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NRP “Álvares Cabral”
Navio-Almirante da SNMG1
PARTE IV
“TREINO DURO, COMBATE FÁCIL!” simula um mercante que é atacado por uma skiff norte da Somália.As unidades navais das várias
(tipo de embarcação rápida, normalmente utili- forças presentes na Área de Operações, são dis-
Após seis dias de paragem logística na Base zada pelos piratas da Costa da Somália nos seus tribuídas ao longo do IRTC e áreas circundan-
Naval de Souda Bay, localizada na ilha ataques), simulada pela sua semi-rígida. O nosso tes, vigiando continuamente a navegação que
grega de Creta, na “Álvares Cabral” já se helicóptero, que nesta missão terá um papel mui- atravessa o Golfo de Aden, tentando localizar e
sente a azáfama dos preparativos para o início to importante como meio avançado de reconhe- identificar embarcações suspeitas de pirataria,
de mais uma etapa desta missão. Com as ima- cimento e de intercepção, tenta impedir o ataque, assim como assegurar uma resposta rápida a um
gens da pitoresca cidade de Chania ainda na exercitando o seu posicionamento em relação à ataque em curso.
memória, os militares da guarnição, orques- ameaça e o jogo de regras de empenhamento.
trados pelo som do apito do Mestre do Navio, À tarde afina-se a pontaria com as metralhadoras A Área de Operações inclui ainda a designa-
ocupam os seus postos de faina geral. Está quase ligeiras MG3 e Browning. Como se diz na gíria, da Somali Basin, delimitada a oeste pela costa
na hora da largada, pelo que as espias de amar- “Treino duro, combate fácil!”. leste da Somália, do Quénia, Tanzânia e Mo-
ração começam a ser recolhidas uma çambique, a sul pelo paralelo dos 11º Sul, a
a uma, permitindo que o navio lenta- Na manhã do dia 8 de Novembro, o navio
mente se vá afastando do cais rumo atravessou o estreito de Bab-el-Mandeb, já na leste pelo meridiano dos 60º Este e
ao seu habitat natural, o mar! companhia da fragata americana “Stephen a norte pelo paralelo dos 12º Norte.
W Groves”, entrando no Golfo de Áden, que Esta área com mais de um milhão de
À saída, o céu muito nublado, o faz a separação entre a costa norte da Somá- milhas quadradas é uma das zonas
vento fresco de Nordeste e o mar en- lia e os países ribeirinhos da península ará- mais problemáticas desta operação
crespado são prenúncios de algum ba- bica, o Iémen e o Sultanato de Omã. A en- pela sua vastidão. Mesmo com a
lanço no último entardecer do mês de trada em cena do nosso navio foi rápida. No quantidade de meios aéreos e navais
Outubro. Houve ainda oportunidade dia seguinte já navegávamos junto ao navio envolvidos, exige um elevado esforço
para um reabastecimento no mar com inglês “Cornwall”, para efectuar o Operatio- para assegurar a sua vigilância perma-
o navio alemão “Rhöen”, quase em nal Handover, no final do qual receberíamos nente, sendo por isso a área onde se
jeito de despedida, uma vez que este oficialmente as funções de navio-almirante tem observado recentemente maior
não iria atravessar o canal do Suez. da força-tarefa TF 508, substituindo a fragata actividade de pirataria.
inglesa que navegava nestas águas desde final
O trânsito até à costa do Egipto foi de Junho deste ano. A esta força vieram tam- Nesta área estão também a operar
aproveitado para conduzir algumas bém juntar-se o navio americano USS “Do- diversas unidades navais e aerona-
palestras e exercícios internos de pre- nald Cook” e o italiano ITS “Libeccio”. ves da União Europeia no âmbito da
paração para a missão que se segue, a Operação Atalanta, unidades ameri-
operação Ocean Shield. Esta operação, No Golfo de Áden foi criado um corredor de canas, turcas e sul-coreanas que in-
que surgiu no seguimento da operação tráfego marítimo, designado de IRTC (Interna- tegram uma força-tarefa, coligada,
Allied Protector, na qual participou a tional Recommended Transit Corridor) por onde comandada pelos Estados Unidos
fragata “Corte-Real”, tem como prin- são aconselhados a circular os navios mercan- da América e ainda unidades chine-
cipal objectivo garantir a segurança tes que navegam nesta zona, com o objectivo sas, indianas e japonesas.Todos estes
da navegação que circula no Golfo de aumentar a sua segurança e facilitar a defe- meios colaboram para os mesmos
de Áden (GoA) e ao largo das costas sa contra os ataques de piratas vindos da costa objectivos, sendo imprescindível a
da Somália, contra os ataques de pira- coordenação dos navios, helicópte-
tas que se tentam apoderar dos navios, pedindo ros e aviões.
avultadas quantias de dinheiro em troca do seu A protecção dos navios é assegurada, quer
resgate. Também a componente da saúde ope- pela patrulha em áreas ao longo do IRTC, es-
racional não foi esquecida, uma vez que o navio coltas isoladas a navios vulneráveis, quer ainda
irá operar relativamente perto de países onde o pela constituição de comboios de navios mer-
perigo da malária continua bem presente. cantes escoltados por, no mínimo, um navio de
guerra. Estes comboios chegam a incluir mais
Ao cair da noite do dia 2 de Novembro, o de vinte navios, a distâncias aproximadas de
navio fundeou ao largo de Port Said, com o ob- uma milha náutica.
jectivo de iniciar a travessia do Canal do Suez Os primeiros dias de patrulha decorrem sem
na madrugada do dia seguinte. Este canal, que novidade, mas com a natural expectativa de
faz a ligação entre o Mar Mediterrâneo e o Mar quem participa em operações, num cenário
Vermelho, foi inaugurado em 1869, tendo sido diferente do habitual e com uma visibilidade e
encerrado em duas ocasiões, a última das quais impacte mediático acima da média. A aproxi-
em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias, entre mação do dia de atracação em Omã, primeiro
Israel e os países árabes vizinhos. Ao início da porto nestas águas e um dos principais pontos
tarde do dia 3, a “Álvares Cabral” já navegava de apoio logístico dos navios que operam nes-
no Mar Vermelho, em direcção ao estreito de ta área, aconselha a uma palestra sobre os usos
Bab-el Mandeb e à Área de Operações. e costumes do mundo muçulmano, que natu-
ralmente suscitam alguma curiosidade entre a
O calor que se vai fazendo sentir à medida que guarnição e que obviamente devem ser tidos
seguimos para sul não perturba o planeamento em conta aquando do contacto com a popu-
de actividades do navio, que segue obstinado lação local.
nos seus preparativos para a exigente missão No dia 16 de Novembro, e após a primeira
que se aproxima. O dia começa cedo com mais patrulha no IRTC, o navio atracou em Salalah,
um voo de treino do Rogue. Desta vez o navio
6 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA