Page 29 - Revista da Armada
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ESTÓRIAS                                                                                                                   15

VIAGENS SALGADAS - MOÇAMBIQUE

África outra vez. No “Bartolomeu Dias” (1964 - 1967) deman-         duma inspecção, foi entendido que a sua destruição seria a acção
     dei Bissau, Luanda, Saldanha Bay, dobrei o Cabo das Tormen-    adequada. Preparou-se o material com duas cargas de demolição
tas, fui a Durban e corri vezes sem conta toda a costa de Mo-       focais, ligadas com cordão detonante e rastilho para cerca de três
çambique desde a Ponta do Ouro até ao Rovuma. Ali conheci os        minutos, suficiente para garantir à equipa atingir um abrigo ade-
temporais do Canal de Moçambique! Ali casei! Aí tomei pela pri-     quado a uma explosão de cerca de 200Kg de trotil. Foi iniciada a
meira vez contacto com a música dos Beatles, tocada e cantada       ignição de rastilho e procurado o abrigo mencionado. Aí aguardá-
pelos “I cinque di Roma”, na Boite do Polana. Aí contactei e con-   mos a explosão, que não mais se fez ouvir. Decorridos uns cinco
vivi com camaradas muito mais antigos, que muito me fizeram         ou seis minutos angustiantes, dirigi-me sozinho ao engenho, a
aprender sobre o Mar e a Marinha. Algumas vezes, pelo método        “tremer de coragem”. Lá, depois de verificado que o rastilho ar-
de redução ao absurdo. Nunca em toda a minha vida profissional      dera na totalidade, houve que determinar a razão de não reben-
tive tantos “encargos” – Chefe de Serviço de Armas Submarinas,      tamento das cargas. Para isso foi retirado o cordão detonante das
Cmdt. Chefe do Serviço de Educação Física e Cte. da Força de De-    ditas e só nesse momento foi possível respirar fundo. Verificada
sembarque do Navio. As ilhas Quifuqui e Metundo, “nunca antes       a causa, repostas as cargas, foi finalmente feito rebentamento
navegadas”, foram visitadas por esta Força, na busca de “turras”,   das mesmas, já que a mina estava oca e possivelmente a servir
que teriam realizado o primeiro ataque do género em Moçam-          de bóia de amarração num porto qualquer do Índico. Em Dur-
bique, ao Posto do Chai, e naquelas ilhas teriam procurado re-      ban, estivemos cinquenta e cinco a docar. A limpeza do fundo
fúgio. Encontrámos um atol lindíssimo, com teias de aranha que      e do costado em doca seca era feita por presos, na sua grande
pareciam véus, caindo da copa da vegetação envolvente, como         maioria ou mesmo totalidade, de raça negra, que todos os dias
um manto que protegesse as águas transparentes, onde miríades       vinham com escolta policial, que ficava nas muralhas da doca en-
de peixes de coral de todas as cores e feitios se compraziam em     quanto eles realizavam estes trabalhos. Um desses dias, estava
danças e volteios. Entre inúmeros registos destes três anos de      eu debruçado a vê-los trabalhar no costado, quando ouvi uma
navio, alguns merecem-me reparo especial. Fomos encarregados        voz que a mim se dirigiu – Ei signori! Una cigarretta per favore!
de ir desactivar ou rebentar uma antiga mina Vickers Armstrong,     Perguntei – Italiano? Resposta – Sicciliano! Na Beira brincámos
que dera à costa, na foz do Rio Lúrio. Saímos de Porto Amélia, na   às guerras com os Ingleses, por causa da Rodésia. O “Yoanna V”
lancha da Capitania, eu, o Comandante da Defesa Marítima e um       que furou o bloqueio entrando na Beira, onde descarregou pe-
marinheiro torpedeiro-detector, que havia tirado um curso rápi-     tróleo para o Ian Smith. Nos intervalos de mar lá íamos fazer a
do de manuseamento de cargas de demolição. Desembarcámos            ronda das “capelinhas”. As músicas que se ouviam eram italianas
num local paradisíaco, depois da entrada da barra duma peque-       e francesas, muito puxadas ao sentimento. Os singers, oleosos e
na enseada, chamado Mecúfi. Águas azuladas e transparentes,         empastados, espremiam-se todos para imitar o Gianni Morandi
um palmar interminável debruçado sobre elas e uma ponte-cais        ou o Aznavour. Os jogos do Campeonato do Mundo de Futebol
com passadiço de madeira que desembocava directamente na            em Inglaterra, ouvidos na rádio. O desafio aos navios ingleses por
casa do Chefe de Posto, em estilo colonial, de varandim corri-      fonia – encontramo-nos na final!
do em toda a volta. Daí seguimos em viatura todo-o-terreno até
ao local onde se encontrava o engenho, uns bons dez quilóme-        N.R. O artigo não respeita o novo acordo ortográfico.  Ferreira Júnior
tros entre palmares e o areal da foz do rio. Ali chegados e depois                                                                     CMG

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