Page 85 - Revista da Armada
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petência do IGESPAR, este pode solicitar a não devem ser negociados, comprados ou Por fim, uma palavra sobre o Anexo; este
colaboração de outras entidades. É no âmbi- trocados. Foi necessário acabar com a tra- é constituído por 36 artigos, com base na
to desta necessidade de colaboração que dição antiga do princípio first come, first carta de ICOMOS, e é uma parte essencial
surgiu o Decreto Regulamentar (DR) n.º served das normas sobre os salvados ma- desta Convenção, pois contém regras prá-
86/2007, de 12 de Dezembro, que visa re- rítimos. A Convenção não regulamenta a ticas, de carácter técnico, que já represen-
gular, de forma integrada, a articulação, propriedade ou titularidade de um bem tam um padrão internacionalmente aceite,
nos espaços marítimos sob soberania ou cultural entre as várias partes interessa- mesmo antes da sua entrada em vigor, no
jurisdição nacional. No que a esta maté- das (normalmente entre Estado costeiro e tratamento e na investigação do patrimó-
ria diz respeito, o DR dispõe que, na ZC, o Estado de pavilhão). Também não toma nio cultural subaquático.
os órgãos locais da Autoridade Marítima opção, relativamente aos direitos sobre os
adoptam medidas cautelares e urgentes de navios ou aviões de Estado, entre o princí- CONCLUSÃO
fiscalização e de polícia. pio da imunidade soberana (um navio ou
Devido aos problemas já explicitados no aeronave de Estado, mesmo afundado, em Face ao exposto, importa reter os seguin-
início, a comunidade internacional vem qualquer local, mantém a sua imunidade e tes pontos conclusivos:
desde há alguns anos a mostrar a sua preo- também a propriedade do Estado) e o prin- Portugal aderiu à Convenção da UNES-
cupação e a recomendar a criação de uma cípio da protecção do património cultural. CO de 2001, o que demonstra a vontade
convenção sobre a matéria ora em apreço, Neste âmbito, o Estado Português, embora de integrar o grupo dos que querem efec-
pois a CNUDM só dispõe de dois artigos defenda que o princípio da imunidade so- tivamente proteger o património cultural
relevantes (art.s 149.º e 303.º), que têm berana deva ser respeitado, o que deseja é subaquático, lutando contra os saques e
sido considerados manifestamente insufi- que o seu património cultural subaquáti- pilhagens, e contra a delapidação deste pa-
cientes. Neste sentido, foram dados diver- co seja protegido e investigado, e que con- trimónio comum da humanidade.
sos passos ao longo dos A entrada em vigor da
anos, desde recomenda- Convenção de 2001, a 02
ções, a declarações de de Janeiro de 2009, obri-
princípio, projectos de ga os Estados a adaptar
convenções por entida- a sua legislação nacional.
des relevantes (UNES- Portugal não é excepção,
CO, Conselho da Eu- pelo que o Decreto-Lei
ropa, Cultural Heritage n.º 164/97, de 27 de Ju-
Committee da Internatio- nho terá que ser altera-
nal Law Association), ou do, estabelecendo pro-
mesmo a Carta do ICO- cedimentos obrigatórios
MOS (International Cou- para as diversas zonas
ncil on Monuments and marítimas, ligados a um
Sites) sobre a Protecção adequado regime con-
e Gestão do Património tra-ordenacional, por
Cultural Subaquático. forma a exercermos uma
Finalmente, a 2 de No- protecção eficaz.
vembro de 2001, surge Por último, a pala-
a já citada Convenção vra-chave – cooperação.
da UNESCO, que ora Para além da coopera-
entrou em vigor. Trata- ção externa, também
-se de uma Convenção Trabalhos subaquáticos em São Julião da Barra. a cooperação interna é
específica para esta matéria e reflecte a tribua para o desenvolvimento da ciência muito importante e deve haver sensibili-
consciência da comunidade internacional e da cultura. Foi o que aconteceu quando zação pelos órgãos competentes, nas ma-
relativamente à importância cultural e his- da descoberta dos vestígios de nau portu- térias da arqueologia subaquática para que
tórica deste património e os perigos cres- guesa do século XVI, descoberta em Abril todas as entidades públicas participem na
centes associados e pela qual efectuaremos de 2008 ao largo da Namíbia. fiscalização destas actividades com o fim
um breve excurso. Dependendo da localização, nas zonas de evitar práticas ilícitas. A Marinha cer-
A Convenção define património cultu- marítimas, dos bens arqueológicos, a Con- tamente está disponível e pronta para esta
ral subaquático como todos os vestígios da venção estabelece regimes específicos, pelo “batalha”.
existência do homem de carácter parcial ou to- que passaremos a descrever sucintamente Sabemos que estas poucas linhas são uma
talmente, periódica ou continuamente, submer- aqueles que são inovadores: pequena gota num oceano de informação.
sos há, pelo menos, 100 anos. Um princípio Na Área a legitimidade para actuar é No entanto, com muitas pequenas gotas de
essencial é que os Estados têm obrigação só do Estado de pavilhão do navio de água se faz um mar e, neste mundo, ainda
de conservar o património cultural su- onde parte a actividade relativa aos bens algo misterioso, porque escondido debaixo
baquático em benefício da humanidade. arqueo lógicos (cada país tem obrigação da água, é preciso juntar as gotas, colabo-
Dentro desta obrigação, a conservação in de legislar no sentido dos seus nacionais rar, estarmos atentos e trabalhar em equipa,
situ, i.e. no leito marinho, é considerada comunicarem as descobertas). Por outro pois da distracção da maioria se faz a profunde-
como a primeira opção. Esta manutenção lado, a Zona Económica Exclusiva e a Pla- za de alguns (Vergílio Ferreira).
no local é importante em termos científi- taforma Continental são zonas de jurisdi- Z
cos e respeita o contexto histórico do ob- ção muito limitada, no que diz respeito António Neves Correia
jecto, para além de atingir o equilíbrio aos bens arqueológicos, pelo que a pala- CFR
com o ambiente e ficar melhor preservado. vra-chave da Convenção é cooperação, Fotos: CFR Alves Salgado
O mar torna-se o protector da sua presa. associada a uma obrigação de comunica-
Outro dos grandes princípios é a preven- ção internacional. Se nenhum Estado tiver Nota
Texto adaptado de uma palestra efectuada na Aca-
ção da exploração comercial e da especu- jurisdição sobre o local, será nomeado um demia da Marinha, em 06NOV08, no Symposium “Os
lação. Esta regra vem estabelecer que estes Estado coordenador com competência es- Naufrágios Portugueses e Espanhóis no Arquipélago
bens não têm carácter comercial, pelo que tabelecida na Convenção. dos Açores” (em fase de publicação)
REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2009 11