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O Futuro da Europa

No dia 12 de Fevereiro de 2008,            e correr o risco de reprovação por ques-  Tribunal Constitucional alemão deci-
          logo a seguir à assinatura do    tões partidárias internas ou por elei-    diu que o Tratado de Lisboa não é in-
          Tratado de Lisboa, tive ocasião  tores sem qualquer ideia sobre o texto    compatível com a Constituição alemã,
de fazer uma comunicação à Academia        do tratado. O que veio a acontecer na     mas que a responsabilidade da inte-
de Marinha questionando a existência       Irlanda, único Estado onde o referen-     gração europeia “continua nas mãos
de uma federação europeia, os Estados      do era uma imposição constitucional,      do Parlamento Nacional e não do Par-
Unidos da Europa, à semelhança dos         que o chumbou devido a “inverdades”       lamento Europeu”. Tal conclusão não
Estados Unidos da América. A Revis-        lançadas pela oposição que ofendiam       será morte da “Europa Federal”, como
ta da Armada noticiou com relevo o         o sentimento, a religião e o pacifismo     escreveu o embaixador José Cutileiro,
acontecimento e os Anais do Clube Mi-      dos Irlandeses.                           mas poderá ser forte razão para um
litar Naval publicaram-na na íntegra.                                                maior atraso na sua realização.
                                             Antes de terminar, foquei a necessi-
  Depois de uma breve introdução so-       dade de avançar para uma união polí-        Acaba de obter unanimidade a apro-
bre os benefícios da União ou até da       tica e de reduzir o défice democrático     vação do Tratado de Lisboa, vencido
sua inevitabilidade, fazia uma rápida      que continua a existir. A comunicação     o segundo referendo na Irlanda e ul-
síntese da evolução histórica da União     acabava com um esclarecimento sobre       trapassadas as dificuldades dos pre-
Europeia e chamava a atenção
para as recomendações dos                  o que é uma verdadeira federação e,                sidentes da República Checa e
seus fundadores no que respei-             o que é muito importante, a lembrar                da Polónia. Espera-se que entre
ta à prudência e aos cuidados              que os estados federados perdem a                  rapidamente em vigor, antes
a pôr na sua integração e no               representação internacional e o con-               que os Conservadores britâni-
seu alargamento. Recomenda-                trolo das forças armadas. Foi isto que             cos proponham um referendo
ções afinal esquecidas, no final             me levou à previsão, pouco arriscada,              ao Tratado que já foi por eles
do século, com uma tentativa               de que nenhum dos presentes na ses-                aprovado. A Europa tem de
constitucionalista e um alar-              são da Academia assistiria à forma-                ser mais unida na Economia e
gamento exagerado que bem                  ção de uma federação europeia. Não                 na Política Externa para poder
podiam ter dado lugar a uma                passaremos, no próximo meio século,                enfrentar, de igual para igual,
grave crise no funcionamento               como já escrevi mais de uma vez, de                os E.U.A., a Rússia e a China:
das instituições.                          uma organização supranacional forte,               somos quinhentos milhões de
                                           híbrida, original, situada juridicamen-            habitantes, temos mais expe-
  Seguidamente referia-me                  te entre uma federação e uma organi-               riência política e muita massa
aos sucessivos tratados que                zação intergovernamental, construída               cinzenta. Suspeito que as re-
foram, no fundo e em resumo,               sobre um tratado que não será uma                  centes nomeações para presi-
uma forma de, passo a passo,               constituição, embora lhe possam dar                dente do conselho e para alto
aumentar os poderes do Par-                esse nome. E vamos assistir ao longo               representante da política ex-
lamento Europeu e reduzir o                do século a uma guerra de arquitectu-              terna não irão ajudar muito o
número de situações em que é               ra e de nomenclatura que nos leve tão              reforço da união: a Srª Merk-
permitido o poder de veto aos              longe quanto possível.                             le quer continuar a ser ela a
estados-membros.                                                                              mandar.
                                             Toda esta revisão do trabalho apre-
  Assim se seguiram ao Tra-                sentado em 2008 resulta do que parece                 A União Europeia acaba,
tado de Roma, a sua revisão                ser a confirmação da minha previsão:                também, de decidir a abertura
com o Acto Único Europeu, o                no dia 30 de Junho, em Karlsruhe, o                de embaixadas “europeias” em
Tratado da União Europeia, conhecido                                                 todos os estados do mundo, o que vem
por Tratado de Maastrich, que criou a                                                de certo modo confirmar outra previ-
União Económica e Monetária, o Tra-                                                  são que fiz em 2008.
tado de Amesterdão – com a entrada                                                     Haja ou não federação europeia, a
da Suécia, Áustria e Finlândia, e o Tra-                                             maior parte dos europeus, e com certe-
tado de Nice, a reforçar as disposições                                              za os Portugueses, nunca perderão um
do tratado anterior. Em 2004 surge o                                                 certo sentimento nacionalista, que bem
Tratado Constituinte, que eu conside-                                                se pode exprimir nesta feliz afirmação
rei então “prematuro e precipitado, fei-                                             do engenheiro José Luís Andrade:
to de uma forma pouco hábil e longe                                                    “O ideário da União Europeia pro-
dos cidadãos”.                                                                       clama insistentemente que o conceito
                                                                                     de Nação é já obsoleto e limitativo da
  Sob a presidência alemã, este últi-                                                tão desejada afirmação colectiva eu-
mo tratado, chumbado por referendo                                                   ropeia. Mas a realidade é que a enti-
na França e na Holanda e contrário à                                                 dade supranacional se pode transfor-
vontade dos Ingleses e dos Polacos,                                                  mar num espaço jurídico, económico,
foi transformado e habilmente ajus-                                                  financeiro, policial, monetário, mas
tado, tirando-lhe o nome e a forma de                                                nunca num bloco identitário. Falta-lhe
Constituição e retirando dele as pala-                                               todo o património simbólico através
vras “bandeira”, “hino” e “ministro                                                  do qual as nações põem à disposição
dos Negócios Estrangeiros”.                                                          dos indivíduos uma memória e um in-
                                                                                     teresse colectivos, uma fraternidade e
  Acabou por ser assinado sob a pre-                                                 uma protecção com provas dadas.”.
sidência portuguesa, juntamente com
o acordo para a aprovação ser feita pe-                                                                                                 Z
los Parlamentos nacionais, eleitos pelo
povo, para não ficar sujeito a referendo                                                       Comandante E. H. Serra Brandão

10 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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