Page 89 - Revista da Armada
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de gasolina para avião. Não podia vir nos tan-  RA - Diga.            parecia mesmo que estava a dormir…
         ques.                                CSS - O comandante do «Bartolomeu» era   RA - Uma pessoa extraordinária.
           RA - Do «S. Brás» foi para onde  mais antigo que o do «Zarco» mas o comandan-  CSS - Tenho aqui um desenho dele! Cá está.
           CSS - Fui para o «Lima», para os Açores.  te da expedição era o Brigadeiro Varejão que ia   RA - Um dos dois Avisos de 1ª. E…
         Foi…                               a bordo do nosso navio e que era mais antigo   CSS - Estive na Base. Lembro-me do Cte Vir-
           RA - Com o Cte Sarmento Rodrigues?  que o comandante do Aviso de 1ª. Fundeados  gílio da Cruz. Quando calhava ele estar à frente
           CSS - Não, não! Era o Manuel Beja Corte  em Dili (olhe só!) cada um arriava a bandeira  do Rancho é que se comia bem na Base Naval.
         Real. Estivemos lá seis meses. O navio encalhou  a sua hora pois, eles que até eram amigos, não  Já sabíamos!
         mas lá conseguimos safá-lo.        se entenderam.                       RA - Pois…
           RA - E daí?                        RA - Essa versão é mais lógica do que a que   CSS - Uma vez puseram-me de cabo de ran-
           CSS - Fui para o «Gonçalves Zarco», um Avi-  conheci, décadas depois.  cho mas eu não tinha jeito nenhum para aquilo.
         so de 2.ª. Fomos integrados numa Força Naval,   CSS - Ainda apanhámos trinta japoneses mas  Fui ter com o médico e pedi-lhe para me dar dez
         dois Avisos de 1.ª e outro de 2.ª, e dois navios  quem libertou Timor, sabe, não sabe? Foram  dias de baixa. «Mas, Carlos, tu não estás doente!
         mercantes, o «Sofala» e o «Angola», com tropas  os… Australianos!     Como é que queres que eu faça isso?»
         para Timor. Em Lourenço Marques estivemos   Havia militares nossos, do Exército e da Arma-  Tive que lhe explicar que eu não servia para
         muito tempo à espera de ordens.                                           aquilo e acabou por me pôr de baixa e
           RA - Em 1939 aconteceu uma coisa                                        lá me livrei.
         semelhante mas acabaram por ir para                                         RA - Por onde é que andou que olho
         a Índia e Macau. Timor ficou desguar-                                      para as suas fotos da caderneta e não me
         necida.                                                                   lembro de nunca o ter visto?
           CSS - No Canal de Moçambique sal-                                         CSS - Estive na Escola de Artilharia Na-
         vámos vinte e nove ingleses. Está aqui a                                  val, no Comando Naval de Angola, …
         fotografia deles. Fui eu quem viu os very-                                   RA – Eu também. Como aluno e pro-
         lights! Vinham numa baleeira pois o navio                                 fessor. E em Angola…
         deles tinha sido afundado por um subma-                                     De facto nunca coincidimos mas mui-
         rino alemão. Recolhemo-los. Íamos para                                    to provavelmente nunca teríamos tido
         a Beira mas fomos levá-los a Lourenço                                     oportunidade de nos conhecermos a
         Marques com a baleeira a reboque. Não                                     não ser que, por qualquer circunstância,
         me lembro do nome do navio.                                               tivéssemos concorrido nalgum episódio
           RA - Espere lá! Vamos ver isso nos                                      conspícuo.
         «Setenta e cinco anos no Mar» … Cá                                          CSS - Aqui está outro louvor. Este é do
         está! Foi no dia 18 de Julho de 1944. O                                   tenente Bacharel! Grande homem, muito
         navio inglês era o S/S «Director». O ca-                                  meu amigo. Conhecemos todas as ilhas
         pitão, sete oficiais e vinte e um tripulan-                                dos Açores.
         tes. Exacto!                                                                RA – E esta parada?
           CSS – Mas houve uma outra baleeira                                        CSS – Isso foi em Macau, na comissão
         que foi dar a Durban.                                                     no «Pedro Nunes».
           RA - É isso!                                                              Mas voltei no «Zarco» a Macau e a
           CSS - Nesta estamos nós com os náu-                                     Timor.
         fragos. Todos lhes demos roupas.                                            RA - Em que ano?
           RA - Escreva a data e o nome do navio   Força da Marinha desfilando em Macau.  CSS - Então? De 60 a 64!
         nas costas da foto.                                                         RA - Claro!
           CSS - Não vale a pena. Estas fotos são                                    CSS - Com o Cte Fragoso de Matos e
         todas para oferecer. Para si!                                             depois com o Malheiro do Vale. Já depois
           RA - Não faça isso! São recordações                                     de deixar a Revista da Armada ele conti-
         muito importantes para si.                                                nuou a organizar os almoços da guarni-
           CSS - Não, não. Eu estou já mais para                                   ção do «Zarco». Eu tinha pedido para fi-
         lá do que para cá.                                                        car quando foi a rendição da guarnição.
           RA – Ora essa! Fico com elas, agora,                                      RA - Estive em Timor em Janeiro de
         mas depois devolvo-lhas. Combinado?                                       1966.
           CSS - Olhe esta! Foi um passeio a Za-                                     CSS - Estava lá o Cte Azevedo Mafra!
         vala.                                                                     Era o Capitão de Porto e Comandante da
           RA - Os célebres Marimbeiros…                                           Defesa Marítima. Estava lá também um
           CSS - Oh! Isso mesmo. Fizeram-nos cá                                    sargento. Conheceu-o?
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         uma festa! Aquilo é que foi. Eram milhares. Se  da . Fazia impressão a fome daquela gente, as   RA - Talvez. Não me recordo.
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         quisessem tinham dado cabo de nós .  crianças com umas barrigas muito inchadas. Eu   CSS - Era mau! Muito mau. Queria que eu fos-
           Até que, estávamos nós em Nacala, nos man-  tinha comprado umas latas de conserva e mui-  se castigado por uma coisa que ele é que tinha
         daram seguir todos para Colombo, no Ceilão.  to açúcar para levar para Lisboa (era o raciona-  feito mal e o Mafra participou de mim. Quan-
         Que agora é o Sri-Lanka.           mento!) mas dei tudo. Eram pacotes de açúcar!  do o oficial imediato me chamou eu disse-lhe:
           RA - Mas não iam para Timor?     Gosto de dar, sou assim…           «Eu sei que o Senhor Imediato acredita mais na
           CSS - Veja esta fotografia, nós em cima dum   RA - Vejo que estiveram 72 dias em Ti-  palavra de um sargento do que na duma praça,
         elefante. Eu estive lá! Havia, todos os domingos,  mor…               mas as coisas não se passaram assim!» ao que
         no Jardim Zoológico de Colombo, espectáculos   CSS - Sim. Fomos reabastecer a Darwin. Só lá  ele me respondeu. «Carlos, já te conheço há
         com elefantes. A fazer habilidades.  havia militares… E regressámos pelo Suez, via  quatro anos. Fala!».
           Não, não… O «Afonso» e o «Velho» foram,  Colombo. Olhe! Esta foto é de Aden. O Coman-  RA - Como ficou isso?
         dali, directos, com o «Sofala» para Macau e  dante era o Zola da Silva e o Imediato o Metzner,   CSS - O Senhor Botelho Neves ouviu-me mas
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         nós, com o «Bartolomeu Dias» e o «Ango-  o pai . O Sousa Machado era um jovem tenente.  o Cte Mafra não queria retirar a participação. O
         la», rumámos a Timor. Sabe o que aconteceu  Tudo boa gente. Via-o muito aqui na Revista e  Imediato ia todos os dias a casa do Capitão de
         à chegada?                         vim, ali, ao funeral dele. Rolou-me uma lágrima,  Porto, nas proximidades do farol (eram do mes-
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