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REVISTA DA ARMADA | 493 40
NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA
O CAMINHO DA VIDA…
Neste escrito proponho-me refletir sobre o significado mais profundo da vida, no que aos nossos anseios diz respeito. Acredito que o
tempo atual merece esta reflexão. Os meus leitores, pacientes e assíduos, ajuizarão se a reflexão faz sentido…
Desde há algum tempo que os organismos do Estado, não sen- Cada um de nós deve, em cada momento da vida, pensar
do a nossa Marinha exceção, dispensa jovens a quem deu onde gostaria de estar no futuro. É uma receita que aplico mui-
uma formação importante do ponto de vista pessoal e profissio- tas vezes e (gosto de pensar) já terá salvado algumas vidas. É
nal. Ao presente existem candidatos e candidatas com o 12º Ano o sal da vida. É esta receita que nos deveria ser aplicada como
de Escolaridade, que ingressam nas fileiras, cumprem – a maioria nação. Longe, muito longe das medidas avulsas que nos pare-
com grande mérito − as suas tarefas nas várias Unidades de Mari- cem ter conduzido a um rio sinuoso, afastado da foz longínqua
nha e são largados num mercado de trabalho onde, exatamente, de um mar sereno…
o trabalho escasseia para jovens…
Também eu não estou ainda onde queria na vida. Ainda não
Aquele caminho, certamente difícil (já para não dizer angustian- sou escritor, nem sequer cronista. Todavia, ainda há esperança
te), é uma marca negra dos tempos modernos. A sua existência para mim, do mesmo modo que para um Grumete eletricista, a
deveria ser fonte de tristeza e lamento para todos e, por razões bordo do NRP Álvares Cabral, há mais de uma década, quando
que passarei a explicar, toca-me profundamente. Nasci numa famí- lhe perguntei se já se considerava eletricista?
lia pobre, com fortes dificuldades. Contudo, havia a esperança de
que, com estudo e trabalho, se acharia uma vida melhor. Essa es- − Não, mas já falo com os eletricistas!
perança, para muitos era a luz da vida e elevou cultural e profissio- Uma resposta das mais capazes, diriam muitos na Marinha.
nalmente toda uma geração. Ao contrário, no presente, é difícil fa- Talvez eu também já seja digno de falar com os muitos escritores
zer entender a qualquer jovem adolescente que o trabalho árduo e e homens de letras que a Marinha tem…
o estudo podem constituir um futuro neste país… que é o nosso… Bom sucesso e ventos de feição para 2015!!
Aquela, considero sinceramente, é a maior tragédia nacional. Doc
A ausência de um vislumbre de futuro para toda uma geração
de pessoas. Aquela realidade faz parecerem ridículas as invetivas
contra a baixa natalidade, ou ao facto de que a população está
envelhecida e a segurança social é insustentável por falta de con-
tribuintes. Pelo mais simples bom senso, quem não tem futuro,
também não gera futuro. E, sim, a degradação social vai aumen-
tar inevitavelmente, pois os jovens vão deixar de poder ajudar os
mais velhos – como está inscrito na mais velha tradição humana.
Este movimento é transversal a toda a sociedade. Como
exemplo, refiro os alunos de Medicina que me explicaram que
estão a fazer um curso de alemão no Goethe Institut, para po-
derem ingressar nos hospitais do mundo germânico, uma vez
terminado o curso. Pretendem, usando as suas próprias pala-
vras, fugir “de um país onde não há futuro”… A frase, pungente
e verdadeira, doi-me na alma, pois é a prova provada de que,
como nação antiga, perdemos fortemente o rumo.
Ora eu considero que em todas as ocasiões da vida é preciso
ter esperança. Por vezes fui buscar esperança, nos momentos di-
fíceis da vida, a lugares recônditos da alma (muitos acharam o
seu lugar neste lugar público). Sei, como sabem os mais vividos,
que sem esperança, sem algum tipo de Fé (outro nome para es-
perança), a vida se torna absolutamente intolerável. Foi por esta
razão que se criaram campos de concentração plenos de sofri-
mento. Acharam os verdugos daqueles campos, que o princípio
da morte era imediatamente imposto pela sensação de que, den-
tro do arame farpado, morria primeiro a esperança…
30 FEVEREIRO 2015