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REVISTA DA ARMADA | 520
 Marinha,















          levantar a moral das tropas portuguesas sitia-
          das. Alguns meses depois, uma epidemia de
          peste fez as tropas castelhanas levantarem o
          cerco, não tendo conseguido a rendição dos
          portugueses.
           Durante a crise de 1383-1385, as ações mi-
          litares desenrolaram-se essencialmente em
          terra firme. Em todo este processo destacou-
          -se D. Nuno Álvares Pereira, que combateu
          as tropas invasoras junto à fronteira e liderou
          o exército português na batalha decisiva, em
          Aljubarrota. Assiste-se a uma mudança do
          paradigma  do  combate.  A  infantaria,  cujo
          patrono  é  o  próprio  Condestável,  assumiu
          um  papel  fundamental.  Apesar  do  caráter
          eminentemente  terrestre  deste  conflito,  a
          Marinha cumpre a sua missão, como se de-
          monstrou,  na  descrição  do  episódio  acima
          descrito,  tendo  contribuído  para  reforçar  a
          resistência das tropas sitiadas em Lisboa, ga-
          rantindo deste modo que a cidade não caísse
          em mãos inimigas.
           Expulsas as tropas castelhanas, em agosto de
          1385, segue-se um período de tréguas e con-
          flito latente, que só terminou em 1411, com
          um tratado de paz. D. João I percebeu que a
          opção mais sensata seria segurar esta situação
          de paz entre os dois reinos vizinhos. Por outro
          lado,  diversos  grupos  sociais  demonstravam
          uma grande vontade de expansão, para novos
          espaços. Em primeiro lugar, a nobreza. Muitos
          dos grandes do reino assumiam que o papel
          principal da nobreza era procurar a honra no
          campo de batalha, ganhando assim prestígio
          e também assegurando novas fontes de ren-
          dimento. Por outro lado, a burguesia, que se
          tinha desenvolvido significativamente na cen-
          túria de Trezentos, necessitava de encontrar   Manuscrito do contrato entre D. Dinis e Manuel Pessanha, guardado na Torre do Tombo
          novos mercados para escoar a sua produção.
          A estas vontades juntava-se o clero, que tinha   nal da importância estratégica desta praça do   vergadura, que implicou uma grande prepa-
          sempre presente a missão evangelizadora.  Norte de África. O seu porto constituía um   ração logística, recolha de informações e op-
           D. João I percebeu que, nas circunstâncias   importante ponto de apoio para combater   ções táticas que permitiram tomar a cidade
          descritas, a decisão mais acertada seria «vol-  a pirataria que no século XV era bastante in-  sem necessidade de cerco. Note-se que esta
          tar as costas a Castela» e procurar uma outra   tensa no Mediterrâneo e a partir dele conse-  operação militar contou com a participação
          via para satisfazer as necessidades das forças   gue-se controlar a navegação que circula no   do próprio monarca e dos infantes, prova da
          vivas da sociedade. A opção tomada foi de   Estreito de Gibraltar.   importância da mesma para o rei e conse-
          iniciar um processo de expansão para o Norte   D. João I percebeu a importância desta ci-  quentemente para o reino.
          de África, mas que logo de seguida se alargou   dade e decidiu tomar a mesma, em 1415,   A Marinha estava presente, e em força, na-
          à exploração do Atlântico, explorando terras   sendo  esta  ação  considerada  como  o  pri-  quele que é considerado o marco fundador
          até então desconhecidas, na costa africana e   meiro  passo  da  expansão  que,  em  pouco   da Modernidade em Portugal.
          buscando terras no alto-mar.      mais de um século, levaria os portugueses                         
           O cronista Gomes Eanes de Zurara definiu   até ao Extremo Oriente. A tomada de Ceuta         Costa Canas
          Ceuta como «a chave do Mediterrâneo», si-  foi uma operação militar-naval de grande en-           CMG


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