
a frequentar os museus sobre estas maté- do pelo jornal Expresso, sobre a nau por- seu quadro sancionatório, contra-ordena-
rias (v.g. o navio Mary Rose em Portsmou- tuguesa descoberta na Namíbia: trazemos ções relativas a trabalhos ilícitos na zona
th). Dentro destes interesses, há um que conhecimento para casa, conhecimento para o contígua (ZC - entre as 12 e as 24 milhas
não pode ser esquecido: as empresas que futuro. É a diferença entre nós e os caçadores náuticas), cuja legitimidade para fiscalizar
desenvolvem actividades como caçado- de tesouros, cujo objectivo é o lucro. De facto, encontra fundamento no art. 303.º da Con-
ras de tesouros para fins comerciais e cujo a profundidade já não protege da depre- venção das Nações Unidas sobre o Direi-
principal objectivo é a obtenção de lucro. dação e destruição. to do Mar (CNUDM), em conjugação com
A exploração, recolha e comércio destes o Decreto-Lei n.º 34/2006, de 28 de Julho
artefactos são actividades lucrativas, nor- A RESPOSTA DO DIREITO (“Lei do mar”).
malmente associadas à utilização de téc- Importa aqui salientar que a fiscaliza-
nicas destrutivas que fazem desaparecer A resposta que a comunidade interna- ção é uma tarefa essencial. Nesta matéria,
todo o conhecimento (v.g. furto e utiliza- cional está a dar às actividades dos caça- o paradigma é colaboração, pois embora a
ção de explosivos). dores de tesouros, que procuram as lacu- actividade de fiscalização do cumprimento
Tendo em atenção que as actividades su- nas no ordenamento jurídico, para, na falta das disposições do diploma seja da com-
10 MARÇO 2009 U REVISTA DA ARMADA