Page 185 - Revista da Armada
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I  Nota de Abertura









                                 Lá vai um ...








               Antigamente, e  não é preciso ir além de uns    lado estético ... bem, isso também não há dúvidas
            50 anos, um dos ex-libris desta notabilissima cida·   que o antigo era muito mais bonito.
            de de Lisboa eram as varinas e  marinheiros.  Os
            maravilhosos desenhos de Almada Negreiros e de
            Stuart Carvalhais bem o mostram.
               De facto,  a  cidade era invadida por airosas e    A verdade é que me perdi em divagações, des-
            bonitas  varinas  que enchiam as ruas  de alegria   viando-me do tema inicial, que eram as varinas e
            oom  os  seus  caracteristicos  e  alegres  pregões;   os marujos.
            mas à noite era a vez dos maIUjos. como gaivotas.     Se é certo que as primeiras desapareceram da
            nas estreitas vielas de Alfama. do Bairro Alto, da   vista, desde a  descoberta do peixe congelado, fi-
            Mouraria ...                                       cando apenas a sua bonita imagem no coração dos
               Eu sei perfeitamente que os tempos mudaram,     que as viram, os marujos ficaram e continuarão a
            que as mentalidades evoluíram, que os costumes     existir enquanto dois terços da superfície terres-
            se adaptaram. às circunstâncias ... enfim. que mais   tre forem cobertos por mar, e  ali se jogarem inte-
            ou menos tudo agora é  diferente,  em relação ao   resses  econ6micos e  politicas vitais para as na-
            que foi nesses tempos. Na nossa terra como nas     ções. Só que não se vêem ... é olá vai um!
            outras! Do que não estou certo é se a mudança foi     Hoje há a tendência das pessoas quererem pa-
            para bem ou para mal; se lucrámos ou se perde-    recer aquilo que não são. Um homem trajando ci-
            mos com isso.                                     vilmente tanto pode ser um doutor, um ministro,
               O caso talvez mais notório dessas mudanças     um deputado ou um juiz. como um padeiro, um
            deu-se com o vestuário. Antigamente as mulheres   carpinteiro, um operário._. Dai que os empregados
            vestiam-se como tal, com requinte, com rendinhas   da  Carris,  dos  Caminhos  de  Ferro,  das  compa-
            e bordados, com saias e vestidos, usavam chapéu,   nhias das águas, do gás e  electricidade, dos Cor-
            sapatos de salto alto, numa palavra, via-se mesmo   reios, etc., não queiram vestiruntiorrne.
            que eram mulheres. Agora não. Aboliu-se o  cha-       Mas os marinheiros, herdeiros que são de tão
            péu, os sapatos deram lugar às botas altas, no In-  ricas e  nobres tradições, que andam no mar, que
            verno e aos ténis, no Verão, as saias cederam o lu-  arrostam com temporais, que correm riscos sem
            gar às calças ...                                 conta, que são educados no culto da honra, da Pá-
               Por sua vez, os homens quase deixaram tam-     tria, da família. da justiça. do aprumo e da cordiali-
            bém o chapéu, e s6 os velhos cobrem a cabeça, na   dade, esses, ao contrário, s6 fardados são penhor
            maior parte dos casos com boné. Há rapazes que    de todos esses predicados.
            atingem a  idade da tropa sem terem usado, uma       Também já fui civil, até aos 19 anos, antes de
            vez que fosse, um fato completo, um temo como     assentar praça como aspirante da Escola Naval, e
            se dizia dantes, com calça, colete, gravata e casa-  ainda me lembro perfeitamente do que pensava
            co. Umas calças coçadas, um pull-over,  no Inver-  quandO via um marujo:  viagens, aventura ...  Tal-
            no ou uma camisa leve, no Verão, além dos tais sa-  vez fosse isso que me trouxe para cá. Hoje sei que
            patos de ténis, é quanto basta.                   não é s6 isso_ A vida dos marinheiros. quer sejam
               Chega-se à  conclusão que, actualmente, mui-   da Armada ou da Marinha Mercante, é muito dura,
            tas mulheres parecem homens e ... vice-versa. É a   exige saber e  sacrifícios,  desgasta os nervos e  a
            moda unissexo ...                                 saúde. Que ninguém se iluda a esse respeito,leva-
               Quantas vezes, nos ficamos a  olhar para uma   do por aqueles que julgam que a vida de marinhei-
            pessoa, sem distinguir,  a  não ser reparando em   ro é  uma permanente festa (vide série da TV . 0
            certas particularidades anat6micas, se é  do sexo   Barco do Amou 1). A n6s, os da profissão, não en-
            masculino ou do feminino!                         ganam eles, porque conhecemos ao vivo a  força
               Por mim, tenho opinião formada sobre o caso.   desse gigante que se chama MAR.
            Vendo a questão pelo lado prático, não pode haver                           ~ . ..e-V~
            dúvidas que agora é que está certo, até porque é
            muito  mais  econ6mico,  mas  observando-a  pela                                            c/ ....


                                                                                                              3
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