Page 48 - Revista da Armada
P. 48

Antologia do Mar



                                   e dos Marinheiros





            Herman                                                              De «MOBY DICK,

                                                                                 A BALEIA BRANCA»
            Melville                                                            (Herman  Melville,  1851)


                                                                                A  PERNA  E  O  BRAÇO.
                                                            -                   .. SAM UEL  ENDERBY»,
                                                                                ENCONTRA  O
                                                         ".                     O  ",PEQUOD»,  DE NANTUCK ET,
            PeJo  cap.-frag.  Crist611So  Moreira                               DE  LONDRES

                                                                                   - Ó do /xlri'O/ Vimlll li BlIldll Branca?
                                                                                   Assim gritava Acab, chama/Ido à/ala,
                                                                                 mais  lili/a vez,  um navio que OS/flllava as
                                                                                cores inglesas e passava li ré.  Porta-voz fia
                                                                                 boca, o velho estava de pé lia baleeira iça-
                                                                                 da  à  proa,  li sua perna de marfim nilidQ-
                                                                                 mellfe  visível para o  capitão estrar,geiro,
                                                                                 que  estal'u  descilidadamente  apoiado  à
                                                                                 proa da sua própria baleeira.  Era um belo
                                                                                 homem, tisnado e robusto,  cuja idade Of-
                                                                                 çaria pelos sessenlO anOS;  ~'estia um amplo
                                                                                 gibão que o  envolvia em [eslões de  pOlIO
                                                                                 azul  de pilolo: lima  manga  vazia da  sua
                                                                                 vestimenta  fl/lll/ava  atrás  dele  como  li
               HERMAN MEtVIl.LE nasceu  no ano de  1819, cm Nova Iorque. Órfão de pai muito   manga de 11111 casaco de hussardo.
            cedo. teve de ganhar li vida cm empregos modestos. c foi essa necessidade que acabou   _  Visletl 8(11eia Ural/ctl?
            por empurrá-lo  para o  m:lr:  âos quinze anos fez  a sua primeira viagem  li  Inglaterra.   -  Estás li  ver is/o? -  E,  extraindo-o
            c  linha  vinle c  um  quando participou numa expedição aos  ma res do Sul. à pesca da   das dobras qlle o escondiam, levamollllm
            baleia,  da qual  viria a desertar nas  ilhas Marquesas, fugindo à  brutalidade com  que   braço branco de osso de cachalore remata-
            ocomandantc tratava li tripulação. Aprisionado pelos indígenas na ilha de Nuku Hiva.   do por IUILa cabeça de madeira, como um
            cativo se manteve por quatro meses. até que foi salvo por um baleeiro aust raliano.   maço.
               Apaixonado viajante dos mares. não é só por essas experiências vividas. que nos   - Homens para o meu barco.' - grilou
            transmitiu cm obras como .. Typcc» (1846) e «Omoo» (1847). que trazemos a esta gale-  Acab imperuosamellte agitando os remos
            ria o escritor umericano: porque Herman Melville ocupa na literatura universal um lu-  que se encontravam perto dele.  - Apron-
            gar próprio - ainda que tardiamente reconhecido. «A vasta população. as altas cida-  tem-se paro arriar.'
            des. a publicidade errónea eclllmorosa, conspiraram para que ogrande homem secrcto   Em menos de um milluto, sem deixar
            scja uma das tradições da América»,  como escreveu Jorge  Luís  Borges,  para quem   a baleeira, ele e a sI/a eqllipagem foram ar-
            Herman Melville foi  indiscutivelmente um desses grundes homens secretos da Améri-  riados para a água  e depressa  acostaram
            ca: um homem que, regreSSlldo do mar, teve de ser anos c anos empregado na Alfânde-  ao estrangeiro.  Entretanto surgiu uma cu-
            ga  de  Nova  Iorque para sustentur a vida, que na grande metrópole se  iria extinguir,   riosa  dificllldade.  Na  excitação  do  mo-
            quase anónimo. no ano de 1 R9 [: duas décadas passadas, a Enciclopédia Britãnica ainda   menlO, Acab esquecera qlle, desde a perda
            referia Melville apenas como um mero cronista da vida marítima: c como cscritorseria   da pema, não havia pisado uma única vez
            pura e simplesmcnte ignorado por Lang e por George Saintsbury, nas histórias da lite-  OJuro navio que não fosse o seu, onde dis-
            ratura  inglesa  que  publicaram  em  1912  e  1914.  A  primeira  monografia  america)1a,   punha de uma engenhosa invenção mecâ-
            «Herman Melville. Mariner and Mystic .. , aparece somente em  1921.  Borges. que tra-  nica,  especial 110 pequod, e que lIão podia
            duziu pura castelhano «Bartleby .. , um dos reliLtos pertencentes ao volume «The Piazza   ser mamada em qualquer OUlro  navio de
            Tales ..  (lH56). insurge-se contra a demora na  revelação de Herman Melville. o atraso   11m momento para outro.  Não é coisa fácil
            da glória que só nos anos vinte do nosso século começaria a chegar. quando a crítica   para nillguém -excepto para aqueles q/le,
            o foi  buscar ao esquecimento, reparando nessas páginas iluminadas pelos reflexos de   como os baleeiros,  o fazem quase a rOlta
            Kafka.  de quem  fora  afinal  um  precursor.  E  a  publicação póstuma dc «Bil1y  Bud»  a hora -subir de mna baleeira para bordo
            (1924) seria já um  acontecimento notado. reconhccido estava Melville como um dos   de  11111  navio no alto  mar; com efeito,  as
            grandcs romilncisliLs do século XIX, grande homem secreto dcixara dc ser.   grandes  vagM ora elevam a baleeira até à
               ° trecho seleccionado para a nossa antologia constitui um dos capítulos desse longo   amurada ora a precipitam bruscamente a
            prodigioso romiLnCe. da obra-prima de Hermun Mclville que é «Moby Dick (A Baleia   meio do caminho da sobrequilha.  Assim,
            Branca)>>. Publicado no Inverno de IH51. é uma fascinante odisseia, da loucura doeapi-  privado de lima pema, e não possuindo o
            tiio Acab. da avidez com que pelos mares busca e persegue. para a destruir numa impla-  navio estrangeiro e prestimoso  invenção,
            cável vi ngança. a baleia branca: uma odisseia que o cinema e a tclevislio não resistiram   Acab achou-se ignominiosameme reduzi-
            a  explorar. sem  apagarem  as páginas do livro onde  nasceu.  contada em  linguagem   do  ao estado de um desajeitado  terrestre.
            duma perturbadora veemência. que vai crcscendo para além do horizonte da vida dos   olhando impolleme a altllra incerta e mó-
            baleeiros e da loucurll do seu capitão. que sugere e at..range ii imensa e desumana vasti-  vel que dificilmeme podia esperar atillgir.
            dão dos occanos do Mundo.                                              Já talrez se lenha illsillllado que, sem-
            10
   43   44   45   46   47   48   49   50   51   52   53