Page 7 - Revista da Armada
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A Marinha de Duplo Uso
Oconceito da Marinha de Du-
          plo Uso está consagrado em    do na ressaca do Ultimato Britânico      extensão dos limites da nossa plata-
          lei desde o início do século  de 1890, que provocou um movi-           forma continental. É essa certeza que
XIX, quando um Alvará Real, de 15       mento de comoção nacional e levou,       tem motivado a Marinha a adoptar
de Novembro de 1802, determinou         mesmo, a uma subscrição pública          uma postura de grande abertura e de
que os patrões-mores (antecessores      destinada a adquirir navios para a       intensa cooperação com os outros de-
dos actuais capitães dos portos, a      Armada. Conforme se afirmava, com        partamentos do Estado com responsa-
quem cabia o exercício das funções      grande actualidade, nesse diploma        bilidades no mar, evidenciando o ca-
de autoridade marítima) fossem es-      de 6 de Agosto de 1892, “possuin-        rácter inclusivo do modelo de Duplo
colhidos entre os oficiais da Armada.   do o país, infelizmente, uma mari-       Uso. De facto, todos são poucos para
Desde essa altura, a legislação nacio-  nha pequena, aproveitar o que há         a gigantesca tarefa de contribuir para a
nal tem vindo a reforçar esse mode-     na execução de serviços que podem        segurança e de manter a lei e a ordem
lo de Duplo Uso, em que a Marinha       praticar-se ao mesmo tempo e com a       nos vastíssimos espaços marítimos na-
desempenha as típicas funções mili-     mesma despesa, não é só aconselhá-       cionais, sendo que isso tem que ser
tares em parale-                        vel, é uma obrigação indeclinável de     feito de forma cooperativa, sem di-
lo com funções                          quem pretende organizar e constituir,
não militares, li-                      com o pouco que há, a base do muito                                vidir (artificial-
gadas, entre ou-                        que há a fazer”.                                                   mente) o mar em
tras matérias, ao                                                                                          zonas, onde se
exercício da au-                          O conceito de Marinha de Duplo                                   privilegiaria a ac-
toridade públi-                         Uso dá, assim, uma resposta cabal ao                               tuação de um ou
ca no mar. Este                         imperativo constitucional de raciona-                              de outro depar-
modelo de actu-                         lização da Administração Pública e às                              tamento. O mar
ação atravessou                         exigências de utilização judiciosa dos                             não tem frontei-
formas de orga-                         recursos existentes, ao mesmo tempo                                ras, nem linhas
nização do Esta-                        que permite afirmar as responsabilida-                             de demarcação,
do e regimes po-                        des nacionais no mar, seja no âmbi-                                sendo que a sua
líticos distintos,                      to interno, seja no externo. Todavia, a                            compartimen-
culminando na                           Marinha não tem, nem pretende ter, o                               tação apenas
recente Lei Or-                         exclusivo da acção do Estado nos es-                               conduziria a dis-
gânica da Mari-                         paços marítimos. Até porque nenhum                                 pendiosas dupli-
nha (Setembro                           departamento público conseguirá, so-                               cações de estru-
de 2009). Esta                          zinho, dar resposta aos múltiplos de-                              turas e de meios.
afirma explicita-                       safios que se colocam nos mais de                                  Sobretudo, ela
mente dar “cor-                         1,7 milhões de km2 de mar português,                               surgiria em claro
po ao paradig-                          que se espera quase dupliquem no se-                               contraponto com
ma da Marinha                           guimento do processo, em curso, de                                 a realidade dos
de «duplo uso»,                                                                                            nossos dias, em
materializado numa actuação militar                                                                        que as fronteiras
e numa actuação não militar, privile-                                                                      entre segurança
giando uma lógica de economia de                                                 e defesa se esbateram, obrigando a
esforço e de escala, bem como o de-                                              uma intensa cooperação entre todas
senvolvimento de sinergias, por par-                                             as autoridades públicas.
tilha de conhecimentos e recursos”.                                                O modelo de Duplo Uso projecta
Estes são objectivos particularmen-                                              a Marinha para um papel de char-
te relevantes quando se sabe que os                                              neira na actuação do Estado no mar,
meios necessários para actuar no mar                                             sem que isso signifique tomar a mis-
são inevitavelmente dispendiosos.                                                são de nenhum outro departamento
Com efeito ter uma marinha é caro,                                               público. Implica antes a colaboração
mas muito mais caro seria ter duas, e                                            com todos os que têm responsabili-
incomensuravelmente mais caro, so-                                               dades nos espaços marítimos, a qual
bretudo para um país marítimo e qua-                                             tem passado, inclusivamente, pela
se arquipelágico como Portugal, seria                                            disponibilização de plataformas para
não ter nenhuma. Neste contexto, é                                               a consecução de bem sucedidas ope-
imperativo saber utilizar os meios da                                            rações cooperativas, que evidenciam
Marinha da maneira mais económica                                                o carácter inclusivo e não exclusivo,
e eficiente, empregando-os de forma                                              colaborativo e não hegemónico do
polivalente. Isso mesmo ficou expres-                                            modelo da Marinha de Duplo Uso.
so num Decreto Ministerial, publica-
                                                                                                                                    

                                                                                                    N. Sardinha Monteiro

                                                                                                                                         CFR

                                                                                          Revista da aRmada • NOVEMBRO 2010 7
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