Page 18 - Revista da Armada
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                   stou convicto de que, ao sair da Escola Naval, todos os
                   oficiais da minha geração e classe leram um  livro intitu-
                   lado "Running and Maintenance of lhe Marinc Diesel
            E Engines», da autoria de John Lamb, para complemen-
            tar a adaptação a este peculiar tipo de máquinas.
               Esta citação vem  a propósito da  noticia de um  malutino(')
            que, com uma fotografia, dava fé de um salva-vidas especial que
            o Instituto de Socorros a Náufragos baptizou de « Palrão Arnaldo
            dos S01ll0s» e entrou em serviço 110  porto de Sines,  por possuir
            uma estrutura que lhe permile atravessar superfícies líquidas em
            chamas.
               Ora, pelo interesse geral que possa ler, acrescento que, em
             1960, ao referir aquele livro e aulor a um casal inglêsamigo,quis
            o acaso 4ue fossem  parentes da ex-secretária do falecido autor
            e encarregada duma empresa que publicava os seus livros, tal a
            sua divulgação mundial.
               Por ter recebido a última obra das memórias de Lamb, para
             mim inédita (  ... Backward Thinking .. ), fiquei a saber que as bale!-
            eiras anti-fogo, na área operacional de navios petroleiros, tive-
             ram origem na preocupação obstinada e  na capacidade técn ica
            e coragem daquele autor que, durante a II Grande Guerra, che-
            fiava  a Marinc Technical Division da que é a actual Shell, onde
             acabou  por ser galardoado com a comenda O. B. E. (Order of
             the British Empire).
               Nesse livro ele conta que, no começo da guerra, a sua empre-
            sa -  um dos maiores armadores do mundo - dispunha de 208
             navios,  dos  quais  87  (689661  ton.)  foram  afundados  e  50
             (493 535ton.) seriamente danificados, fazendo perder a vida a
             1750 oficiais, marinheiros e artilheiros neles embarcados, além   o primeiro ensaio duma balteira à prova de fogo. descrllO neste a"'I>V'
             dos que ficaram permanentemente e, por vezes, horrivelmente
             estropiados. Como é sabido, os submarinos e a  aviação alemã   o que é suficiente para derreter uma chapa de aço fino (1/16"),
             viam  naqueles  navios  alvos  predilectos e  só  o  facto  de serem   mais facilmente do que queimar totalmente uma tábua de 112"
             mais robustamente construidos do que outros - com excepção   dc espessura -como, posteriormente, se provou.
             dos navios de guerra - permitiu que muitos tenham alcançado   Por experiência própria. posso garantir que, em  1966, num
             um  porto, pelos seus próprios meios ou a reboque, para serem   incêndio em Abadan (Irão) que envolveu o nosso navio-tanque
             reconstruidos e voltar ao mar.                     «Don do .. , verifiquei que as baleeiras de alumínio que não foram
               A principal dificuldade para as suas tripulações era, necessa-  arriadas e ficaram expostas ao fogo que se propagou pelas águas
             riamente, as eargas que tais navios transportavam -  muito in-  do rio, todas se derreteram ...
             flamáveis, tratando-se de produtos leves derivados do petróleo,   lamb e  scus  principais colaboradorcs  da  mesma empresa
             menos com produtos pesados da mesma origem , capazes porém   (Logan e  Robinson) conceberam e fizeram executar uma capu-
             de impedir a manobra do aparelho de arriar as  baleeiras.  Ao   chana em harmónio, de tecido misto de algodilO e amianto, arrc-
             derramamento dos produtos leves correspondia sempre um mar   fecida externamente por jactos de água; alteraram o tradicional
             de chamas a envolver o navio, e à dispersão dos produtos pesa-  aparelho de arriar embarcaçõcs de modo que os tripulantcs em-
             dos uma camada pastosa flutuante que eegava os náufragos ou   barcassem com a baleeira à borda e daí a fizessem descer; para
             os asfixiava pela cobertura da pele.               substituir os remos. em tais circunstâncias. instalaram um hélice
               Sucedia que as baleeiras dessa época tinham casco de madei-  propulsor, feito girar do interior da baleeira por sistema manual
             ra, por se ter considerado que os de aço tinham a conservação   (Fleming).
             comprometida pela corrosão.                           Assim conseguiram aparclhar uma baleeira de madeira, de
               Então, o  sector governamental  dos Transportes Marítmos   24 pés de comprimento, para proceder à primeira prova.
             ingleses convocou um grupo de trabalho para estudar uma bale-  A capuchana dividia-se em três secções que deslizavam so-
             eira não afundável e à prova dc fogo , para aquele tipo de navios.   bre calhas na borda e fechavam em concertina em 5 segundos.
               Mr. John Lamp foi  dcsignado prcsidente desse grupo, que   Empregaram  duas  bombas  manuais  para  irrigar  permanente-
             logo concluiu ser muito longo o perlodo necessário para dotar   mente a sua-face exterio r e, uma vez safa a baleeira da área in-
             todos os navios petroleiros com baleeiras de casco metálico, en-  cendiada, as secções da capuchana eram abatidas e armados rc-
             veredando pelo aproveitamento das baleeiras de madeira exis-  mos.
             tentes.                                               A provaexpcrimental foi feita num tanque. ondesc reprodu-
               Na opinião de Lamb, a madeira podia ser ainda mais indica-  ziu o incêndio pelo derramamento de gasolina, diesel oil e fuel.
             da para os cascos do que o aço, nestas circunstáncias, o que pare-  Lamb, com os dois referidos colaboradores, foram os tripulan-
             ce inacreditável. De acordo com a sua teoria, não acontecerá as-  tes voluntários da baleeira.
             sim  numa combustão estática,  normal, mas em tal  espécie de   De mangueiras aprestadas, os bombeiros ficaram a aguardar
             fogo, a madeira começa por ficar superficialmente carbonizada,   um apito de emergência dos tripulantes e, com todas as precau-
             e essa camada tende a isolar e proteger o que resta, enquanto   ções e ansiedade, a multidão assistente viu finalmente o fogo ex-
             que,  no aço, não havendo formação  de  camadas protectoras,   tinguir-se, por si, verificando que a temperatura tinha alcançado
             pode alcançar-se o estado de fusão, porque, em tais incêndios,   116O"C, enquanto  que  os termómetros  interiores da  baleeira
             podem observar-se temperaturas da ordem dos 115O"C, pela de-  (proa, meia-nau e popa) não ult rapassaram 46°.
             composição e combustão dos elementos constituintes da água,   Por insistência do Ministério dos Transportes, essa corajosa
                                                                 prova foi  repetida com o  realismo possível, a partir dum navio
                                                                 incendiado, com uma baleeira igualmente equipada, que nave-
                (') " Diário de No/fÔw.  (8 de Julho de85). (Vide _Revi$/a da Arma·   gou num marde chamas, percorrendo 1,5 milha em 27 mi nutos,
             da.  n. ~ l68fSe/. de85).                          com igual sucesso.

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