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REVISTA DA ARMADA | 520
          VI(R)VER O MAR






          PARTE I

































           DR

                                                                               Pintura mural existente no recém-restaurado Forte da Graça em Elvas.
          OS PORTUGUESES E O MAR                              histórico, Portugal desenvolveu-se e assumiu-se como um país
                                                              fortemente marítimo e foi assim que foi grande e importante no
            história de Portugal é quase toda ela feita de costas voltadas   mundo. A ligação ao mar pautou sobremaneira a História de Portu-
         A para a Espanha, em primeiro lugar, e para a Europa seguida-  gal. Essa ligação, sobretudo na época dos Descobrimentos, esteve
          mente (recorde-se que, na tradição popular, de Espanha não vinham   na génese do fenómeno que hoje conhecemos por globalização.
          “nem bom vento nem bom casamento”). Ademais, desde o princí-  Após o 25 de Abril voltámos as costas ao mar e de seguida lan-
          pio da nacionalidade, o mar faz parte da paisagem portuguesa, está   çámo-nos nos braços da Europa. Na génese deste volte-face estão
          lá nos mapas e nos tratados e entranhou-se na psicologia do povo,   razões de natureza histórica e, fundamentalmente, económica.
          nas suas tradições, na literatura, na arte e na gastronomia.  Como que, na ânsia da busca pelo el dorado, às especiarias da
           Uma vez consolidada a conquista do “rectângulo” pátrio, com o   Índia, ao ouro do Brasil e às riquezas dos confins de África se tives-
          reino estruturado de maneira estável dentro do cenário de final da   sem seguido os cofres de Bruxelas.
          Idade Média, o mar foi a nossa porta natural – “Onde a terra acaba   “O facto de o 25 de Abril ter tido a sua origem no problema colo-
          e o mar começa”, Cf. Canto III dos Lusíadas. Inexoravelmente, Por-  nial levou a que virássemos as costas a África e concentrássemos
          tugal transformou-se, por necessidade e sob a sábia orientação   a nossa atenção aqui, neste rectangulozinho europeu e nos nos-
          da Coroa, num “país de marinheiros”. Mesmo que a vocação não   sos problemas internos. E depois, que nos voltássemos totalmente
          fosse essa, mais altos valores se levantaram – interesses comer-  para a Europa, dizendo adeus ao mar. O mar era o símbolo do mal,
          ciais, científicos (a ânsia de conhecimento), religiosos (a expansão   do  império  colonial,  do  inferno  da  guerra  que  todos  queríamos
          da Fé cristã) e de segurança (combater os muçulmanos e/ou ani-  esquecer. A Europa era a democracia, a liberdade, a civilização, os
          quilar-lhes a fonte de rendimento do comércio com o Ocidente   bons costumes, a abundância e a prosperidade.
          como contrapartida da independência nacional assegurada pela   Começámos  então  a  viver  o  sonho  europeu.  Com  a  adesão  à
          Igreja de Roma).                                    CEE em 1985, começaram a afluir da Europa os fundos europeus,
           Houve um projeto tão utópico como galvanizador e mobiliza-  passou a circular mais dinheiro” (José António Saraiva, a pág. 280
          dor  do  povo  português  –  penetrar  nos  circuitos  mercantilistas   de “POLÍTICA  À PORTUGUESA. IDEIAS, PESSOAS E FACTOS”,  de
          europeus. Foi delineada a estratégia (entrepostos comerciais no   novembro de 2007).
          Oriente e transporte por mar – rota do Cabo – das especiarias),   Nas últimas décadas Portugal esqueceu ou menosprezou a rela-
          estabelecidas as linhas de ação (vice-reino do Oriente, armadas   ção com o mar. Algumas consequências disso são já manifestas
          anuais), transformadas as fraquezas em forças (“Escola de Sagres”,   mas uma, porventura a maior, deve desde já ser combatida – a
          inovações na construção naval para longo curso, armamento dos   perda  da  nossa  idiossincrasia  como  povo  de  vocação  marítima.
          meios  navais,  compilação  cartográfica  náutica),  minimizadas  as   Essa característica peculiar do temperamento e comportamento
          ameaças (controlo dos pontos estratégicos, política do segredo),   dos portugueses, que levou anos a forjar, está por terra e urge
          agarradas  as  oportunidades  (situação  geográfica  –  porta  marí-  reerguer como marca da afirmação de Portugal no contexto das
          tima direta do Oriente para a Europa do Norte). Nesse contexto   nações, ou seja, para a sua sobrevivência histórica.


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