Page 29 - Revista da Armada
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“ANNAIS DE UM GUARDA-MARINHA”SaladeLeituradaBibliotecaCentralde

         Marinha foi cenário, no passado dia 16

Ade Dezembro de 2010, de uma tocante
                                                      E foi com alguma dificuldade em manter uma         feita das funções de professor atinge a maravilha do
                                                   tentada frieza que o VALM Almeida D´Eça se di-        apostolado, como doutrinador e educador… Instila no
                                                   rigiu à assembleia presente:                          âmago dos seus alunos, geração por geração, em co-
                                                   “Aos 92 anos e com os problemas de saúde que te- municabilidade perfeita, sincronismo de consciências,
cerimónia histórica e de comovente sensibilidade,
a que uma vasta e prestigiada assistência empres- nho,mandariaaboaprudênciaquemelimitasseaouvir o orgulho pela História Pátria em que tivemos a graça
tou o brilho máximo, correspondendo, com a sua nesta cerimónia. Tratando-se porém de meu Avô, não de nascer, exalta a Marinha como órgão de grandeza e
presença, à iniciativa da Comissão Cultural de resisti a dizer-vos umas breves palavras de natureza a forja das nossas maiores glórias…”
MarinhaedoseuDirector,oVALMJoséAugusto pessoal. O manuscrito que está na base do livro que tem           O VALM Vicente Maria de Almeida D’Éça
Vilas-Boas Tavares.                                hoje o seu lançamento, foi-me entregue pelo Arquivo nasceuem1852eassentoupraçaem1870,Promo-
Evocandonessediaamemóriadeumilustrís- Central de Marinha por se pensar que era da autoria vido a Guarda-Marinha em 1873, destacou para
simo oficial de Marinha, o VALM Vicente                                                                  vários navios entre os quais a Fragata D. Fer-
Maria de Moura Coutinho de Almeida                                                                       nando II e Glória quando este navio era sede
D’Éça, a sessão ficou ligada ao lançamen-                                                                da Escola de Artilharia Naval.
to de um Diário Náutico da autoria deste                                                                 Em 1874 iniciou uma longa comissão
oficial, enquanto Guarda-Marinha, descre-                                                                em Angola cumprindo três anos de tirocínio
vendo de forma impar o seu princípio de                                                                  exigidos para a promoção ao posto de 2.º Te-
vida naval, com especial incidência para o                                                               nente, período durante o qual deixou as suas
período referente aos três anos de comissão                                                              memórias num documento que intitulou
em Angola, entre os anos de 1874 e 1877                                                                  “Annais de um Guarda-Marinha”.
efectuando o tirocínio para promoção ao                                                                  Com a idade de 33 anos e ainda no posto
posto de 2.º Tenente.                                                                                    de 1.º Tenente, foi nomeado Lente da 5.ª ca-
O documento que se apresenta com                                                                         deira da Escola Naval.
um descritivo desordenado, quer no re-                                                                   Dedicado ao ensino onde se notabilizou
ferente a cálculos náuticos, quer quanto                                                                 nas áreas do Direito Internacional Maríti-
aos textos relatando o dia-a-dia das nave-                                                               mo e da História Marítima, ocupou tam-
gações dos navios onde o oficial esteve embar- de meu Avô – o manuscrito não está assinado - para bém, em diversas ocasiões, importantes cargos
cado, foi objecto de um estudo interpretativo, que confirmasse a sua autoria e me pronunciasse so- de nomeação civil, representando Portugal em
anotado, conferindo-lhe uma mais fácil leitura bre ele, se assim entendesse. Razões de vária ordem, congressos no estrangeiro, teve assento em 1893
e a divulgação de factos de uma época de epo- particularmente um acidente de saúde grave, impedi- na Câmara dos Senhores Deputados, foi eleito
peia, que poderão constituir uma ajuda impor- ram-me de o fazer, o que constituía para mim grande em 1912 sócio correspondente da Academia das
tanteparaacompreensãodasdificuldadesvivi- preocupação”                                                   Ciências de Lisboa e em 1920, por unanimidade,
das pelos marinheiros desse tempo.                 Mais adiante o VALM Almeida D’Éça explica eleito seu sócio efectivo. Entre os anos de 1922 e
AautoriadestetrabalhoédooficialdaReserva as circunstâncias em que o documento foi entre- 1924 ocupou o cargo de Presidente da Sociedade
Naval, incorporado no ano de 1961, José Pires de gueaJoséPiresdeLima,agradecendoaesteoem- deGeografiadeLisboa.
Lima, que a esta tarefa dedicou o seu entusiasmo penhamento dedicado à obra e igualmente o re-           Promovido ao posto de Vice-Almirante em
e conhecimentos da Marinha apresentando uma conhecimento à Comissão Cultural de Marinha, 1917, foi Comandante da Escola Naval em 1919 e,
obraque,dedifícilleitura,noseuoriginal,setornou ao seu anterior Director, o CALM Rui Abreu e apesar de ter atingido o limite de idade em 1922, a
num documento acessível muito interessante.        ao actual, o VALM Vilas-Boas Tavares, pelo bom Lei permitiu que se mantivesse na vida activa como
Na apresentação do trabalho, o seu autor refe- acolhimentoquederamàpublicaçãodolivro.                    professor até ao ano de 1929. Nesta data, foi defini-
riu, com especial ên-                                                                                                            tivamente desligado
fase, a circunstância                                                                                                            do serviço, sendo
de se tratar de uma                                                                                                              exonerado do car-
forma implícita na                                                                                                               go de professor da
conduta de muitos                                                                                                                Escola Naval em 14
oficiais da Reserva                                                                                                              de Outubro deste
Naval, de entende-                                                                                                               último ano.
rem que ainda ficou                                                                                                              Em 10 de No-
por pagar à Marinha                                                                                                              vembro de 1929,
o benefício que dela                                                                                                             menos de um mês
receberam, enquanto parte da sua estrutura, no     Marcado pela memória de seu Avô, aludiu após a sua exoneração de professor, o Vice-Almi-
tempo de juventude em que prestaram o seu ser- com evidente comoção ao ano de 1929 referindo: rantefalecia,nãosobrevivendoaoafastamentode
viço militar obrigatório.                          - Meu Avô faleceu quando eu tinha 11 anos. No umavidade59anostotalmentededicadaàMari-
Abrindo a sessão, o VALM Vilas-Boas Tava- seu funeral levei nos meus braços uma almofada nhadeGuerra.
resexplicouasrazõesporqueaCCMaderiuaesta com as suas condecorações. Tinha por meu Avô,                   A cerimónia que teve lugar no passado dia 16
edição, referindo aspectos da obra e congratulan- como criança, uma enorme afeição que à medida de Dezembro na Biblioteca Central, trouxe para o
do-seportrazerparaopresenteamemóriadeum que os anos passaram e fui conhecendo a apren- presenteamemóriaesquecidadequemfoipresti-
ilustre oficial que dedicou 59 anos da sua vida ac- dendoaapreciar,asuapersonalidadeeasuavida, giada figura da Marinha de Guerra, e revestiu-se
tiva ao serviço da Marinha. No final da sua inter- setransformounumaprofundaadmiração”.                  de um simbolismo especial pela presença como-
venção deu a palavra ao VALM Vicente Manuel        Lembrando o Comandante Quelhas Lima, vente de um neto, também oficial general da Ma-
de Almeida D’Éça, neto do autor do Diário Náu- que fora seu professor e aluno de seu Avô, citou rinhaedeváriosdosseusbisnetos.
tico, figura prestigiada da Marinha e que, com a aspalavrasqueomesmoescreveureferindo-seao               Ao acto presidiu o Vice-chefe do Estado-
sua presença conferiu à cerimónia o ambiente de VALMAlmeidaD’Éça:                                        -Maior da Armada, VALM João da Cruz de Car-
sensibilidade comovente a que anteriormente nos    “Na regência daquela cadeira…Almeida D’Éça valhoAbreu.
referimos.                                         ergue-se a incomensurável altura, a consciência per-

                                                                                                         29REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2011
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