Page 4 - Revista da Armada

As Reformas Militares da República
Na sequência do ultimato inglês, de 11
de Janeiro de 1890, foram promulga-
dos diversos diplomas, originados na
Presidência do Conselho de Ministros, desti-
nados a organizar e edificar, numa perspecti-
va conjunta, as capacidades do Exército e da
Marinha. Porém, a grave crise económica e
financeira internacional, que afectou imenso
Portugal, impediu o desenvolvimento das sá-
bias reformas previstas, sobretudo ao nível do
reequipamento. Tudo ficou por algumas al-
terações administrativas, sem consequências
positivas nas capacidades operacionais das
Forças Armadas.
Foi apenas no 2º semestre de 1899 que sur-
giram novos diplomas relevantes no quadro
da organização superior de defesa nacional,
todos ligados à reorganização do Exército pro-
movida pelo general Sebastião Teles e baseada
na doutrina da «defesa concentrada». De rele-
vante, salienta-se a regulamentação da Comis-
são Superior da Guerra, órgão presidido pelo
Ministro da Guerra e que tinha como função
articular, a nível político e militar, e dar parecer duração que no anterior regime e estabeleceu o
sobre os assuntos que diziam respeito à defe-
sa e às instituições militares do país. O órgão
equivalente da Marinha, o Conselho Superior
da Marinha, desempenhava um papel coad-
juvante e subalterno. À Comissão Superior de
Guerra estavam ligadas diversas comissões
técnicas nas áreas da defesa, das fortificações,
das comunicações e dos caminhos-de-ferro,
que estudavam os assuntos da sua especiali-
dade.Asua designação, número e dependên-
cias teve algumas evoluções, até que em 1904
estabilizou numa secção de defesa e numa
secção de comunicações, com ligações a uma
Comissão de Fortificação do Reino.
A legislação publicada em 1899 e 1901 não
melhorou a eficiência e a eficácia da organiza-
ção superior de defesa nacional. Na realidade,
seguindo o espírito da época, destinou-se, so-
bretudo, a satisfazer os anseios de promoções
dos oficiais e a por em cheque o Ministro da
Guerra e o Governo.
A legislação fundamental relativa à organi-
zação militar do ultramar surgiu em finais de
1901. Nela foram regulamentados o serviço
militar nas colónias e a constituição das com-
panhias indígenas e mistas. O dispositivo das
colónias onde era mais premente o exercício
da soberania (Angola, Moçambique e Estado
da Índia) foi fixado em 1902.
Em 24 de Dezembro de 1906 foi criado o
Supremo Conselho de Defesa Nacional, que
substituiu a Comissão Superior de Guerra.
Presidido pelo Rei, o novo órgão tinha como
missão realizar estudos de defesa nacional
e preparar as deliberações relativas. Possuía
uma secção do Exército e outra da Armada.
Para análise dos assuntos em que tinha de de-
liberar foi constituída uma Comissão Superior
de Estudos de Defesa Nacional, formada pelos
Conselhos-Generais do Exército e da Arma-
da. Cada um destes Conselhos dispunha de
4 NOVEMBRO 2010 • Revista da aRmada
Comissões de Estudos.Acriação do Supremo
Conselho de Defesa Nacional criou esperança
de poder vir a ser imprimido um novo rumo
às questões de defesa nacional. Porém, logo à
nascença teve uma limitação séria, decorrente
do seu pessoal se encontrar em regime de acu-
mulação de funções. Para além disso, como a
secção do Exército era composta por 9 generais
e a secção da Armada de apenas 5 almiran-
tes, gerou-se um movimento de despeito na
Armada, pela interferência dos generais nos
seus assuntos. Para além disso, os ministros
sentiram que o método de funcionamento do
Supremo Conselho de Defesa Nacional, retira-
va o cunho pessoal às suas decisões e acções
de planeamento de defesa nacional, pelo que
não definiram os planos de trabalho. Por estas
razões, o Supremo Conselho de Defesa Nacio-
nal não frutificou.
As reformas da República começaram a sen-
tir-se a partir de 2 de Março de 1911, com a Lei
de Recrutamento do Exército, que instituiu o
serviço militar pessoal e obrigatório de menor
sistema de organização das reservas. Foi abo-
lida a fórmula de remissão pecuniária formal.
Todavia, a prática de subornos foi adoptada
como subterfúgio para ficar «não apto». As
Forças Armadas foram estruturadas em três
agrupamentos: a Armada; o Exército metro-
politano e o Exército colonial. Neste, o serviço
era voluntário.
Em 3 de Maio de 1911 foi criada a Guarda
Nacional Republicana (GNR), como corpo es-
pecial das tropas, destinado a velar pela segu-
rança pública em todo o país. Em tempo de
paz, estava directamente subordinada ao Mi-
nistro do Interior para assuntos de adminis-
tração, polícia e penas disciplinares. Em tem-
po de guerra, ficava à disposição do Ministro
da Guerra para os efeitos de mobilização. A
constituição desta força militar com funções
policiais aliviou o Exército das suas tarefas de
protecção das regiões rurais do país, que o des-
viavam da sua missão de defesa nacional.
Embora a Lei de Recrutamento para o Exér-
cito e a constituição da GNR sejam duas im-
portantes reorganizações das estruturas de
defesa nacional do início da República, a mais
relevante foi a Lei de Organização-Geral do
Exército, promulgada em 25 de Maio de 1911.
A sua extraordinária importância decorre do
facto de marcar a transição do conceito de exér-
cito permanente para o de nação armada de
um exército do tipo miliciano, com tropas ac-
tivas, de reserva e territoriais. Para além disso, conceito de política militar, distinto do instituí-
criou o Conselho Superior de Defesa Nacional.
Este órgão, destinado a intervir ao mais alto
nível nos assuntos relativos à preparação da
guerra e à defesa geral do Estado, era presidido
pelo chefe do Governo e integrava os Conse-
lhos Superiores do Exército e daArmada, que
podiam pronunciar-se, em conjunto ou sepa-
radamente, conforme a natureza e gravidade
dos assuntos em apreciação.
Esta nova organização era muito mais sim-
ples e hierarquizada que a instituída em 1906.
Para além disso, como os aspectos técnicos
eram tratados pelos Estados-Maiores dos Ra-
mos, os ministros podiam ser civis. Acresce
referir que passou a verificar-se uma maior
colaboração de alto nível entre a Armada e
o Exército.
Relativamente à organização de defesa na-
cional nas colónias, também ocorreram mu-
danças relevantes. Em 27 de Maio de 1911 foi
criada a Secretaria de Estado das Colónias, au-
tónoma do Ministério da Marinha, embora de-
pendente do respectivo ministro e integrando
o Conselho Colonial. Esta Secretaria de Estado
foi composta com a Direcção-Geral das Coló-
nias e a Direcção-Geral da Fazenda das Coló-
nias, que integravam uma repartição militar
e outra de marinha. Em 24 de Agosto de 1911
foram separados os Ministérios da Marinha e
o Ministério das Colónias, tendo este integrado
as competências e as estruturas da Secretaria
de Estado das Colónias.
ARepública também realizou reformas no or-
denamento constitucional português relativo à
defesa nacional, que abrangeram a repartição de
competências, porém sem diferenças significa-
tivas relativamente ao tempo da Monarquia.A
mais relevante foi não ter apresentado nenhum
capítulo especial dedicado às ForçasArmadas,
como aconteceu na anterior Constituição.
Em Março de 1912 a Revista Militar lançou
um debate sobre a legislação publicada no ano
anterior, que motivou a elaboração de diver-
sos artigos em vários números do periódico.
Os mais relevantes versaram matérias relati-
vas às insuficiências materiais, à persistente
dependência financeira e militar da Inglater-
ra, e à necessidade de planeamento dos ree-
quipamentos.
Em 17 de Julho de 1913 foi determinada uma
nova reorganização do Exército, que manteve
o Conselho Superior de Defesa Nacional liga-
do à estrutura orgânica do Exército, o que con-
feriu a este ramo uma nítida supremacia sobre
a Armada na conceptualização doutrinária e
na condução dos assuntos de defesa nacional,
tanto na metrópole como nas colónias. Rompe-
-se, assim, o equilíbrio alcançado pelo decreto
de 25 de Maio de 1911, e renascem as rivali-
dades vindas do tempo da Monarquia. Estas
rivalidades agravam-se na medida em que, a
6 de Junho de 1914, o Regulamento-Geral do
Serviço do Exército dá corpo legal a um novo
do na Lei do Recrutamento para o Exército de
1911. Com efeito, alarga as responsabilidades
de defesa deste ramo aos inimigos internos, o
que colide com a missão da GNR criada na-
quele ano. Trata-se, agora, de estender a su-
premacia do Exército sobre a GNR, de forma
a liderar as questões de defesa no país.
Logo a partir de Agosto de 1914 as forças
portuguesas começaram a ter os primeiros
incidentes militares em África com forças ale-