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REVISTA DA ARMADA | 487 4
ESTÓRIAS
COINCIDÊNCIAS
Teve lugar no já longínquo ano de 1944, numa escola primária Encontrei de novo o meu amigo Pacheco, mas desta vez era
no coração de Lisboa, o que mais tarde veio a tornar-se coinci- já ele o escrivão da Capitania do Porto da Beira, e aí voltámos a
dências, não só entre os próprios, como familiares dos mesmos. conviver com as nossas famílias. Aconteceu que os nossos filhos
foram colegas no primeiro ano do ensino secundário e na mes-
O primeiro encontro aconteceu numa sala da quarta classe da ma turma.
Escola Primária Elementar nº 14, situada no Largo do Leão em
Lisboa, entre o signatário e o Pacheco, jovem africano de Mo- Após o meu regresso à Metrópole, em 1975, ainda houve uns
çambique, filho de branco e de senhora de cor. Tornámo-nos contactos esporádicos por intermédio de pessoas de conhecimen-
amigos. E deu-se a primeira coincidência. Na nossa turma (havia to comum. Mais tarde tive a informação de que tanto o Pacheco
mais turmas), fomos os únicos a ficar aprovados com distinção no como a Esposa já teriam falecido. Ainda tentei entrar em contacto
exame de Instrução Primária. com o filho, mas foi em vão, e assim acabaram algumas coincidên-
cias engraçadas com intervalos de tempo e de distâncias.
O pai do Pacheco foi funcionário público em Moçambique. Era
normal os ditos funcionários gozarem a sua licença graciosa, era Celestino Batista Velez
assim que se chamava, na Metrópole, após quatro anos de ser- 1TEN OT REF
viço. Foi numa dessas vindas a Portugal, que o pai do Pacheco
aproveitou a matricular o seu filho na dita escola, onde acabou
por fazer o exame já referido. Passaram-se anos. Para ser correc-
to direi que foram 18.
Quando, em 1962, me apresentei na Direcção dos Serviços de
Moçambique, em Lourenço Marques, hoje Maputo, quem me
recebeu a guia de apresentação foi o meu amigo Pacheco, era
ele aspirante de escrivão dos Serviços de Marinha. Pouca conver-
sa houve na altura, embora com o compromisso de mais tarde
falarmos, quando novamente nos encontrássemos, pois o meu
destino naquela altura era seguir para o Chinde, local onde fazia
base a LF Tete.
Depois de estada de ano e meio fui transferido para Lourenço
Marques, pois era normal e vulgar a rotação dentro da Província,
desde que solicitada pelo próprio. Passado pouco mais de quatro
meses de ter chegado à capital de Moçambique, a mulher do sig-
natário deu entrada na maternidade Miguel Bombarda a fim de
dar à luz o seu primeiro e único filho, o que acontecia também a
uma senhora de cor morena nas mesmas condições e cujo quar-
to era apenas ocupado pelas duas.
Após o nascimento dos ”bambinos”, um dia à tarde, passean-
do pela cidade acompanhado pela mulher e pelo rebento, vejo
à distância o meu amigo Pacheco, também ele acompanhado
pela sua esposa e filho. Eu dirigi-me, naturalmente, para cum-
primentar o meu amigo, e qual não é a minha admiração ao ve-
rificar que a minha mulher se dirigiu para a esposa do Pacheco,
pois que era, nem mais nem menos, a senhora que estivera com
ela no mesmo quarto da maternidade, e que eu não conhecia.
Depois dos cumprimentos e apresentações da praxe, ainda nos
voltámos a encontrar, até que o signatário terminou a sua co-
missão de serviço.
Passados seis anos voltei a Moçambique, e mais uma vez fui
parar ao Chinde, o que não era normal acontecer, mas na verda-
de aconteceu. Passado mais de um ano e meio e depois de algu-
mas peripécias que não me deixaram saudades, mas que recor-
do, pois agradeço a uma pessoa não ter tido consequências, que
para mim poderiam ter sido graves, voltei a Lourenço Marques, e
daí para a Beira, onde terminei a dita comissão.
26 JULHO 2014