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uma acção geopolítica e económica apoiada num processo ma-          de 13 de Março de 1456. Resulta absolutamente claro dos seus
rítimo, potenciando, assim, a sua centralidade atlântica e a sua    textos que o monarca Português era autorizado a “atacar, con-
estabilidade política interna.                                      quistar e submeter sarracenos, pagãos e outros descrentes inimi-
                                                                    gos de Cristo…”, capturar os seus bens e territórios e transferir as
  Ceuta tinha um papel muito significativo nas rotas do ouro        suas terras e territórios para os reis de Portugal e seus sucesso-
transariano – era um dos seus portos terminais –, especulando-      res. Exarava-se, assim, a suprema validação das acções política e
-se hoje que os portugueses, e até genoveses e catalães, tinham     religiosa do Reino Português.
informações privilegiadas nesse sentido, obtidas com origem em
mercadores judeus. Assim, a sua conquista permitiu consolidar         A Romanus Pontifex enquadrava, e validava, os inícios e as mo-
toda a rede de informações sobre as terras do Alto Níger e do Se-   tivações do imperialismo Português, inclusive porque se referia
negal – a origem do ouro –, e visava, sobretudo, tentar desviar a   expressamente à descoberta e colonização das Ilhas Atlânticas
rota do ouro das caravanas do Sudão Ocidental e dos intermediá-     (Açores e Madeira) e os esforços para conquistar e evangelizar
rios muçulmanos que eram parte fulcral daquela rota, ao mesmo       as Canárias. É útil sublinhar que, quanto às Ilhas dos Açores,
tempo que retirava a pressão da pirataria muçulmana das cida-       uma atitude é especular sobre a sua existência e vê-las ao lon-
des e vilas a Sul de Portugal, o que constituía, àquela data, uma   ge (como há relatos desde finais do Séc. XIV) – designando-as de
elevada restrição à pesca e aos tráfegos costeiro e local, além da  Azzurre (termo italiano para Ilhas azuis) –, outra, bem diferente,
óbvia ameaça territorial e militar que suscitava.                   é desembarcar, tomar, manter presença e colonizar. Foi isso que,
                                                                    ao contrário de cronistas e mercadores que escreviam e falavam
  Aliás, a conquista e o caminho dos portugueses e a sua presen-    sobre a sua existência, os Portugueses fizeram.
ça naval, e territorial, em terras de Marrocos, terá mesmo impe-
dido, em definitivo, potenciais percursos inversos dos muçulma-       Ora, este brevíssimo enquadramento apenas serve para me-
nos para espaços europeus. E esse aspecto, estranhamente, não       lhor se perceber a iniciativa do empreendimento de Ceuta, e o
tem sido objecto de grande aprofundamento por quem se dedica        multisecular processo que, efectivamente, ali se iniciou. Um pro-
a esta fase histórica, atendendo ao fortíssimo impacto da acção     cesso único a nível europeu, em especial devido ao facto de ter
expansionista Portuguesa aferida nesta dimensão.                    sido a Coroa – um Príncipe Real – a planear, definir, dirigir e co-
                                                                    mandar todo o empreendimento, num fenómeno colectivo de
  Ter-se-á que sublinhar, precisamente quanto a este aspecto,       uma Nação que se empenhou num monumental projecto ma-
que existia uma enorme escassez de ouro na Europa pelo me-          rítimo e mercantil, ao invés de outras nações europeias – cata-
nos desde meados do Séc. XIII, data a partir da qual se começou     lães, genoveses, venezianos, maiorquinos, e mesmo flamengos
a difundir a cunhagem de moeda em ouro (o florim florentino,        – cujos empreendimentos marítimos eram circunstanciados, cos-
em 1252, e o ducado veneziano, em 1280), elemento que, num          teiros, de origem mercantil individual e com um fito empresarial
ambiente sócio-económico de potencial ascenção das burguesias       não colectivo. Também por aqui, Portugal se afirmou, sedimen-
urbanas e mercadoras, tinha um peso fulcral nos índices de de-      tou e se distanciou das demais nações como pioneiro e percursor.
senvolvimento comercial.
                                                                      Nas primeiras três décadas do Séc. XV, Portugal assumiu uma ac-
  É fundamental, também, atentar-se nos textos das Bulas pa-        ção contínua, e planeada, de exploração da costa Ocidental de Áfri-
pais concedidas e promulgadas ainda durante a liderança do          ca, tendo os navegadores e mercadores chegado à Guiné e desco-
Príncipe D. Henrique: a Dum Diversas, de 18 de Junho de 1452,       berto a foz do Senegal, e alcançando, portanto, latitudes nunca antes
a Romanus Pontifex, de 8 de Janeiro de 1455, e a Inter Caetera,

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