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REVISTA DA ARMADA | 490
atratividade da pirataria para o cidadão comum. Por outro lado, os A missão EUTM Somalia foi lançada em 2010, com o propósi-
financiadores receberão 50% ou mais das verbas pagas, enquanto to de formar militares somalis, dessa maneira contribuindo para
a Al Shabaab recebe valores na ordem dos 20%, nas regiões por fortalecer, gradualmente, a arquitetura de segurança do país e,
si controladas. Embora os fluxos financeiros já não sejam inteira- assim, ajudar à sua estabilização. Esta missão decorreu inicial-
mente desconhecidos, é necessário continuar a investigar quem mente no Uganda, mas com a melhoria da situação de seguran-
são os principais beneficiários da pirataria somali e tomar medidas ça, transferiu-se para a Somália já este ano.
concretas para o estrangulamento do modelo de negócios em que
ela assenta. Por exemplo, o acima referido relatório identifica o Dji- A missão EUCAP Nestor (iniciada em 2012) enquadra-se no âmbito
buti, o Quénia e os Emirados Árabes Unidos (especialmente o Du- da segurança marítima e tem por finalidade reforçar gradualmente
bai) como os principais destinos do dinheiro pago pelos resgates… o desempenho autónomo das funções de guarda costeira (incluin-
do o combate à pirataria), em cinco países da região: Somália, Djibu-
Armas capturadas pela AMISOM à Al Shabaab (Foto: AMISOM) ti (onde se localiza a sede da missão), Quénia, Tanzânia e Seicheles.
No domínio militar, é imprescindível continuar a promover a No domínio económico, urge promover o desenvolvimento em
paz e a segurança no país, objetivos para os quais muito tem con- áreas com algum potencial de criação de riqueza. Atendendo à ex-
tribuído a African Union Mission in Somalia (AMISOM). Esta mis- celente localização geográfica do país e à extensão da sua costa, uma
são de manutenção da paz visa criar as condições de segurança das áreas de maior potencial é o comércio marítimo, cuja retoma im-
indispensáveis para o desenvolvimento da Somália, desempe- plica a revitalização dos maiores portos, nomeadamente Berbera, Bo-
nhando ainda um papel fundamental no controlo e na contenção sasso, Mogadíscio e Kismayo. Como esses portos se localizam no es-
da Al Shabaab no sul do país. Além disso, importa apostar cada treito de Áden e no sudeste do país, a construção de um porto comer-
vez mais na edificação de capacidades de segurança autónomas, cial na costa nordeste, expandindo um dos pequenos portos aí exis-
de forma a ir permitindo uma retirada gradual das marinhas es- tentes, poderá também constituir-se como uma importante alavanca
trangeiras do Oceano Índico. Dois bons exemplos disso são as de desenvolvimento económico e até de coesão nacional, ao permitir
missões EUTM Somalia (para a qual Portugal tem contribuído aproximar melhor um território com muito deficientes ligações ter-
através da participação de equipas de militares do Exército) e EU- restres. Naturalmente, a revitalização dos portos deverá ser acompa-
CAP Nestor, ambas da responsabilidade da UE. nhada pela construção de vias de comunicação que os liguem às prin-
cipais áreas produtoras e consumidoras, de forma a envolver as re-
giões mais remotas na atividade comercial. Além disso, existem diver-
sas outras áreas com potencial para proporcionarem alternativas de
subsistência à pirataria, tais como a criação de gado, a exploração de
petróleo, gás e minerais, a atividade piscatória, a aquacultura e, even-
tualmente, num futuro de médio/longo prazo, o próprio turismo.
Para concluir, gostaria de enfatizar que a atual situação de con-
trolo da pirataria somali resulta de uma conjugação de esforços
que, se por um lado conseguiu anular o sucesso das ações pira-
tas, por outro não conseguiu eliminar as principais causas por de-
trás da pirataria. Dessa forma, existe o risco de um abrandamen-
to do esforço internacional na região poder levar à retoma do
número de ataques. De qualquer maneira, a comunidade inter-
nacional dispõe agora de uma boa oportunidade para consolidar
uma estratégia holística para a Somália, aprofundando a coope-
ração entre as diversas forças e entidades presentes, com vista à
prossecução do objetivo estratégico para a Somália.
Exemplar, no desenvolvimento de uma abordagem estrutura-
da e multifacetada contra a pirataria, tem sido o Grupo de Con-
tacto sobre Pirataria na Costa da Somália. Este fórum internacio-
nal (criado em janeiro de 2009, no seguimento de uma resolução
do Conselho de Segurança da ONU) tem liderado esforços de ar-
ticulação nas seguintes áreas: reforma do sistema judicial e penal
e edificação de capacidades de segurança marítima; aperfeiçoa-
mento dos instrumentos legais de combate à pirataria; adoção
de medidas de proteção por parte da navegação mercante; au-
mento da consciencialização pública para os riscos da pirataria; e
disrupção dos fluxos financeiros associados à pirataria.
Porém, ainda resta muito por fazer para que se consiga confe-
rir à Somália a estabilidade de um Estado soberano e a autono-
mia para lidar, com alguma sustentação, com a pirataria. Até que
isso aconteça, a atuação das marinhas, combatendo a pirataria
no Oceano Índico, continuará a ser essencial para, entre outros
benefícios, assegurar a liberdade da navegação, numa região de
grande importância para a economia mundial, por onde passam
8% do comércio marítimo e 12% do petróleo mundiais.
Participação portuguesa na EUTM Somalia (Foto: EMGFA) Sardinha Monteiro
CFR
NOVEMBRO 2014 5