Page 31 - Revista da Armada
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europeus deveriam reconhecer que precisam de aviador do curso sempre que filosofamos em Também meditei sobre o interesse e opor-
emigrantes e criar-lhes as condições para uma demasia. Passadas duas semanas da sua cirurgia tunidade deste curso… Em relação a isso
integração com regras humanas – e não explorá- o congolês agradeceu-me de uma forma muito diga lá o leitor anónimo, depois de ler esta
-los ilegalmente, como tem sido apanágio de singela, certamente característica da sua cultu- história, se o curso não me tem sido útil para
um paradigma deste desenvolvimento selva- ra e afirmou “vous êtes mon frère”… Meditei compreender exemplos destes, da geoestra-
gem, que já não é sustentável e cujos resultados sobre aquela frase e achei que seria um orgulho tégia mundial?
estão agora bem a descoberto… ser considerado um irmão de um homem tão
corajoso como aquele…
Vou “aterrar a nave” como nos pede o piloto
Doc
Fuzileiros portugueses voltam à “Pedra do Feitiço”
eh pá! Já fiz duas comissões na Pedra do emoção que de todos nós se apoderara. O co- dos. Espectacular!
Feitiço! mandante Loureiro Nunes (LN), uma espécie de Saltamos para terra, estamos na Pedra do Fei-
É com esta pilhéria ou outras de cariz patrocinador e cicerone, que, cumprindo mis-
semelhante que, ainda hoje, os fuzileiros mais são na Pedra do Feitiço, ali passou dois anos da tiço. Um nervoso miudinho invade-nos a todos.
antigos tentam impressionar os mais modernos sua juventude, exteriorizava essa mesma emo- Passado o impacto inicial soltam-se as emoções
acerca da sua pretensa antiguidade. Ficou-lhes ção “ rapaziada se eu começar a falar demais, e é um tropel de informações que o LN come-
o jeito das conversas repetidamente ouvidas du- dêem-me um toque”. E vários toques….foram ça a debitar. Parecia que ainda lá estava em co-
rante as longas noites de serviço ou à roda das necessários tal a vontade de tudo dizer, de tudo missão tal o realismo dos seus relatos. Mas os
mesas de bar em que, os que andaram por terras mostrar, enfim, de tudo reviver. vestígios da passagem dos fuzileiros portugueses
de SantoAntónio do Zaire, agora Soyo, nas déca- por aquelas paragens são ainda bem evidentes
das de 60 e 70, davam largas à sua imaginação e Acompanhados pelo comandante Bamba, e preservados e falam por si. Os fuzileiros ango-
contavam as suas aventuras africanas em relatos comandante do Corpo de Fuzileiros de Angola lanos respeitam o passado preservando as ins-
naturalmente envolvidos em al- e outros oficiais angolanos, largámos da Base crições, os registos pessoais e, em suma, tudo
guma fantasia mas, no essencial, Naval do Soyo e aí vamos nós, rio acima, em
próximos da dura realidade que duas lanchas cedidas pelo LN que, qual velho o que se relaciona com a nossa
a guerra impunha e, também, marujo, manobrava habilmente uma delas. Má- passagem por aquele local.
com o mesmo intuito de impres- xima velocidade!Temos pela frente 60 milhas e
sionar a atenta assistência. não podemos deixar de fazer uma rápida passa- Mais calmos, sentados debai-
gem pela Ilha da Kissanga para cumprimentar os xo do cajueiro grande, bebe-
Os fuzileiros de todos os Fuzos que guarnecem aquela posição. Jamais mos uma cuca (cerveja ango-
tempos habituaram-se a ouvir nos perdoariam tendo em conta o isolamento lana de grandes tradições) em
falar da Pedra do Feitiço como em que se encontram. fraterno convívio com os fuzi-
se de um local mítico se tra- leiros angolanos, apreciando a
tasse onde todas as incursões, Vencendo a fortíssima corrente, somos envol- tranquilidade do local, olhando
mesmo que imaginárias, são vidos pela beleza do mangal que, numa paleta o rio espelhado e vivendo aque-
permitidas e tão válidas como as mais perigo- policromática, avança pela margem continua- le momento místico, provavel-
sas operações reais. mente ponteada de pequenos povoados de pes- mente irrepetível para nós.
cadores. Casas, tipo palafita, assentes em estacas Rapazes!Temos de regressar! Era a voz do LN
Quando o tema é a Pedra do Feitiço, tudo se cravadas em chão de “mabanga” sobrepõem-se …. Apesar da corrente, agora a favor, temos as
aceita e tudo se tolera numa complacência e à água. Porquê? Será para aproveitar o fresco das tais sessenta milhas para percorrer e o almoço
tolerância quase doutrinárias. águas? Questões de segurança? Talvez? com o Vice-Almirante Comandante da Região
Naval Norte, no Soyo, não espera.
Memórias de outros cenários de África per- A paragem na ilha da Kissanga foi rápida Deixamos a Pedra do Feitiço com a alma
manecem, também, bem vivas nas conversas mas valeu a pena. Cenário idílico que tivemos lavada, na plena consciência de que, ao fazer
entre fuzileiros. Basta dar uma vista de olhos de deixar para trás. O objectivo principal estava esta visita, homenageamos, muito justamente,
pelos muitos “blogs” criados pela comunidade ainda bastante longe. tantos quantos por aqui passaram, estejam eles
FZ espalhada pelo mundo para o constatar mas onde estiverem.
parece-nos que, uma das que mais pontua no Uma chuva quente e forte deixou-nos enchar- Agradecimentos:
imaginário FZ, é mesmo a Pedra. cados até aos ossos mas nada de desânimos. O À Marinha de Guerra Angolana que auto-
magnífico sol africano se encarregará de resol- rizou a missão e a apoiou através da preciosa
Por isso, foi com uma ponta de emoção que, ver o problema logo a seguir. colaboração do Comandante da Região Naval
no dia 5 de Dezembro de 2009, seis Fuzileiros Norte,VALMValentim Alberto António.
Portugueses demandaram e desembarcaram na A vista espraia-se pelo imenso estuário e, Agradecimento emocionado ao comandan-
Pedra do Feitiço. ao longe, começa a vislumbrar-se a Pedra do te Loureiro Nunes cujo apoio com meios, dis-
Feitiço num cenário magnífico de calmaria ponibilidade pessoal e saber, foi fundamental
A oportunidade surgiu da necessidade de, no das águas, do verde da vegetação que nelas se para o sucesso do empreendimento a que nos
âmbito da CooperaçãoTécnico-Militar, verificar reflecte e das construções em anfiteatro numa propusemos.
as condições de treino bilateral na área opera- ponta de terra que termina em enormes roche- Participaram nesta expedição pela parte Por-
cional onde o Batalhão FZ Angolano mantém tuguesa:
o seu dispositivo com a missão de patrulhar e - CMG FZ Loureiro Nunes
fiscalizar o rio Zaire, desde a Foz até Noqui, - CFR FZ Benjamim Correia
para conter a infiltração de estrangeiros ilegais - CTEN FZ Clemente Gil
vindos da Republica Democrática do Congo ou - 2TEN ST FZ Figueiredo Pereira
de outros países a norte. - 1SAR FZ Basílio Perfeito
- CAB FZ Correia Alvélos
Mudaram os tempos, mudou o contexto
mas a missão dos Fuzileiros, no essencial,
mantém-se naquela zona de fronteira estraté-
gica para Angola. Uma colaboração da Cooperação Técnico-Militar
com Angola – Projecto 8 - Marinha
O dia 5 de Dezembro de 2009 nasceu cin-
zento, parecendo querer carregar, ainda mais, a Revista da aRmada • JULHO 2010 31

