Page 31 - Revista da Armada
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Chapitô à vela
“Estabelecer condição geral 21,
          Faina Geral de Mastros”. Foi         Dia 6 pela tarde teremos que estar atraca-     após uma tarde de vela com todo o pano. O
          com este aviso, ao ETO do NTM        dos em Alcântara para ultimar a preparação     cenário nocturno e iluminado desta cidade
“Creoula”, que 33 jovens com idades com-       do espectáculo a bordo denominado “The         arrebata corações. Fundeamos novamente,
preendidas entre 16 e 24 anos estudantes       Happening”, que será a cerimónia de aber-      agora no Mar da Palha.
da Escola Profissional de Artes e Ofícios do   tura do ano escolar do Chapitô, em que es-
Espectáculo, mais conhecida por Chapitô,       tes instruendos irão actuar.                     A manhã seguinte traz chuva consigo e a
tiveram o seu primeiro contacto com o mar.                                                    previsão para o dia 8, dia do “The Happe-
Para quase a totalidade destes jovens, esta      Tempo para ainda na manhã de 5 de Ou-        ning”, é muita chuva e vento forte. Condicio-
é a sua primeira experiência de embarque.      tubro demandar a barra do porto de Setúbal.    nado pela maré, o “Creoula” inicia a entrada
É Segunda-feira dia 4 de Outubro de            Ali, também o aumento de exigência não         na Doca de Alcântara à tarde. Após atracar
2010. Durante todo o fim-de-semana             é levado com estranheza por estes apren-       nota-se orgulho nos instruendos do 2º e 3º
anterior, ventos predominantes de su-          dizes de artistas, mas sim, também eles au-
doeste fustigaram a costa continental,         mentam o seu empenho. Ao passar no Ou-             ano por terem navegado. O deslumbre
potenciando uma ondulação a ultrapas-          tão os tradicionais toques de sereia é que         pela beleza deste navio e pelo cenário
sar bem os três metros de altura. Hoje,        os surpreendem; inicia-se de imediato as           que propicia é evidente entre todos. O
no entanto, o vento encontra-se fraco,         perguntas “Porquê? Estava alguém no nos-           “Creoula” é o “meu” navio, ouve-se!
mas a ondulação mantém-se.                     so caminho?”, onde todos os elementos da
                                               guarnição se transformam em explicadores.            Dia 8 de Outubro ao final da tarde
  Os alunos, designados de ‘instruen-          Aproximamo-nos do fundeadouro cerca do             constatam-se as previsões. O vento for-
dos’ a bordo do “Creoula”, ocupam os           Ponto de Apoio Naval de Tróia. Após a or-          te de quadrantes de sul trouxe muita
seus postos de faina. Distribuídos pelos       dem do ‘larga ferro’ o “Creoula”, em maté-         chuva. Assistimos desde que aqui che-
mastros apresentam-se aos Cabos e Ma-          ria de segundos, roda e aproa a jusante. O         gámos a um grupo de pessoas dedica-
rinheiros que irão coordenar as suas ac-       tempo agora é para os instruendos continua-        das e incansáveis na preparação do seu
ções para levar a bom porto aquele que         rem os seus preparativos. Entre esses, as ac-      espectáculo. Tivemos o privilégio de ver
agora também é o seu navio. Primeiro a         tividades de educação física têm principal         os bastidores e também senti-los. Na
segurança pessoal. A sua percepção do          destaque. Para os acrobatas e malabaristas         verdade este esforço lembra também o
funcionamento do aparelho é preciosa           a condição física é raiz da sua actividade.        nosso, marinheiros, quando preparamos
para a redução do risco. Este objectivo                                                           o nosso navio para o mar. Durante estes
é conseguido ao longo da navegação               Após o almoço iniciamos a navegação              dias assistimos a montagens de material
pois advém bastante da experiência,            para Lisboa, onde entramos já de noite,            para cenário a bordo e no cais, altera-
mas estes acontecimentos sucederam                                                                ções, ensaios pela noite dentro originan-
com rapidez. Este sucesso poderá expli-                                                           do poucas horas de sono seguidas por
car-se por grande parte destes instruen-                                                          alvoradas para limpezas do navio que
dos lidarem no curso de “ofícios” com                                                             continuam a habitar, alterações, cance-
cenografia e, como tal, a manobra com                                                             lamentos de alguns números contidos
cabos, aparelhos de força e cargas sus-                                                           no próprio espectáculo, alterações…
pensas é-lhes muito familiar.                                                                     Mas dizem que a fundadora e Presiden-
                                                                                                  te do Chapitô – Teresa Ricou, tem “uma
  O pano começa a ser içado. Estamos                                                              estrelinha” e, à última da hora, sem avi-
a navegar a um largo. Faremos um bor-                                                             so prévio, o vento e a chuva deram uma
do para sudoeste para depois guinarmos                                                            pequena aberta e, numa decisão de úl-
em direcção a Sesimbra. Após termina-                                                             timo instante, decide levar adiante o es-
da a faina geral de mastros os instruen-                                                          pectáculo tantas vezes ensaiado. Tudo
dos reocupam os seus postos. Eles, à se-                                                          corre bem. Segue-se a abertura do ano
melhança da guarnição do navio, irão                                                              escolar do Chapitô, onde curiosamente
navegar num regime de quartos. Vão                                                                é distribuída uma maçã (símbolo do pe-
desempenhar cargos na cozinha e nas                                                               cado original…) que depois de mordida
copas, onde irão participar na prepara-                                                           vincula para sempre a pessoa ao projec-
ção e confecção das refeições, e no apoio                                                         to. Posteriormente procedeu-se ao em-
directo à sua distribuição no refeitório com                                                      barque dos alunos do 1º ano em subs-
posterior lavagem da palamenta. Vão tam-                                                      tituição dos que até hoje estavam a bordo.
bém ocupar postos em funções associadas                                                         Resta ao “Creoula” navegar dia 9 e 10
à manobra do navio: Vigia, Leme, Cabo-de-                                                     com os alunos do 1º ano do Chapitô, agora
-Quarto e Navegação. Neste conjunto de                                                        também com a presença de Teresa Ricou.
instruendos encontram-se também profes-                                                       Que pessoa e que projecto de acção social
sores do Chapitô. A sua liderança em rela-                                                    tão extraordinários. Que orgulho sentimos
ção aos alunos é visível e notada nestas pri-                                                 em poder participar.
meiras acções a bordo. Também eles jovens,                                                      A despedida é sempre nostálgica e terá
prezam por incutir a disciplina e o respeito                                                  sido porventura a primeira vez que aqueles
pelos demais. É que os alunos estão em pre-                                                   alunos e professores sentiram a emoção e o
paração para uma vida ligada ao espectácu-                                                    gosto agridoce do “destacar”. Que bom foi
lo circense, onde a disciplina, a confiança e                                                 conhecê-los. Esperamos que o “Creoula” te-
a coordenação entre os envolvidos é crítica                                                   nha contribuído para a sua formação e en-
tal como numa guarnição em faina.                                                             quadramento. Obrigado Chapitô, gostámos
                                                                                              muito de os ter a bordo. Ah! A maçã era
  Aproximamo-nos de Sesimbra. Prepara-                                                        muito saborosa!
mos o navio para fundear e passar a noite.
                                                                                                                                                 

                                                                                                 (Colaboração do COMANDO DO NTM “CREOULA”)

                                                                                                     REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 31
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