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REVISTA DA ARMADA | 499
O INÍCIO DO PRODÍGIO PORTUGUÊS
E O FINAL DA IDADE MÉDIA
“Que se fez daquele que Ceita tomou
Por força aos mouros com tanta vitorea,
O intitulado de Boa Memorea,
Que a si e aos seus tam bem governou”
(Diogo de Brandão, Cancioneiro Geral, no elogio fúnebre de D. João II,
invocando os seus antepassados, e referindo-se a D. João I)
Completam-se este ano, exactamente, 900 anos, desde que, na leste, os francos progressos imperialistas dos turcos na Península
formalidade jurídica de actos reveladores do exercício sobe- Balcânica e na zona do Levante, sem esquecer, na Península Ibé-
rano de poder, um monarca em Portugal usou o título de rainha, rica, as guerras internas entre outras duas nações peninsulares
“Regina Tarasia de Portugal”, assunção, aliás, institucionalmente – Aragão e Castela (antes dos reis católicos) –, e a guerra que ain-
validada por carta do Papa Pascoal II a 18 de Julho de 1116, em da continuava na Andaluzia contra os muçulmanos, que apenas
que assim tratava e considerava a monarca. viriam a sair do território espanhol quase nos alvores do Séc. XVI.
É no longuíssimo processo evolutivo deste País, já ancião, que Neste contexto, pela sua específica geomorfologia que lhe per-
se desenvolveu, nos inícios do Séc. XV, um empreendimento que mitiu contactos, desde há mais de 2000 anos, com povos merca-
viria a mudar, em definitivo, a história da Europa, sendo mes- dores do Médio Oriente – em especial os Fenícios –, bem como
mo uma das causas essenciais para o que pode ser considerado propiciou um particular desenvolvimento das zonas costeiras
como o final da Idade Média. e de algumas cidades, Portugal estava naturalmente apto para
Tem-se considerado, amiúde, que a conquista e manutenção
de Ceuta correspondeu, sobretudo, a um espírito de cruzada
contra povos então tidos como infiéis, prosseguindo, assim, o
que seria um intuito medievo cavaleiresco de conquistas para no-
bres de formação guerreira e alma terra-tenente. Uma tal asser-
ção pode ser enganadora, por altamente restritiva. Toda a envol-
vente política e sócio-económica do empreendimento de Ceuta
foi bem mais que um fenómeno histórico de conquista territorial
e de cruzada religiosa em nome da Cristandade.
Avaliemos, então, o que significava Ceuta há 600 anos, colo-
cando-a no devido tempo e enquadramento históricos.
A melhor doutrina histórica configura em 4 grandes pilares a
fase quatrocentista do expansionismo, descobertas e conquistas
(entende-se que reduzir qualquer um destes termos, como vul-
garmente se encontra, é redutor e até errado), a saber: um espí-
rito de cruzada, a procura do ouro da Guiné, a demanda do Pres-
te João e o controlo das rotas das especiarias orientais. Faremos
uma análise conjugada de todos estes elementos.
O Séc. XV foi um século de absoluta mudança.
Portugal, nação sólida, una e sustentada desde o segundo
quartel do Séc. XIII, não tinha paralelo de estabilidade na Europa.
Poderíamos aqui enumerar a Guerra dos Cem Anos, as Guerras
entre os Lancaster e os York (Guerra das Rosas) em Inglaterra, os
múltiplos mosaicos dos estados italianos e alemães e respectivos
sistemas complexos de suserania hierárquica e papal, e, mais a
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