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REVISTA DA ARMADA | 486
Marinha. E a Marinha que se identifica geneticamente com o povo tês anos tomamos e executamos muitas decisões, absolutamente
português é só uma. Esta. A que está à minha frente. E é isso que necessárias e algumas delas quase impensáveis de acontecer há
torna esta instituição absolutamente essencial e imprescindível poucos anos atrás. Verdadeiras reformas estruturais. Infelizmen-
para qualquer discussão, debate e incremento de uma estratégia te, para muitos, as reformas são, apenas, sinónimo de agenda
para o mar. Não há plano algum sobre a zona económica exclu- política. Nada mais. Mal! E por serem apenas agenda política es-
siva ou sobre o potencial económico do mar que não tenha que peram alguns, que se anunciem mais do que as que efetivamente
envolver a Marinha. São “só” 900 anos de experiência... o que faz se pensam concretizar. O que facilita as resistências à mudança e
da Marinha Portuguesa uma das instituições de ensino sobre o a própria eficácia desta. Há reformas de 15 em 15 anos e quando
mar mais antigas do Mundo, o que, aliás, é, amiúde, reconheci- as concluímos já estão 10 anos atrasadas. O que obriga a que,
do por muitas nações que a nós recorrem para dirimir assuntos quando se tenham de concretizar, assumam uma natureza mais
relacionados com as suas águas marinhas. Dispensar ou afastar profunda e estrutural, logo, com mais oposição. O ideal seria um
este enorme saber seria um sinal de provincianismo. Seria alie- país sem necessidade de reformas estruturais profundas. Sem ne-
nar um enorme ativo estratégico. Seria condenar qualquer plano cessidade porque... os processos de modernização e atualização
sobre o mar ao fracasso. Este mar à nossa frente confunde-se deviam ser diários e dispensar a agenda política ou a interven-
com a Marinha. Não se pode desperdiçar a riqueza da sua ex- ção de um FMI. Deveríamos melhorar porque temos de melhorar.
periência, a eficácia dos seus meios e a competência e o querer Fazer porque queremos fazer. Quando somos obrigados corre
dos seus recursos humanos. As mulheres e os homens que lhe sempre pior. Inevitavelmente. Passamos o que passamos nos úl-
dão alma são gente do mar! E porque a Marinha é naturalmente timos três anos exatamente por causa disso. Por isso, peço-vos
inconformada, recusa-se a viver apenas de glórias passadas e a que olhem para tudo o que foi feito nos últimos três anos de uma
ser menos exigente quanto à atualidade. Peço-vos que continuem maneira diferente.
assim. O país agradece a capacidade criativa, de inovação, de
rigor e de antecipação que fazem da Marinha um referencial de Nos próximos dias não faltarão discussões sobre o pós-Troika.
prestígio para a inteligência portuguesa. Estou certo que daqui a Na Defesa Nacional não o vamos fazer. O nosso pós-Troika foi
vinte anos outros considerarão de atualidade muitos dos temas preparado há dois anos e meio e foi consagrado em Resolução
que já hoje a Marinha reflete, discute e avalia! do Conselho de Ministros. Com algumas críticas, com opiniões
diversas, umas legítimas outras nem tanto. Mas a verdade é que,
Quis a circunstância que este dia da Marinha coincidisse com o com a resolução do Conselho de Ministros que aprovou a Refor-
fim do Programa de Ajustamento a que Portugal esteve sujeito, ma 2020, passamos, em 2013, a saber o orçamento do MDN em
nos últimos três anos. Três anos complicados e extraordinaria- 2018. Sem surpresas. Em 2013 passamos a saber qual o valor
mente difíceis. Todos sabemos o que nos custou. E custou muito. que teremos disponível para o investimento em 2020. Sem so-
Nestes três anos fomos obrigados a enormes sacrifícios e, por bressaltos. Tudo avaliado, discutido e tratado com as chefias
isso mesmo, é legítimo perguntar o que mudou. Mudaram as leis, militares. Numa palavra muito política: consensualizado. Não há
as regras, mudaram as estatísticas e muito do que era o retrato surpresas, expetativas ou desilusões. Estamos preparados. Sabe-
económico e social do país. Mas acredito que mudou, ainda mais, mos que não vamos conseguir todo o reequipamento desejado,
do que isso. Mudou também a forma como olhamos para a vida sabemos que não vamos conseguir atender a todos os pedidos
e como pensamos o país! O programa de ajustamento ajustou, orçamentais. Sabemos tudo isso. Mas sabemos com o que pode-
também, a forma como pensamos as nossas vidas. Estamos mais mos esperar, planear de conformidade e responder ao nível de
moderados, mais realistas e mais eficientes. Falo de cada um de ambição que o país pode fixar para as suas Forças Armadas. Com
nós, enquanto cidadãos, enquanto pais, enquanto filhos, no nos- seriedade, rigor e realismo, assente num conceito estratégico de
so dia-a-dia. defesa nacional também revisto. E fizemo-lo sem que ninguém no
FMI nos tivesse pedido este trabalho. Sem que ninguém no BCE
Sem a presença da Troika, sem imposições internacionais, es- nos tenha exigido este cronograma. Fizemo-lo porque foi essa a
tamos outra vez por nossa conta. E temos dois caminhos a seguir nossa vontade. Fizemo-lo porque foi necessário. Fizemo-lo por-
enquanto país. O primeiro é voltar para trás. Fingir que está tudo que a crise financeira impôs criar novas condições para preservar
bem, que houve um milagre económico e financeiro, na madru- a capacidade operacional das Forças Armadas. Numa palavra:
gada de 16 para 17 de maio. O segundo caminho, é o caminho Porque a Defesa Nacional precisava. E o país precisava deste
que estamos a seguir. Sou ministro da Defesa Nacional e da mi- exemplo. As Forças Armadas souberam, uma vez mais, dá-lo, de
nha parte sei que o meu orçamento não duplicou com o fim do uma forma extraordinária e com elevado sentido de patriotismo!
Programa de Ajustamento. Fazer de conta que está tudo bem,
que podemos gastar o que quisermos, que podemos ser dema- Que a reforma 2020 seja, por muitos anos, a última reforma
gógicos e pedir tudo a todos outra vez, é condenar o país a outra profunda e estrutural da Defesa Nacional. Está feita para isso.
intervenção internacional. Não pode ser! Temos de ter o sentido Está feita para que as reformas passem a acontecer todos os dias
do realismo, o bom senso da conduta e a serenidade da prudên- para que não tenha que acontecer um dia uma que nos tenha de
cia. Foi esse o exercício que, em conjunto, ensaiamos nas Forças ser imposta. Não aproveitar esta oportunidade para quebrar o
Armadas. Aqui e acolá de forma menos perfeita quanto ao tempo vicioso ciclo das reformas por imposição, seria uma afronta ao
e ao modo da comunicação. A esse facto não é alheio, segura- esforço que todos fizemos nos últimos três anos.
mente, o tempo de mandato no cargo. A história mostra que é
raro um ministro da Defesa ser titular por mais de dois anos. E A história da Marinha Portuguesa é rica nos exemplos de visão
aqui estou. Quase a completar um mandato completo no cargo, do que está para lá do limite curto do horizonte. Sei, por isso, que
o que, naturalmente, tem consequências novas e diferentes das é esse sentido de missão que a todos anima: sem memorandos
que eram hábito. Acusaram-me de ter cortado no reequipamen- que condicionem a nossa soberania continuar, com orgulho, a
to, de ter extinto organismos ou de ter encerrado empresas pú- servir Portugal no mar nos próximos 900 anos!!!
blicas. E, a este propósito, quase tudo é verdade. Nestes últimos
12 JUNHO 2014