Page 16 - Revista da Armada
P. 16
A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (13)
A fortaleza de Mangalor
D.Antão de Noronha zarpara de Lis-
boa em Março de 1564, para ir ocu- Canatale. Como vinha sendo costume na Ín- rio dá abrigo a uma armada e permite con-
par o cargo de vice-rei da Índia, dia, os capitães não se entenderam para per- trolar uma vasta região produtora de arroz,
manecerem juntos, e Paulo de Lima acabou mas não é tão claro porque é que D. Antão
onde chegou a 3 de Setembro desse mesmo por ficar fundeado em Baticala, onde viria a quis comandar pessoalmente a expedição.
ano. Encontrou o governador, D. João de Me- ser atacado pelo dito corsário, surpreendido Talvez quisesse ter o seu momento de glória
neses, doente mas nada obstou a que o pro- com poucos meios de defesa e sujeito a uma e escolhesse uma operação (aparentemen-
cesso de sucessão se realizasse sem sobres- situação que podia ter-lhe sido fatal. Diogo te) simples, não muito longe de Goa, para o
saltos, com todas diligências efectuadas e do Couto regista este encontro observando exercício de armas próprio de um fidalgo de
assinados os documentos necessários para a que os navios portugueses estavam prontos elevada extirpe no mais importante cargo do
transferência de responsabilidades. Em Lis- para combate, com todo o pessoal a bordo, Estado da Índia.
boa não se sabia ainda da morte de D. Fran- porque “era manhã cedo”. Se fosse uma hora
ciscoCoutinho,masdecorriamtrêsanossobre mais tarde, os portugueses estariam todos em Começa todos os preparativos ainda du-
a sua chegada a Goa, substituindo o vice-rei terra, e Canatale não faria “mais que chegar, e rante o ano de 1567, eventualmente, com a
D. Constantino de Bragança, de forma que era dar toa aos navios”. O combate que se seguiu contrariedade de já não ter consigo Gonçalo
previsível a chegada de novo fidalgo para o e o sucesso de D. Paulo de Lima foram mui- Marramaque que enviara às Molucas, por ra-
cargo, mau grado o facto do governador di- to bem descritos por Saturnino Monteiro, na zões que viremos a falar noutra revista. Ain-
tado pelas sucessões estar em da em Setembro mandou sair uma pequena
funções apenas há uns meses.
D. João partiu para o reino em armada de 12 navios, que de-
Janeiro de 1565, demorando- veriam impedir a distribuição
-se na travessia e ficando im- do arroz a partir de Mangalor,
pedido de passar o Cabo nes- para os portos do sul. Seguiu-
se ano. Não quis, porém, ficar -se a Armada do Malabar, em
em Moçambique, preferindo Outubro, sob o comando de
invernar em Ormuz onde era D. Francisco Mascarenhas
capitão o seu amigo D. Pedro Palha, que deveria avisar Co-
de Sousa. Partiu em Novem- chim das suas intenções e
bro e seguiu directamente até manter-se pronta para a ope-
à ilha de Santa Helena para ração, vigiando os rios com
fazer aguada, onde sabemos especial atenção em Cananor.
que lançou algumas perdizes Zarpou ele próprio de Goa a 8
em liberdade, que ali procria- de Dezembro, reunindo todas
ram com facilidade, havendo as forças navais emAngediva
muitas no final do século. e surgindo em frente do reino
O novo vice-rei começou as inimigo e da foz do rio no final
funções distribuindo cargos, de Dezembro ou princípios
como vinha sendo costume de Janeiro. O desembarque
nestas condições: Diogo de Barra de Mangalor e fortaleza de S. Sebastião. iniciou-se na madrugada do
Menezes para Malaca, An- Livro de Plataforma das Fortalezas da Índia. dia 4, estando previsto que os
galeões bombardeassem a ci-
tónio de Noronha para Cananor e Gonçalo monumental obra Batalhas e Combates da Ma- dade, enquanto as diferentes
Pereira Marramaque para capitão da Arma- rinha Portuguesa, e eu registo apenas a curio- bandeiras ocupavam posições nas duas lín-
da da Índia. Era, no fundo, a habitual dança sidade da expressão “dar toa aos navios”, que guas de areia, que protegem o acesso directo
de cadeiras que colocava as pessoas de con- significa passar-lhe um cabo de reboque para ao porto, e em frente à própria cidade fortifi-
fiança, familiares próximos, recomendados levá-los com ele. O linguista José Pedro Ma- cada.As primeiras horas foram bastante difí-
ou protegidos e, nalguns casos, indicados chado encontrou para a palavra “toa” uma ceis e cruéis para os portugueses, mas no dia 5
pela coroa. origem inglesa na expressão “tow” (= cabo de a cidade estava tomada. Diogo do Couto par-
Marramaque tinha uma das missões mais reboque), mas realço, mais uma vez, que este ticipou nos combates, dando-nos pormenores
espinhosas, dado o estado de guerra que en- episódio e esta descrição são muito anterio- descritivos de enorme realismo, que mostram
volvia Cananor e que dava força à pirataria res à influência inglesa nos mares. “Toa” – de bem a violência e as dificuldades do mesmo.
dos canais feita com os habituais paraus a es- que vem o “andar à toa” – passou por outro O vice-rei pensara em fazer a fortaleza sobre a
conderem-se e emboscarem para surpreender caminho qualquer que não o da Royal Navy, língua de areia, a sul, como a de Cochim, mas
os navios mais pesados e de maior calado, por antes de chegar a Portugal, onde a podemos compreendeu que ficava demasiado exposta
vezes encalmados com pouco vento. Partiu referenciar já no século XV. ao mar, escolhendo novo local, mais abrigado
para o sul, logo em Setembro, e o vice-rei deci- O vice-reinado de D. Antão de Noronha e sobranceiro, de onde poderia vigiar melhor
diu reforçar as suas forças, enviando-lhe mais teve também a sua acção militar de glória, a barra e albergar as armadas. Começaram a
uma pequena frota de quatro embarcações, com uma enorme armada preparada para abrir-se os alicerces e no dia 20 de Janeiro – dia
sob o comando de D. Paulo de Lima, que foi uma acção punitiva sobre a rainha de Ola- de S. Sebastião – foi lançada a primeira pedra
ao seu encontro em Fevereiro de 1565. Encon- la, de que resultou a conquista da foz do rio da muralha e da feitoria que seria devotada
trou alguns dos navios da Armada logo em de Mangalor e a construção de uma fortale- ao santo mártir que tinha o mesmo nome do
Baticala, a sul deAngediva, e tomaram conhe- za nesse local. Não é difícil entender as ra- rei de Portugal.
cimento de que andava no mar um poderoso zões estratégicas do estabelecimento daque-
corsário, inimigo dos portugueses, de nome la posição sob controlo português, porque o
J. Semedo de Matos
CFR FZ
16 NOVEMBRO 2010 • Revista da aRmada