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REVISTA DA ARMADA | 499
navegadas por genoveses e mercadores aragoneses e maiorquinos valeiresca de conquista territorial para a Casa Real Portuguesa
que apenas haviam navegado e efectuado comércio local, circuns- e para a Alta Nobreza Portuguesa, que muitos já defenderam
crito, nas costas norte-marroquinas e um pouco mais a Sul. Logo aí, se dever ao facto da Ínclita Geração ter, também, origem ingle-
houve, em termos de empreendimento, uma diametral diferença. sa, em virtude da Rainha D. Filipa pertencer à Casa de Lancas-
ter, ou seja, como filha de John de Gaunt, ser neta do Rei Edu-
O processo de evangelização e de cruzada religiosa a que supra ardo III – da casa Plantageneta –, e prima direita do rei Ricardo
se aludiu, aliás, estava intimamente ligado à conquista de vastís- II. Não foi, de todo, assim. Terá tido, naturalmente, o seu peso
simas zonas costeiras e das suas populações nativas, o que seria e importância, mas reduzir toda a visão empreendedora, con-
a base da manutenção do monopólio da navegação, do comércio quistadora, expansionista e imperialista àqueles dois factores
e até das pescas naquelas regiões. Isto é, há uma intrínseca liga- é, no mínimo, peculiar, altamente restritivo e geopoliticamen-
ção entre as motivações políticas e territoriais, e de conquista te cego.
de espaços económicos vitais, com toda a envolvente de cruzada
religiosa e de suprema validação por Roma de todo um empre- Bem sabemos que aquela percepção é, um pouco, o que re-
endimento de natureza imperial destinado a “servir os interesses sulta da crónica de Gomes Eanes de Zurara – sucessor de Fer-
de Deus e da Cristandade”. não Lopes como cronista oficial da corte de Avis –, mas os seus
escritos foram exarados três décadas depois de Ceuta, e num
Os lucros que, crescentemente, foram aparecendo, propicia- anseio, que parece óbvio, em enaltecer a reputação do Prínci-
ram um progressivo, mas sustentado, envolvimento das classes pe D. Henrique, seu patrono, acentuando, portanto, as quali-
urbanas burguesas, mercadores e armadores, sobretudo de Lis- dades cavaleiras e guerreiras dos Infantes e da restante nobre-
boa e Porto que, claramente, foram manifestando acrescido in- za que procurava honrarias, conquistas e novos domínios.
teresse em participar em expedições a sul do Sara, nas designa-
das regiões da Senegâmbia, apercebendo-se, obviamente, desde Quando, naquele dia de Santiago, a 25 de Julho de 1415, lar-
cedo, das infindáveis vantagens de se criarem novas redes co- gou do Restelo para África a vasta frota, foi aquele santo to-
merciais e novas fontes de negócio, fazendo chegar a Lisboa e mado como padroeiro na “cruzada”. A frota ainda haveria que
Porto, e daí para a Europa, novos produtos e mercadorias. passar em Lagos e permanecer em Faro antes de, a 9 de Agos-
to, largar em definitivo para Ceuta.
Do ponto de vista do Rei, e passados 30 anos de Aljubarrota,
uma conquista com uma tal dimensão, fora do território euro- Ainda hoje são discutíveis os números envolvidos na mag-
peu e Português, significava legitimar a Coroa de Avis, com uma nífica expedição marítima. Já se falou em 100 navios – sem a
solidez conquistadora, e representava uma ampliação e um redi- frota do Porto –, mas também já se defendeu que seriam cerca
mensionamento da extraordinária vitória sobre Castela no final de 190 mais 20 naus reais, estando envolvidos cerca de 19.000
do Séc. XIV. E isso só seria conseguido sacralizando uma vitória soldados, 1700 mareantes, e mais uns milhares de besteiros e
em terras de infiéis, o que transformava o Rei, cavaleiro de Avis, homens de armas. Ainda que estes números não possam ser
num servidor e conquistador para Cristo. objecto de uma garantia matemática, e apenas como compa-
rativo, atente-se que, dias antes, o Rei Henrique V de Inglater-
Ceuta, teve, também por esta dimensão, um fortíssimo impul- ra – primo de D. João I por afinidade –, partia para a conquista
so Real. de França com 12.000 homens, tendo combatido em Agincourt
com apenas 7000!
A sua conquista não foi, pois, apenas, uma motivação de cru-
zada destinada a difundir o Cristianismo, nem uma procura ca-
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