Page 88 - Revista da Armada
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Conversando com…

                               O Cabo Carlos Simões
                                O Cabo Carlos Simões

           Quando atendeu, sabia apenas ser Cabo Ar-  sos da reacção do então jovem tenente.  RA - E depois?
         tilheiro Reformado e um entusiasta leitor da   CSS - Já ele era mar-e-guerra e eu disse-lhe   CSS - Embarquei na «Sagres». Fazíamos a bal-
         Revista da Armada, mas pelo desembaraço do  que o grumete que se tinha recusado a saltar o  deação todos os dias, com areia, muito cedo. Aí
         discurso, pelo afirmado timbre da voz e pelo  plinto era eu e sabe o que ele respondeu? «Lem-  fizeram-me Carpinteiro, está aqui na caderneta,
         seu tom envolvente, rapidamente concluí que,                          mas pouco depois fui para o «S. Braz» e fui seis
         acertado o dia, a hora e o local, iria estar pe-                      vezes buscar petróleo, a Aruba, na Venezuela,
         rante um eterno e cativante jovem, um notá-                           e a Curaçau. Largávamos o combustível para os
         vel narrador de vivências, uma personalidade                          lados do Poço do Bispo e partíamos logo. Uma
         ímpar. Assim aconteceu.                                               vez, estávamos no molhe do Arsenal do Alfeite e
                                                                               metemos água salgada mas veio tanto lodo que
              inda não se tinha sentado e enquanto ia                          em Curaçau tivemos de lavar os tanques. Olhe
              tirando dum saco de plástico alguns do-                          o imediato, era o Sanches de Miranda, até me
         A cumentos, perguntou, antes de mais:                                 deu mil escudos (5A).
           Carlos Salvador Simões - O senhor é Almi-                             RA - Isso era uma fortuna!
         rante?                                                                  CSS - Era, era. Dei tudo à minha Mãezinha.
           RA - Não. Esse é o senhor director, eu sou                          Os meus Irmãos, somos do Barreiro (sou, por-
         1TEN… fiquei por aqui!                                                 tanto Barreirense!), estavam todos presos. Nun-
           CSS - Eu também! E sabe porquê? O que eu                            ca fui preso, sabe porquê? Eu andava sempre no
         gostava era de navegar.                                               mar e não queria nada com a política.
           Não lhe disse mas, eu, também…                                        RA - E então naqueles tempos…
           CSS - Está aqui a minha Caderneta e olhe, es-                         CSS - Foi na Revolta da Margem Sul, em
         tava no «Zarco» quando o tufão Wanda  passou                          1943. Os marinheiros também eram desordei-
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         em Hong Kong. Em 1962! Sabe? Fui eu quem                              ros. Havia uns que até eram conhecidos pelos
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         salvou o navio! Veja! Esse não, esse é um lou-                        «RAF’s» .
         vor colectivo. Mas veja abaixo, um louvor que                           RA -  Nunca tal ouvi mas não me admira.
         me foi dado. Assinados pelo Cte Pedro Frago-  O Cabo Carlos Simões.     Quanto é que era o pré?
         so de Matos.                                                            CSS - Eram quarenta escudos (0,20A) e, a
           De facto escassos meses separam o significati-  bro, lembro-me dessa passagem…». Bom ho-  navegar, com o subsídio de embarque, ia aos
         vo louvor dado, na ocasião, à guarnição do «Zar-  mem, sem dúvida…    52$00.
         co» do louvor ao Marinheiro do Leme em postos   Mais tarde, Professor de Direito Internacio-  Foi a última vez que aconteceu! Depois pas-
         de Faina e percebe-se a legitimidade da relação  nal Marítimo, pudemos conhecê-lo melhor.  sámos a embarcar água doce!
         que permite aquela afirmação. Não seria o mari-  Recordamo-lo, já Almirante, ao nosso lado na   RA - Era a minha ideia. E dessas viagens?
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         nheiro de D. João II mas não lhe ficava atrás !                          CSS - O Comandante era o Joaquim dos San-
           RA - Vamos por partes! Quando é que veio                            tos Oliveira Júnior. Passávamos entre as ilhas
         para a Armada?                                                        Martinica e Dominicana e sabe o que aconte-
           CSS - Em 1942, tinha 19 anos. Nasci a 30                            ceu logo na primeira viagem? Fui eu que vi!
         de Junho de 1921!, foi, está aí, no dia 5 de Ja-                        RA - Que é que viu?
         neiro. Éramos recrutados no Exército e depois                           CSS - Eu era impedido e ia levar uma sanduí-
         diziam que os que estavam apurados para Ar-                           che ao senhor oficial de quarto quando vi uma
         tilharia podiam escolher ir para a Armada. De-                        luz a piscar atrás de nós. Alertei logo o cabo si-
         safiei quatro amigos mas só dois é que viemos                          naleiro que não viu nada mas eu insisti. Ele lá
         para a Marinha.                                                       viu e pegou numa lanterna Aldis e começou a
           Naquele dia vim do Barreiro, a pé, até ao                           fazer sinais mas eles não respondiam, faziam
         Alfeite. Aí entregaram-nos a farda (a farda de                        sempre o mesmo sinal até que eu disse; «Olhe
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         “alumínio”, lembra-se? ), a maca e o saco e                           que com o balanço o submarino não o conse-
         meteram-nos numa vedeta que nos levou a   O Aviso “Gonçalves Zarco” fundeado em Dili.  gue ver. O senhor tem os projectores de sinais
         Vila Franca de Xira. Não gostei nada. Era mui-                        a cada bordo, pode utilizá-los!». Ainda me
         ta… disciplina.                                                       lembro de o senhor oficial de quarto, era o se-
           RA - Então?                                                         nhor 1TEN Vieira Coelho, usava um bigodinho,
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           CSS - Eu era muito miúdo e era muito atrevi-                        (conheceu-o, não conheceu? ) a dizer para ele:
         do. Quer ver? Na Escola de Alunos Marinhei-                           «Olha que o grumete tem razão!»
         ros, em Vila Franca, o instrutor de ginástica era                       RA - Um alemão, julgo.
         o 2Ten Tengarrinha Pires. Está a ver o plinto? Eu                       CSS - Isso mesmo! Mandou-nos arriar um
         era alto, ainda sou, e ele mandava pôr mais uma                       bote e ainda nos mandou um tiro. Eu, como os
         caixa e mandava-me saltar.                                            meus Irmãos na CUF, era remador . (Olhe! A
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           RA - Bom…                                                           correr ninguém me apanhava). Assim, ofereci-
           CSS - Ao sair do salto dei, olhe foi mesmo um                       -me logo para ir ao submarino e, mal lá chegá-
                                              Árvore notável (pintura do Comandante Sousa
         “bate-cu”, que fiquei aflito e aí ele mandou-me   Machado).             mos, eu disse logo; «We are Portuguese!». Lá
         repetir o salto. Sabe o que lhe respondi?                             nos deixaram ir.
           RA - Não.                        Academia de Marinha, confirmando que, único   O nosso navio, todo iluminado, parecia uma
           CSS - Salte o senhor se quiser!  cadete a bordo, tínhamos medido um vento de  cidade!
           Pelo terror que o Cte Tengarrinha Pires, na  100 Km/h que, ao dobrar o Cabo de S. Vicente,   RA - Isso é que foi…
         «Sagres», inspirava aos cadetes, ficámos suspen-  nos surpreendera… em 1959!  CSS - Doutra vez trouxemos dois mil bidões

         14  MARÇO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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