Page 8 - Revista da Armada
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PORQUÊ UM GRANDE VELEIRO?

  Desde o fim da utilização comercial e militar dos veleiros que     nova unidade em que se venha a prestar serviço.
Portugal tem mantido a utilização de grandes veleiros como navio-      • Representação: Que melhor meio poderá ser utilizado para
-escola para complemento da formação teórica ministrada pela Es-
cola Naval aos futuros Oficiais da Marinha.                          representar uma Marinha e um País que se deu a conhecer ao
                                                                     mundo pelos seus feitos marinheiros? O militar da Sagres é vis-
  Se até há alguns anos a utilização deste tipo de navio-escola era  to, onde quer que vá, como um herdeiro dos feitos de Vasco da
encarada como uma forma económica de dar treino de mar, com          Gama, Bartolomeu Dias, Álvares Cabral, e tantos outros. O navio
a lacuna de não permitir o contacto com tecnologias de ponta ou      permite uma representação culta, cheia de significado histórico e
operações navais modernas, o facto é que actualmente este tipo       simultaneamente muito moderna pelo facto de ser amigo do am-
de navios está a ser cada vez mais utilizado.                        biente, representar um desporto de elite, e levar uma mensagem
                                                                     de amizade aos milhares que nos visitam e provam o carinho e
  Ao longo dos anos que passámos na Sagres e dos contactos que       boa disposição dos portugueses cá embarcados.
fomos tendo com outras Marinhas que não utilizam este tipo de
navio, fomos várias vezes informados da vontade e necessidade          • Apoio à Política Externa do Estado: A possibilidade que o na-
que sentiam e das vantagens que teriam em ter uma Sagres. Algu-      vio dá, em cada porto, aos nossos representantes diplomáticos de
mas Marinhas adquiriram esta capacidade recentemente e outras        aqui trazerem as mais altas autoridades e individualidades locais é
fizeram avultados investimentos para a prolongar. Estamos em crer    altamente facilitadora do seu trabalho diário de estreitar relações.
que este é actualmente um dos muitos factores diferenciadores de     Para além disso, o próprio Governo português tem utilizado o po-
Marinhas, no sentido positivo.                                       tencial do navio destacando-se o encontro entre o nosso Primeiro-
                                                                     -Ministro e o Presidente do Brasil, aqui a bordo durante a Cimeira
  Mas quais as vantagens da Sagres relativamente a outro tipo
de navio?                                                                                                    Luso-Brasileira de OUT2008,
                                                                                                             a Comemoração do Portugue-
  • Conhecer o mar: O mar é                                                                                  se National Day nas Nações
um elemento injusto, tão capaz                                                                               Unidas, em que a representa-
de destruir actualmente uma                                                                                  ção nacional convidou as suas
fragata como foi de destruir                                                                                 congéneres para uma recep-
uma frágil caravela dos des-                                                                                 ção a bordo, em Nova Iorque
cobrimentos. Um aspirante a                                                                                  (JUL2009) e a presença do na-
marinheiro tem que começar                                                                                   vio nas comemorações do Bi-
por conhecer e saber lidar com                                                                               centenário dos Movimentos In-
as forças do vento e do mar, e                                                                               dependentistas da América do
nada como um navio que as                                                                                    Sul e dos 150 anos do tratado
utiliza para se mover em gran-                                                                               de Paz, Amizade e Comércio
des travessias. Só este conheci-                                                                             entre Portugal e o Japão.
mento permite ao marinheiro
conhecer os seus limites e os                                                                                  • Visita à Diáspora: Nas co-
do navio de que depende para                                                                                 munidades portuguesas en-
sobreviver e para cumprir as                                                                                 contram-se provavelmente os
missões que lhe forem atribuí-                                                                               maiores apreciadores do nos-
das. Antes da Primeira Guerra                                                                                so navio. Assistimos invaria-
Mundial era condição para ser oficial nos vapores transatlânticos    velmente à dose de orgulho em ser português que este belo e bem
ter sido aprendiz num dos grandes veleiros de comércio pois era      cuidado navio lhes proporciona. Este facto reflecte-se na forma
sabido que aqueles oficiais mantinham a calma e trabalhavam me-      como nos recebem e pode ser verificado através da forma como
lhor perante situações adversas.                                     as nossas pequenas comunidades em Honolulu ou Guayaquil se
                                                                     superaram e proporcionaram uma recepção inesquecível. Só por-
  • Marinharia e manobra: Apesar da era de complexidade tec-         que somos marinheiros da Sagres.
nológica que vivemos, os navios de treino de vela continuam a          • Custos: A operação de um grande veleiro tem menores custos
permitir o melhor e mais completo treino e prática de manobra e      por aluno pois estes têm uma maior capacidade de alojamento para
marinharia, não só pela dificuldade inerente como pelo resultado     pessoal extra-guarnição, consomem cerca de 10% do combustível
do trabalho na propulsão e manobra.                                  de um navio de linha e podem operar isoladamente, dispensando
                                                                     reabastecedores. Por outro lado, manter pessoal capaz de o operar
  • Escola de vida: Mais do que ser uma escola de marinheiros, a     e a necessária corrente logística e de manutenção para um só navio
Sagres proporciona uma oportunidade única de desenvolvimento         tem naturalmente custos organizacionais, de pessoal e financeiros.
da autoconfiança, coragem, firmeza e capacidade de julgamen-         Parece-nos que o balanço ainda é muito positivo.
to, precisamente algumas das qualidades que a Marinha quer nos         Ao terminar mais uma Viagem de Instrução, para além do muito
seus líderes. Para utilizar o vento em seu favor, a Sagres depende   que foi feito em complemento da formação dos cadetes, mas que
do saber e do trabalho da sua guarnição, da qual os cadetes fazem    também contribuiu para esta, orgulhamo-nos de poder devolver
parte, e que tem que trabalhar como uma equipa que é decisiva        à Escola Naval um curso que tem uma nova dinâmica de grupo,
em circunstâncias de mau tempo, em que o medo e a exigência          com um conjunto de potenciais lideres, todos eles conhecedores
física são levados ao extremo, para dar resposta rápida e eficiente  da organização do navio (que é semelhante à de qualquer outro),
às ordens do comando. A sociedade civil também já está a utilizar    das suas tradições (aqui mais profundas e enraizadas), dos compor-
os grandes veleiros para a formação de jovens como se pode ve-       tamentos adequados a bordo, da melhor forma de relacionamento
rificar através dos vários navios civis com que nos cruzamos nos     com os oficiais, sargentos e praças da guarnição e, sobretudo mais
encontros de grandes veleiros, havendo alguns com deficientes e      corajosos, auto-confiantes e seguros de que este é o futuro que
outros com projectos de recuperação de jovens marginalizados e       querem para si. Tudo isto porque passaram cerca de três meses no
indivíduos problemáticos.                                            mar, afastados dos seus familiares e amigos, enfrentaram calma-
                                                                     rias e tempestades e ajudaram no bem sucedido cumprimento de
  • Gosto pelo nosso navio: Um dos objectivos de cada coman-         mais uma missão da nossa Sagres.
dante é que a sua guarnição sinta o navio como seu, como algo
muito especial e que tenha orgulho nele. Ora a Sagres é um navio
que facilita esta aquisição que depois será transposta para cada

8 Setembro/outubro 2010 • Revista da aRmada
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