Page 30 - Revista da Armada
P. 30

REVISTA DA ARMADA | 505                   82

VIGIA DA HISTÓRIA

CABE SEMPRE MAIS UM

  Provavelmente, como aliás sucede nal-       Arraia, transportou 102 casais, num total
guns casos, estarei enganado, mas os indí-    de 534 pessoas, 52 das quais menores,
cios de que disponho levam-me a acredi-       tendo 8 morrido na viagem, 6 dos quais
tar que a expressão que dá título a este ar-  menores, e desembarcado 70 doentes,
tigo foi inventada por um homem do mar.       dos quais em terra morreram 13.

  É exactamente baseado nesta convic-           O navio Sr. do Bonfim e Nª Srª do Rosá-
ção que os navios de guerra são construí-     rio transportou 105 casais, num total de
dos, tem de haver espaço para o aparelho      667 pessoas, 67 das quais menores, tendo
propulsor, para o combustível, para os        morrido na viagem 32 pessoas, 15 delas
equipamentos eléctricos e electrónicos,       menores, e desembarcado 152 doentes,
para os sobressalentes, para o armamen-       dos quais depois morreram 27.
to e munições, etc… e, depois, sempre se
arranja espaço para o pessoal.                  Num outro navio foram transportados
                                              51 casais, num total de 275 pessoas, sen-
  Só tendo por base tal conceito é pos-       do 25 crianças, tendo morrido no mar 36
sível compreender como é que as naus          e desembarcado 77 doentes, dos quais
da chamada Carreira da Índia levavam,         morreram 23 pouco tempo depois. Outro
por vezes, mais de 1000 pessoas, que          dos navios transportara 47 casais, num to-
os navios de transporte de escravos iam       tal de 211 pessoas, entre elas 19 menores,
a transbordar; a tal ponto assim era que      tendo morrido 73 pessoas no mar.
foi necessário legislar, no séc. XVIII, qual
a área mínima que cada peça (eufemismo          Para além dos colonos, cada navio
usado então para designar um escravo)         transportava ainda mais cerca de 50 tri-
deveria ocupar a bordo.                       pulantes.

  Todo este arrazoado me surgiu quando,         Como curiosidade refira-se que na de-
bem recentemente, me deparei com um           vassa efectuada, em 1750, sobre as con-
documento relativo à colonização da ilha      dições de transporte, todos os inquiridos
de Sª Catarina, no Brasil, e no qual me       afirmaram ter tido boas condições, não
parece  que o princípio referido esteve       faltando comida nem água, e que as con-
presente.                                     dições de alojamento eram adequadas(1).

  Tal como sucedeu noutros locais, a                                        Com. E. Gomes
colonização de Sª Catarina foi garantida
maioritariamente pelo recurso a emigran-      P.S. - Por curiosidade, refira-se que entre as muitas cente-
tes, no caso em apreço açorianos.                   nas de navios envolvidos no tráfico não me recordo
                                                    de ter encontrado um que levasse 600 escravos.
  Os incentivos à emigração incluíam o
fornecimento de terras, ferramentas e         Nota
sementes necessárias para o seu cultivo       (1) Desconfiado como sou, não dou grande crédito à de-
e transporte garantido pela Coroa. Para
esse transporte foi estabelecido contrato       vassa, porque todas as declarações das testemunhas
com armadores, que envolveram vários            são exactamente iguais, dando a clara sensação de um
dos seus navios ao longo dos anos que           texto único que todos subscreveram.
durou o contrato. Foram recolhidos os se-
guintes elementos sobre o transporte. O       Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino doc. 2199, doc.
navio Sª Ana e Sr. do Bonfim, de que era      2200 Rio de Janeiro
capitão Francisco Manuel Leiria, transpor-
tou 52 casais, num total de 258 pessoas,      N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
19 das quais menores, tendo desembar-
cado 52 doentes.

  O navio Nª Srª da Conceição e Porto
Seguro, de que era capitão Pedro Lopes

30 MARÇO 2016
   25   26   27   28   29   30   31   32   33   34   35