Page 27 - Revista da Armada
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OS NÁUTICOS
Alguns momentos inesquecíveis de uma digressão por terras de África

Na primavera de 1970 começava a des-              do encurtar das várias milhas náuticas de dis-   teriores, o agrupamento realizou atuações para o
        pontar no Grupo nº 2 de Escolas da        tância da terra Natal pelo poder inigualável de  pessal que se encontrava a bordo e numa dessas
        Armada, no Alfeite, o embrião de um       uma canção de Lisboa ou temas de folclore        exibições, nas imediações de São Tomé e Prín-
agrupamento musical que haveria de deixar o       regional, elevando cada ser humano no mais       cipe, repentinamente desencadeou-se uma tem-
seu nome indelevelmente gravado na memória,       profundo do seu nostálgico sentimento.           pestade tropical que por pouco não danificou os
não só dos que com eles conviveram na Mari-                                                        instrumentos e aparelhos eletrónicos que tive-
nha, mas também de muitos militares dos outros     E comprovando o carácter universal da arte      ram de ser retirados à pressa do convés do navio.
ramos das Forças Armadas e civis, dispersos pela  musical, recordo o episódio em Ganturé, onde
Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique.           as escaramuças invariavelmente diárias faziam     Chegados a Luanda logo se iniciaram espetá-
                                                  pensar ser impossível terminar a atuação pro-    culos na própria capital e em unidades próximas
  Este agrupamento musical, Os Náuticos, ini-     gramada, mas, ao invés, decorreu na íntegra      com assinalável êxito.
cialmente constituído pelos elementos:            sem qualquer interrupção; e até depois da refe-
∙ Ernesto Dabó - Voz                              ria atuação, já pernoitando num abrigo, o gru-    Depois foi tempo de zarpar até Santo Antó-
∙ Rui Almeida - Guitarra Solo                     po não vislumbrou qualquer problema.             nio do Zaire, onde o agrupamento atuou em
∙ José Ricardo - Guitarra Ritmo e Voz                                                              alguns locais, na Pedra do Feitiço e também em
∙ Pedro Serigado - Baixo Elétrico                  A digressão pela Guiné culminou numa gran-
∙ Carlos Portugal - Bateria                       de iniciativa do Quartel General, no estádio         Cabinda. De volta a Luanda, Os Náuticos
foi posteriormente alargado com mais dois         Sarmento Rodrigues (cidade de Bissau), com-          foram convidados a atuar num grandioso
instrumentistas de sopro, oriundos da Ban-        pletamente lotado, com muitos agrupamentos           festival que se realizou no cinema Avis e
da da Armada:                                     indígenas, sendo o encerramento do espetáculo        a sua performance foi de tal forma empol-
∙ José Araújo Pereira - Trompete                  feito pl’Os Náuticos. O êxito retumbante, com        gante que a assistência invadiu o palco. Há
∙ Francisco Ribeiro Jr - Saxofone Tenor           os elementos do grupo absorvidos pela assistên-      coisas que perduram na memória e tenho
                                                  cia e passeados em ombros, em grande apoteo-         a certeza que tal como nós, muitos dos
  O conjunto ensaiava no Grupo nº 2 de            se, indicou o cumprimento integral do objetivo       que assistiram devem ter ficado com essa
Escolas da Armada e as suas atuações              de proporcionar aos militares em serviço alguns      recordação por muito tempo.
gratuitas eram essencialmente de caráter          momentos de lazer e elevação moral. Durante a
social. Participou também em festas de            estadia em Bissau, o agrupamento foi recebido          Outra das mais significativas atuações
Natal, organizadas pela Cruz Vermelha,            pelo Comandante Chefe das Forças Armadas na          d’Os Náuticos aconteceu na Reclusão
no Natal dos Hospitais e no programa              Guiné – General António de Spínola.                  Militar, onde também se apresentou o cé-
“Estúdio sem Marcação”, gravado pela                                                                   lebre ator Raul Solnado e que a propósito
RTP na Escola de Artilharia Naval.                 Na viagem de regresso a Lisboa, ainda hou-          cantou uma das suas canções acompa-
                                                  ve oportunidade para fazer uma escala no             nhado pl’Os Náuticos.
  A digressão pela Guiné, Cabo Verde,             Mindelo (Cabo Verde) e atuar em dois espe-
Angola e Moçambique teve como prin-               táculos no cinema Miramar ao qual assistiram           O rumo seguinte foi Moçambique onde
cipal papel levar uma lufada de ar fresco         muitos militares e civis.                            estava programada a continuação da di-
e elevar a moral dos militares em serviço                                                              gressão. Em Lourenço Marques (atual Ma-
naquelas paragens.                                 A segunda viagem já estava praticamente             puto), Os Náuticos ficaram alojados nas
                                                  definida e em função do sucesso da primeira          instalações do Comando Naval.
  O grupo que encetou essa digressão, em          tudo se conjugava para que Angola e Moçam-
abril de 1971, embarcados no paquete Niassa,      bique fossem os próximos destinos.                     A maior parte das deslocações foram
era coordenado pelo Capelão Delmar Barreiros                                                           feitas por meio aéreo pois as distâncias
e para além dos Náuticos atuava isoladamente       Pouco tempo depois iniciava-se a viagem         eram longas: Nampula, Porto Amélia, Tete,
o acordeonista Orlandino.                         a bordo do paquete Vera Cruz – destino: Lu-      Vila Cabral e Metangula (no lago Niassa).
                                                  anda! O navio levava militares dos três ramos     Numa das atuações feitas no ringue da uni-
  Antes de iniciar a viagem os elementos foram    das Forças Armadas que iam com a finalidade      dade, em Metangula, o baterista desmaiou
recebidos pelo Ministro da Marinha, Almiran-      de substituir outros que lá se encontravam.      com o calor e só recuperou com a ajuda do
te Pereira Crespo, que a todos exortou para o                                                      enfermeiro que assistia ao espetáculo.
cumprimento da missão.                             Durante a viagem, tal como nas situações an-     Numa das noites em Metangula, alguns ele-
                                                                                                   mentos deslocaram-se ao Cobué para uma pe-
  Começava assim uma digressão que ainda                                                           quena atuação e para quem conhece o lugar
hoje é recordada por muitos que assistiram às                                                      pode imaginar a emoção que é ouvir “O Silên-
suas atuações, como um dos momentos mais                                                           cio”, tocado naquele ambiente quase desértico,
emotivos da componente lúdica.                                                                     a altas horas da noite. É mais um momento único
                                                                                                   que fica gravado na memória para toda a vida.
  Chegado a Bissau, o grupo ficou instalado                                                         No regresso de Moçambique Os Náuticos fi-
no Comando da Defesa Marítima e, daí, par-                                                         zeram a viagem a bordo da fragata Hermenegil-
tia para os locais onde iria efetuar as atuações                                                   do Capelo e mais uma vez efetuaram algumas
e naturalmente os meios mais utilizados no                                                         atuações a bordo, gerando-se uma grande em-
transporte foram as lanchas de desembarque                                                         patia com a guarnição e amizades muito fortes
e os patrulhas que naquela altura se encontra-                                                     que se prolongaram até aos dias de hoje.
vam ao serviço na Guiné.                                                                            Em traços largos, aqui fica um pequeno contri-
                                                                                                   buto para recordar a existência d’Os Náuticos,
  Assim, foram efetuadas, entre outras, atuações                                                   um agrupamento musical que ainda hoje é lem-
em Bissalanca, Bolama, Farim, Ganturé e Bissau.                                                    brado por muitos dos que serviram na Marinha,
                                                                                                   Exército e Força Aérea nos anos de 1970/71 e
  Relembro o interesse e boa vontade com                                                           que com eles se cruzaram em terra ou no mar.
que os militares se esforçavam por adaptar os
escassos meios de que dispunham para rece-                                                                                        José Araújo Pereira
ber Os Náuticos e proporcionar as melhores                                                                                                CFR Músico
condições de atuação.

  A grande participação e entusiasmo sentido
nas diversas atuações, raiado por vezes com
uma lágrima de saudade, foi concerteza fruto

                                                                                                   REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2013 27
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