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A democratização da navegação
- Lição Inaugural da Abertura Solene do Ano Académico na Escola Naval -
Saber a posição onde nos encontra- sistiu, portanto, na utilização de aparelhos século passado, peritos da Força Aérea e
mos sempre foi de grande utilidade – os radiogoniómetros – que permitiam da Marinha dos Estados Unidos idealiza-
para todos e uma absoluta necessi- determinar a direcção de onde provinham ram um sistema de navegação por satélite
que não padecia dos problemas que afecta-
dade para alguns. O “Génesis”, esse belís- os sinais radioeléctricos emitidos por esta- vam o Transit e que tornava possível o po-
sicionamento contínuo e rigoroso em todo
simo livro da Bíblia, conta-nos que, quan- ções em terra – os radiofaróis. Todavia, a o globo, com o objectivo de guiar mísseis
balísticos em voo.
do o homem estava no Jardim do Éden, radiogoniometria nunca foi uma forma de
Nasceu assim o projecto GPS, que é a si-
Deus o interpelou, no sentido de saber a navegação popular, pois comportava erros gla para Global Positioning System. A opção
recaiu na utilização de uma constelação de
sua localização. “Onde estás?” – pergun- de posicionamento muito elevados, que, 24 satélites, transmitindo em 2 frequências
pré-definidas da banda UHF. Cada satéli-
tou o Senhor, ao que o homem respondeu além disso, aumentavam com a distância
te transmitia, nessas 2 fre-
de forma evasiva, certamente por desco- ao radiofarol. quências, 2 códigos dife-
rentes, um menos exacto,
nhecer as suas coordenadas. Também Noé Cientes desta forte condicionante, os aberto à utilização civil,
e um outro mais exacto,
parecia não ter grandes perícias como na- cientistas trabalharam no sentido de con- para utilização eminente-
mente militar. O primeiro
vegador, visto ter necessitado da ajuda de ceber sistemas de radionavegação que, satélite GPS foi lançado
para o espaço em 1978,
uma pomba para levar a mas o sistema só atingiu
a sua Final Operational Ca-
sua arca até terra firme. pability quase duas déca-
das depois, em 1995.
No entanto, com o passar
Sobre o GPS, impor-
do tempo, o homem foi ta desmistificar a ideia,
completamente erra-
desenvolvendo métodos da mas frequentemente
veiculada, de que os sa-
e técnicas de navegação télites seguem, ou “es-
piam”, os utilizadores do
que lhe foram permitindo sistema, sabendo sempre
onde eles se encontram.
saber a sua localização e É exactamente ao contrá-
rio. Os satélites GPS não
dispensar as pombas. são nenhum Big Brother
watching you! São os utilizadores que “es-
Ainda na antiguidade, piam” os satélites, pois através dos respec-
tivos receptores recebem e processam os si-
foram instaladas as pri- nais por eles transmitidos. Os satélites GPS
são, pois, os “faróis” da nossa era, isto sem
meiras infra-estruturas prejuízo para o inestimável serviço que os
verdadeiros faróis continuam a prestar a
em terra, com o fim de todos os navegantes.
Em termos de funcionamento, a recep-
ajudar a guiar os nave- ção do sinal oriundo de 3 satélites permite
obter uma posição a 2 dimensões (i.e. lati-
gantes marítimos, aler- tude e longitude) e a recepção do sinal de
4 satélites fornece uma posição tridimen-
tando-os, também, para a sional (i.e. latitude, longitude e altitude).
Recebendo o sinal de um número superior
presença de perigos para de satélites, o receptor refina o posiciona-
mento e melhora a exactidão.
a navegação. Estas infra- Como seria de esperar, ao mesmo tempo
que os americanos desenvolviam o GPS,
estruturas possuíam fo- a União Soviética concebia um sistema si-
milar, baptizado como GLONASS, que é o
gueiras acesas ou gran- acrónimo para GLObal’naya NAvigatsion-
naya Sputnikova Sistema. O primeiro satélite
des luzes à base de azeite GLONASS foi lançado em 1982 e em 1995
a constelação do GLONASS estava com-
e receberam a designa-
ção de faróis, termo que
deriva de Pharos, o nome Farol de Alexandria.
da pequena ilha onde foi
erigido o célebre e imponente Farol de em vez da avaliação da direcção, base-
Alexandria – uma das sete maravilhas do assem o seu funcionamento na medição
Mundo Antigo. da distância, pois nessas circunstâncias
Com o passar do tempo, as fontes de o erro não aumentaria significativamente
alimentação dos faróis foram sendo subs- com o afastamento relativamente à estação
tituídas por petróleo, gás e, mais moderna- transmissora.
mente, por electricidade. Porém, os faróis Foi esse o princípio de funcionamen-
têm um alcance limitado e só são úteis se to de sistemas como o Decca, o Loran e
houver boa visibilidade, pelo que o adven- o Omega. No entanto, todos eles tinham
to da rádio no final do século XIX levou a limitações decorrentes dos condiciona-
que se começasse a estudar o desenvolvi- lismos da propagação das ondas rádio.
mento de sistemas de navegação baseados Em 1957, o lançamento do Sputnik veio
na nova tecnologia, inaugurando o radio- abrir novas possibilidades à radionave-
posicionamento e a radionavegação. Neste gação, contornando os constrangimentos
particular, o radiogoniómetro constituiu o da propagação terrestre, pela colocação do
sistema pioneiro, tendo tido a sua génese transmissor no espaço, ou seja acima dos
quando o grande Heinrich Hertz se aper- utilizadores.
cebeu que as ondas rádio possuíam pro- A experiência obtida neste campo permi-
priedades direccionais. tiu aos Estados Unidos o desenvolvimen-
Em 1888, Hertz constatou que, à medi- to do primeiro sistema de radionavega-
da que fazia girar uma antena receptora ção por satélite. Designava-se por Transit
circular, o valor da corrente nela induzida e começou a funcionar em 1964, apresen-
variava, pelo que conseguia perceber a di- tando, desde o início, vários problemas e
recção em que se encontrava o transmissor. limitações.
A primeira forma de radionavegação con- Entretanto, no início da década de 70 do
18 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA