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REVISTA DA ARMADA | 499

  Ceuta envolveu, portanto, a dados de então, um acentuadís-          nos no Algarve e na costa alentejana, e podemos, também, afir-
simo e amplo esforço nacional, uma vasta frota e um poderoso          mar que a procura do ouro da Guiné visava expandir uma capa-
exército de homens de armas.                                          cidade económica que, pela escassez de ouro, se vivia na Europa
                                                                      há décadas. Podemos, ainda, aduzir que numa vontade imensa
  Quando, a 25 de Agosto, se procedeu à tomada simbólica da           de expandir Portugal como reino Cristão, a conquista territorial
mesquita-mor da cidade de Ceuta, abençoando-a e sagrando-a, e         em África era um movimento proporcionador de elevadíssimo
nela se celebrando eucaristia, foram os Infantes armados cavalei-     prestígio e de glória perante Roma e as outras nações europeias.
ros, repetindo-se esse gesto de cultura nobiliárquica com a fidal-
guia deles dependentes. D. João I tornava-se, assim, no primeiro        Mas o que fica para a eternidade é o fantástico momento em
Rei cristão que, depois do domínio total da Hispania por povos        que, há 600 anos, se iniciou um movimento de expansão, con-
muçulmanos, tomava e conquistava uma cidade em África, o que          quista e descoberta que viria a modelar, de novo, todo o equilí-
fazia dele, como Roma validava, “Rei de Portugal, do Algarve e Se-    brio geopolítico da velha Europa, saída da morte semeada pela
nhor de Ceuta”, conforme documento de 8 de Fevereiro de 1416,         Peste Negra, da fome e da miséria de inúmeras das suas regiões,
da Chancelaria do Rei, e que se encontra na Torre do Tombo.           enclausurada num processo interno de guerras e de conquistas
                                                                      territoriais e de reivindicações suseranas, onde o velho mundo
  Os anos seguintes mostrariam que a conquista de Ceuta se-           feudal ditava as suas rígidas e já seculares regras.
ria um dificílimo empreendimento de se manter, o que se acen-
tuou a partir dos anos de 1418 e 1419. D. Pedro de Meneses,             As traduções dos textos clássicos de Homero por Petrarca em
capitão-mor da Praça, manteve uma defesa muito bem organi-            1345 e 1346, e os seus valiosíssimos trabalhos que lançariam as
zada, usando, até, tácticas militares dos muçulmanos que os Por-      bases do que, décadas mais tarde, viriam a ser o Humanismo e o
tugueses já conheciam há séculos, e nem os processos de cilada        Renascimento, e o excepcional empreendimento territorial, ma-
e espionagem que ocorriam, em moldes de rotina, nas terras de         rítimo e mercantil que os Portugueses, com extraordinária visão,
Marrocos, interferiram naqueles primeiros anos na manutenção          iniciaram naquele dia de 21 de Agosto de 1415 em Ceuta, mar-
da cidade. Os Acordos do Rei de Fez com o Rei de Granada – re-        cariam, de forma muito significativa e determinante, o final da
corde-se que grande parte da Andaluzia ainda seria território do      Idade Média.
Islão até finais do Séc. XV –, viriam a mostrar que a manutenção
da cidade não seria tarefa fácil, sendo mesmo um sorvedouro de                                                                         Dr. Luís da Costa Diogo
dinheiros do Tesouro Público. Contudo, Ceuta seria apenas o pre-                                                      Chefe do Gabinete Jurídico da DGAM
lúdio desta primeira fase das conquistas africanas, seguindo-se
Arzila, Tânger, Mazagão e Safim, num muitíssimo significativo es-     N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
quema territorial de praças-forte, castelos, fortins e feitorias por
toda a costa Sul de Marrocos, como Santa Cruz de Guer (Agadir),         Bibliografia
Mogador e Aguz. Aliás, muito haveria, ainda, que aprofundar so-
bre o domínio Português do Norte de África nesta primeira fase          Boxer, C.R., “O Império Marítimo Português 1415-1825”, Edições 70, 1969
do Séc. XV, matéria que parece carecer de investigações e estu-         Costa Diogo, Luís da, e Januário, Rui, “Noções e Conceitos fundamentais de Direito”,
dos mais aprofundados.                                                  Quid Juris, 2007
                                                                        Cruz Coelho, Maria Helena, “D. João I – Reis de Portugal”, Círculo de leitores, 2005
  Subsistem, hoje, poucas dúvidas sobre o enorme peso histó-            Cassotti, Marsílio, “D. Teresa, a primeira Rainha de Portugal”, A Esfera dos Livros, 2005
rico que teve o facto dos Portugueses serem os pioneiros da ex-         Darwin, John, “Ascenção e queda dos impérios globais 1400-2000”, Edições 70, 2015
pansão europeia. Podemos alegar que o avanço e a conquista mi-          Newitt, Malyn, “Portugal na história da Europa e do mundo”, Texto editora, 2011
litar de terras em África diminuía o impulso dos piratas muçulma-

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