Page 51 - Revista da Armada
P. 51

Pisara, sem querer, nas pressas
          da  cobrança,  um  dos  passageiros.
          E este, irritado, incompreensivo, logo
          o invectivara do pior.
              A  atenção  deferente  que  lhe
          prestáramos predispôs o condutor a
          mais  desabafos.  E  logo  assegurou
          que tinha colegas -  não era o seu
          caso,  infelizmente  -  que  sabiam
          dar aos passageiros a resposta me-
          recida.
             Uma  vez  -  contou -  também
          um colega pisara, inadvertidamente,
          como  ele,  um passageiro, que sem
          atender a desculpas, logo berrou em
          voz alta, para ser ouvido de lés a lés:
             -  Irra!. ..  que  estes  condutores
          parece  que  comem carne  de cava-
          lo! ... Eleécadapatada!. ..
             O colega - como ele garantiu-
          não  se  perturbou.  Mal  extintos  os
          ecos  do insulto,  logo replicou, com
          malfciaevidente:
             -  Irra!... que estes passageiros
          parece  que  comem carne  de boi!...
          Ele é cada .. marrada" ...

                       000
             De outra  vez, um grupo de aspi-
          rantes, em dia de folga, fora jantar a
          um  restaurante do Campo  Grande.
             A refeição arrastou-se pela noite
          dentro, com abundância de comidas
          e bebidas -  decerto com predomi-
          nancia larga destas últimas.
             Naquele  tempo,  os  dinheiros
          eram  escassos.  Nos  transportes
          nunca se recorria  aos táxis. Utiliza-
          vam-se os eléctricos, mas económi-
          cos, com tarifas de $50 (uma coroa),           000                   mentou para os circunstantes, carre-
          $75, $85, $95 e  1$05, conforme as                                  gado de intençao:
          zonas a vencer.                       Na carreira de Algés, num eléctri-  -  Naturalmente, por uma coroa,
             Foi assim que, acabada a função,  co daqueles compridos, com lotação  queria  um  alferes  de ...  cavala-
          o  grupo  de  aspirantes  de  Marinha,  esgotada, viajava, pela mesma épo- na ...
          fardados, embarcaram  num  eléctri-  ca, um  marujo  bem  apessoado, de
          co, para regressar à Baixa. Duas ve-  farda impecável  e botas  reluzentes
          lhotas,  apenas,  eram  passageiras  de brilho  bem puxado  (nâo se usa-
          únicas quando eles entraram.      vam ainda sapatos, naquele tempo).
             O  carro  arrancou,  veloz  àquela   Seguia em pé, seguro numa das
          hora da noite, com o trânsito morto.  pegas de couro, junto de um banco
             Como era Verão, as janelas iam  longitudinal.  Neste  sentava-se  uma
          abertas. A certa altura, com os sola-  dama, jâ madura, exuberante de for-
          vancos do eléctrico, dançando nas li-  mas,  fortemente  pintada,  exalando
          nhas e entrando nas agulhas, houve  um perfume um tanto equivoco.
          um  aspirante  que,  bem  bebido, se   Eis quando, a uma travagem re-
          debruçou da janela e, num estertor,  pentina,  o  marujo  se  desiquilibrou,
          começou a «chamar pelo Gregório».  largou  a  pega  por  mão  e  caiu, de-
             Atrás, uma das velhotas, ingénua  semparado,  no largo colo  da dama.
          e sinceramente condofda, exclamou  Esta, escandalizada, bradou em voz
          para a companheira:               atta:                                                   Silva Braga.
             -  Coitadinho!  Aquele  até  no   -Credo!. .. Um marujo!...                                  v a/m.
          eléctrico enjoa!.  ..                Este,  levantando-se  rápido,  co-  ••••••••••••••••••••

                                                                                                            13
   46   47   48   49   50   51   52   53   54   55   56