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REVISTA DA ARMADA | 487
SAÚDE PARA TODOS 16
INSÓNIA
Passamos cerca de um terço da nossa vida a dormir e isto traduz a importância fundamental de um sono de qualidade para a nossa recupe-
ração sica e psíquica. Infelizmente a insónia é muito frequente na população em geral, aliás, é a queixa mais frequente rela va ao sono. Na
população portuguesa foi encontrada uma prevalência de sintomas de insónia na ordem dos 28%, num estudo realizado em 2005. Geralmente
aparece no adulto jovem, maioritariamente em mulheres. Se não tratada, evolui para a cronicidade, sendo frequente entre idosos. Pode trazer
complicações como a hipertensão arterial, obesidade, diabetes mellitus ou diminuição da imunidade.
Para melhor compreensão deste problema foi pedida colaboração à 1TEN MN Carina Rocha Fernandes, interna de neurologia.
AP – O que é a insónia? Muito frequentemente a insónia deriva horário de sono regular vai “treinar” e re-
CF – Quando se queixam de insónia, as também de outros fatores, como um nível gular o seu ritmo circadiano.
pessoas geralmente referem-se a uma sen- elevado de stress, períodos de luto, traba- – As duas horas antes de ir deitar devem
sação subjetiva de dormir mal ou de ter um lho por turnos, efeito secundário de medi- ser dedicadas a atividades relaxantes,
sono não reparador. Em termos médicos, a camentos ou mesmo fatores ambientais no devendo evitar neste período atividades
insónia caracteriza-se essencialmente pela quarto de dormir, como temperatura ina- estimulantes, trabalhar e estar em frente
existência de dificuldade em adormecer, dequada, nível elevado de luz ou ruído. ao computador.
acordares frequentes durante a noite ou – Quando existem níveis de ansiedade ou
acordar demasiado cedo pela manhã, isto AP – Como se pode tratar a insónia? preocupação elevados perto da hora de
mesmo estando garantidas as condições CF–O primeiro passo no tratamento da in- deitar, adormecer pode ser difícil – apren-
necessárias para um sono de qualidade. sónia é perceber se esta é secundária a uma der e pôr em prática alguns exercícios de
causa potencialmente tratável e corrigi-la. relaxamento pode ajudar.
AP – O que distingue a insónia aguda da Se isto não for possível ou a insónia persis- – Ir para a cama apenas quando tiver
insónia crónica? tir, as principais opções de tratamento in- sono. As pessoas com insónia frequente-
CF – Todos temos períodos curtos na nos- cluem medicação e terapia cognitivo-com- mente vão para a cama muito cedo, o que
sa vida em que sofremos de insónia, o que portamental, ou uma combinação das duas. dificulta ainda mais o adormecer porque o
chamamos de insónia aguda. Esta tem ha- A terapia cognitivo-comportamental é um cérebro passa a criar uma associação entre
bitualmente uma duração inferior a três tipo de psicoterapia que tem demonstrado a cama/quarto e o estar acordado.
meses. É uma situação comum e sem con- resultados muito favoráveis na insónia. Im- – Se não conseguir dormir quando vai
sequências graves. Mas isto é diferente de plica um programa específico, estando dis- para a cama ou após acordar durante a
uma perturbação de insónia crónica, em ponível em apenas alguns centros. noite, deve sair da cama, ir para outro lo-
que estas alterações do sono são persis- cal da casa e iniciar uma atividade relaxan-
tentes durante vários meses ou anos, po- AP–Na população em geral persiste a ideia te. Só deve voltar para a cama quando es-
dendo ocorrer todas as noites ou na sua que o melhor tratamento são os “comprimi- tiver mesmo com sono.
maioria, e que pode corresponder a uma dos para dormir”. Isto corresponde à verdade? – Não passar mais tempo na cama do
situação de doença. CF – Existem vários medicamentos que que aquele que se está mesmo a dormir.
podem ser utilizados no tratamento da in- – Quando acordar durante a noite, olhar
AP – Então a insónia não é sempre consi- sónia, contudo, o seu uso deve sempre ser para o relógio é proibido, porque aumen-
derada uma doença? iniciado e apoiado num seguimento mé- ta os níveis de ansiedade e vai dificultar
CF – A insónia não é definida pelo tempo dico e devem ser utilizados por períodos ainda mais o adormecer.
que uma pessoa dorme. A necessidade de limitados de tempo. Alguns destes medi- – A cama e o quarto devem ser reservados
sono varia de indivíduo para indivíduo. A camentos são utilizados de forma errada apenas para dormir. Usá-los para ler, ver te-
insónia é considerada patológica quando e têm um elevado potencial para autome- levisão, estudar ou trabalhar cria uma asso-
causa um impacto negativo no funciona- dicação e abuso medicamentoso, levan- ciação entre o quarto e o estar acordado.
mento da pessoa durante o dia, o que se do por vezes ao desenvolvimento de to- – Não fazer sestas durante o dia. As sestas
pode traduzir de diversas formas. Destaco lerância e dependência, com consequente interferem com o ritmo circadiano e cau-
a sonolência excessiva, fadiga, dificuldade agravamento do problema do sono. sam disrupção do sono noturno.
de concentração, alteração da memória, – Evitar o consumo de substâncias es-
alteração do desempenho social/profis- AP - Existem algumas medidas gerais que timulantes nas horas anteriores à hora
sional/académico, alterações do humor ajudem neste problema? de deitar. Isto inclui bebidas com cafeína
(irritabilidade ou impulsividade), motiva- CF – É muito importante referir que a in- (café, chá, colas), álcool ou nicotina.
ção reduzida e, muito importante, pro- sónia muitas vezes se deve inteiramente, – A prática de exercício físico regular no
pensão para erros ou acidentes. ou tem um elevado contributo, de uma hi- final da tarde é benéfica para o sono. Con-
giene de sono inadequada e de compor- tudo, deve evitar-se a prática de exercício
AP – Quais as causas da insónia? tamentos errados associados ao sono. As- perto da hora de deitar.
CF – As causas da insónia crónica podem sim, adoptar medidas para uma boa higie-
ser inúmeras e muito variadas. Em primei- ne de sono e comportamentos adequados Ana Cristina Pratas
ro lugar, pode ocorrer de forma isolada, é fundamental para todas as pessoas que 1TEN MN
aquilo que chamamos de insónia primária. têm queixas de insónia, e, mesmo quando
É, no entanto, mais frequente ser secundá- é necessário o uso de medicamentos, es-
ria a outras situações, como por exemplo tes não irão produzir o efeito desejado se
a outras doenças do sono (e.g.: síndroma estas medidas comportamentais não fo-
de apneia obstrutiva do sono, alterações rem adotadas.
do ritmo circadiano, síndroma das pernas
inquietas ou outros movimentos anormais Algumas das medidas gerais de higiene
durante o sono), doenças psiquiátricas do sono mais importantes são:
(e.g.: depressão e ansiedade), doenças car- – Ter horários de sono regulares. Parti-
díacas (e.g.: insuficiência cardíaca), doen- cularmente a hora de levantar deve ser
ças respiratórias (e.g.: asma) ou mesmo a aproximadamente a mesma todos os dias,
doenças que causem dor (e.g.: artrite). mesmo ao fim de semana e independen-
temente das horas que dormiu. Ter um
30 JULHO 2014