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OS FINS REAIS E OS FINS DECLARADOS DAS
ORGANIZAÇÕES
As organizações fazem parte de focar as organizações que foram cria- Não estando em causa qualquer
toda a nossa vida em socieda- das propositadamente para fins reais tipo de actividade lucrativa, mas sim
de e, mesmo após a morte, a fraudulentos, mas principalmente as um serviço prestado ao Estado e, por
acção das mesmas sobre o próprio, organizações respeitáveis que, pelos consequência ao cidadão, a boa ges-
familiares e herdeiros, ainda pode mais diversos motivos, perseguem tão destes departamentos rege-se por
permanecer por muitos anos. finalidades diferentes das estabele- padrões de eficácia e de eficiência.
cidas “oficialmente”. Estes desvios Por outras palavras, o equivalente à
Esta constatação encontra causa podem surgir sem que haja a plena rentabilidade numa empresa traduz-
no facto das organizações terem sido consciência da situação, mesmo em -se agora na garantia da realização
concebidas para satisfazer da melhor departamentos do Estado, porque dos fins ao mais elevado grau (eficá-
forma as necessidades que a teia so- não se aprofundam este tipo de aná- cia) e no esforço para optimizar o seu
cial criou. lises. produto com os recursos disponibili-
zados (eficiência). Assim, o principal
Para alcançar as suas finalidades as Por outro lado, muitas vezes não é objectivo é o desempenho da missão
organizações produzem e coordenam fácil detectar se os fins que orientam com a maior eficácia e a maior efici-
actividades, tornando-se, por vezes, uma organização são realmente os ência.
muito complexas, em função da sua fins declarados. O espaço disponível
grandeza e diversidade. para o presente texto não consente No quadro das Forças Armadas, o
explicações detalhadas, mas se nos produto é constituído pelas unidades
Cada organização serve fins es- resumirmos ao essencial, são dois os operacionais prontas a executar as
pecíficos, consoante a sua vocação. aspectos que melhor nos permitem missões para as quais foram concebi-
Estes fins, constam do título consti- estudar o assunto: qual o produto fi- das e pelas unidades a cumprir mis-
tutivo que lhe deu origem. Qualquer nal da organização e como e onde se sões, a cada momento.
empresa, associação, fundação, etc, emprega a grande maioria dos recur-
declara sempre, por escritura pública sos disponíveis. Simultaneamente, Por exemplo, seria um grosseiro
ou através de documento registado, o podem extrair-se elementos quanti- desvio de fins, se as Forças Armadas
fim a que se destina. Também os or- tativos sobre a eficácia e a eficiência não tivessem um conjunto razoável
ganismos do Estado e de toda a admi- da organização. de unidades prontas e, sempre que
nistração pública têm a sua finalidade aplicável, as necessárias unidades no
descrita em diplomas legais, normal- A eficácia diz respeito ao grau desempenho de missões. Se assim
mente sob a designação de missão. em que os principais objectivos são fosse, os fins reais talvez se aproxi-
atingidos. A eficiência mede-se pela massem dos que são próprios das
A Marinha tem a sua missão de- quantidade de recursos gastos para instituições de solidariedade social!
finida na respectiva Lei Orgânica produzir o mesmo efeito.
(Decreto-Lei nº 233/2009, de 15 de Se- Deixando de lado os exageros, po-
tembro). A missão principal é partici- Se uma fundação com fins cultu- demos concluir que à medida que se
par de forma integrada, na defesa mi- rais aplicar os seus recursos financei- provoca uma redução da actividade
litar da República, nos termos do dis- ros, ao longo de muitos anos, na aqui- operacional, havendo capacidades
posto na Constituição e na lei, sendo sição de prédios e artigos de decora- instaladas, maior será a diferença en-
fundamentalmente vocacionada para ção alocando apenas uma pequena tre os fins declarados e os fins reais.
a geração, preparação e sustentação percentagem aos veículos da cultura,
de forças da componente operacional provavelmente não persegue, de fac- Todos sabemos que as Forças Ar-
do sistema de forças. Seguem-se uma to, fins culturais. Quer a eficácia, quer madas em geral e as Marinhas em
série de incumbências, entre as quais, a eficiência da produção cultural re- particular precisam de estruturas pe-
o exercício da autoridade marítima. velar-se-ão muito baixas. sadas para tratar convenientemente
da logística do pessoal e do material.
Muitas vezes as organizações am- Para o efeito que nos interessa, No caso das Marinhas, os sectores da
pliam as elucidações acerca da sua podemos dividir as organizações em formação e treino do pessoal e outras
finalidade através da publicação de dois grandes grupos, consoante os relacionadas (alimentação, fardamen-
conceitos sobre a sua visão e missão. fins a que se destinam: as lucrativas e to, saúde), bem como a manutenção
Encontram-se facilmente na Internet, as não lucrativas. do material (sobressalentes, repara-
a visão e a missão das grandes empre- ções, intervenções periódicas), são
sas e de muitos organismos públicos. Nas organizações com fins lucrati- especialmente consumidoras de re-
vos, a rentabilidade adequada é sem- cursos. No fim da linha estão as uni-
Todavia, nem sempre os fins re- pre uma das principais finalidades, dades navais, de fuzileiros e de mer-
ais coincidem com os fins declara- ou mesmo a única. gulhadores, meios atribuídos as capi-
dos das organizações. É que, após a tanias e à polícia marítima e outros,
sua formação, algumas organizações Vamos concentrar-nos nas orga- cuja operação apenas consome com-
desviam-se dos seus fins iniciais, pas- nizações não lucrativas, nomeada- bustível, alguma manutenção acres-
sando a atender maioritariamente a mente nas que se constituem como cida e ainda outras despesas menos
outras necessidades, que não as que departamentos do Estado, como é o
deveriam satisfazer. Não estamos a caso da Marinha.
4 SETEMBRO/OUTUBRO 2011 • REVISTA DA ARMADA

