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REVISTA DA ARMADA | 505

por exemplo, aos ensinamentos no tocante       Mapa de Lopo Homem (1519).                      contravam mais próximos dos círculos do
à representação da curvatura da Terra e à                                                      Humanismo renascentista, vão seguir de
convergência dos meridianos.                   Na Oração de Obediência do rei D. João          perto a Geografia de Ptolomeu, ora refu-
                                               II ao Papa Inocêncio VIII, lida por Vasco       tando-a, ora tentando encaixar as novas
  A difusão da obra geográfica de Ptolo-       Fernandes de Lucena em 1485, sendo re-          descobertas nas conceções geográficas do
meu, em particular nos centros eruditos        ferido que as navegações portuguesas se         alexandrino. D. João de Castro (1500-1548)
italianos e alemães de cultura humanista,      encontravam muito próximo do Promon-            e Pedro Nunes (1502-1578) são dois dos
será extremamente importante, porque           tório Prasso, designação ptolomaica de um       mais emblemáticos autores quinhentistas
contribuirá para a renovação dos estudos       promontório na costa oriental de África         que seguem amiúde o geógrafo grego e
de Geografia e Cartografia. O choque entre     (Moçambique), é uma prova bastante ex-          citam-no com frequência nos seus traba-
as descrições geográficas dos navegadores,     plícita de que a obra circulava em Portugal.    lhos. Acresce que a única tradução disponí-
que chegavam de paragens longínquas, e         Ao que tudo indica, a corte do Príncipe Per-    vel em português da Geografia de Cláudio
o que era descrito na obra do alexandri-       feito servia-se das ideias do geógrafo ale-     Ptolomeu, o Livro I, ficou a dever-se ao ma-
no tornou-se inevitável. No ano de 1490        xandrino para representar o Oriente, mas        temático Pedro Nunes, que a partir desse
interrompem-se as edições da Geografia;        o Índico aparecia como um mar aberto.           texto discutia com os seus alunos o método
as tiragens só mais tarde, em 1507, serão      Na verdade, a obra de Ptolomeu continu-         mais apropriado de desenhar cartas e pro-
retomadas. Esses dezassete anos, que se-       ará a influenciar, em Portugal e um pouco       jetar numa superfície plana, enquadrada
param a sétima da oitava edição da obra,       por toda a Europa, a produção de mapas          por paralelos e meridianos, os continentes,
são marcados por profundas mutações            ao longo do Século XVI. O caso de Duarte        oceanos e povos que as navegações iam
no quadro científico, intelectual e cultu-     Pacheco Pereira é particularmente interes-      revelando de forma completamente inédi-
ral europeu. À medida que decorriam as         sante, pois o navegador defende no Esme-        ta nos séculos XV e XVI. Essa abertura pla-
viagens marítimas e se exploravam locais       raldo de Situ Orbis (c.1505-1508) – ao as-      netária viria afinal a estar na base de uma
desconhecidos para a Europa, efetuava-se       sociar os novos conhecimentos geográficos       nova conceção de globo terrestre, conceito
o cálculo muito aproximado das dimensões       com o saber dos autores antigos – que são       fundamental para sustentar as primeiras
do perímetro terrestre, a descoberta de        os continentes, isto é, a proporção de terra,   ideias acerca de um Universo heliocêntrico,
um quarto continente e a ligação entre os      pela sua grandeza, que rodeava os mares         de que os argumentos de Nicolau Copérni-
oceanos Índico e Atlântico. O regresso de      através do prolongamento da América do          co, muito atento aos Descobrimentos geo-
Diogo Cão do descobrimento da foz do rio       Sul/Brasil para Leste, ligando-se, por seu      gráficos, dão público testemunho no De re-
Congo, em 1484, estabelece um primeiro         turno, a uma grande massa de terra aus-         volutionibus orbium coelestium, publicado
momento de rutura, por se ter constata-        tral, a sul de África, não impedindo, é certo,  em Nuremberga, em 1543.
do o prolongamento de África para Sul. A       a comunicação entre os oceanos Atlântico
expedição naval de Bartolomeu Dias rea-        e Índico. O mapa de Lopo Homem, inclu-                                                Baptista Valentim
lizada entre 1487 e 1488 ao Atlântico Sul      ído no Atlas Miller de 1519, ilustra de for-                                                          CTEN
acabou por vibrar um rude golpe na conce-      ma extraordinária essa imagem do Mundo
ção geográfica ptolomaica, ao provar que       sustentada por Duarte Pacheco Pereira, na          Notas
seria possível contornar o continente afri-    qual o paradigma ptolomaico de “mares
cano, penetrar no oceano Índico e chegar       fechados” ainda é seguido.                         1 J oam de Barros, Ropica Pnefma, Lisboa 1532, fol.
por mar à Índia e à Ásia descrita por Marco                                                        Diij r . Ed. I. S. Révah, vol. II, Lisboa, Instituto de
Polo, comerciante e viajante Veneziano do        Outros navegadores e cosmógrafos que              Alta Cultura, 1955, p. 42.
séc. XIII. Acontecimento, aliás, logo noti-    tiveram um papel proeminente nas nave-
ciado pela cartografia, através do mapa de     gações oceânicas portuguesas no século
Henricus Martellus em 1489.                    XVI, em lugar de destaque os que se en-

  Quando são retomadas as edições da
Geografia de Ptolomeu, em 1507, passam
a anexar as tabulae novae (tábuas novas),
que refletiam as novidades propiciadas
pelas navegações, mas no essencial per-
maneciam nos códices e incunábulos as
descrições geográficas ptolomaicas, o que
traduzia a resistência dos saberes tradicio-
nais à novidade.

  Em Portugal, a Geografia é seguida com
atenção, pelo menos desde a época do in-
fante D. Henrique (1394-1460), que teve
seguramente conhecimento da obra do
alexandrino. Diogo Gomes, justamente um
dos navegadores da Casa do Infante, apon-
ta no seu relato sobre as navegações qua-
trocentistas henriquinas os erros nos cálcu-
los de latitude de lugares na costa africana,
expostos por Ptolomeu na sua Geografia.

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