Page 14 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
79-Paspalhão pela proa
S factos que vou contar 10·
ram-me narrados por oficiais
O bastante antigos quando eu
era, ainda, segundo-tenente. Não
estou muito certo, mas creio bem
que eles ainda terão conhecido, pes-
soalmente, o protagonista. O que
dele contavam era escasso. Pouco
mais ia além da reprodução de bre-
ves frases que garantiam constar do
diário náutico de um velho navio, na
altura já abatido ao efectivo. Dedu-
zia-se que se deveria tratar de um jo-
vem oficial irreverente, dotado de
uma certa propensão para as musas.
Quase tudo se resumia à parte final
do registo que, no fim de cada quar-
to. o oficial lançava no diário de nave-
gação. Para os leigos, e para melhor
entendimento, esclareço Que os ofi-
ciais que, na ponte do comando dos
navios, prestam serviço, a navegar,
têm que escrever num livro apropria-
do, logo após a salda de quarto, tudo
o que respeita ao .. andamento e
rumo, vento, estado do tempo e
mar .. , para além doutros pormeno-
res - escrita que culmina por uma
assinatura responsável.
O oficial em questão é que jamais
assinava do mesmo modo. As condi-
ções prevalecentes de tempo, du-
rante o quarto, é que determinavam
o modo diverso de se identificar. E,
assim, por vezes, terminava o registo
escrevendo .. tempo vário - Mário»,
outras .. mar de vaga, sem mais - ~o c, I '\;;lo IS'
Gonzaga» e, ainda, .. mar banzeiro 8'/
- Gonzaga Aibeiro».
época, pela alta roda da sociedade prio, O.Afonso, como confessou en-
Assim se chamava, de facto: Má-
lisboeta, se queixou dele no tribúnal tão, fora um dos privilegiados ...
rio Gonzaga Aibeiro. Os registos do militar, para, usando as palavras do Mas, pelo que contavam os mes-
Arquivo Geral da Marinha, que con-
escritor, cobrir com a solenidade do mos camaradas, Gonzaga Ribeiro
sultei, por curiosidade, muitos anos
casamento um atentado grave feito à não se limitava às rimas fáceis do
depois, referem-se-Ihe muito breve- sua honra. Salvou-o, na emergência, .. Diário Náutico». De uma vez que o
mente. Não surpreende. É que teve o infante D. Afonso, irmão do rei comandante do navio, onde embar-
uma vida curta, pois faleceu em
O.Carlos, que, numa atitude nobre, cava, apareceu na ponte - e com o
1899, com apenas 28 anos de idade.
foi depor como testemunha no pro- qual, ao que parece, não se quadra-
Eduardo de Noronha, recorda-o cesso. AI, afirmou que a queixosa va bem - tomou nota cuidada da
algures(*), narrando, com graça, um nada deveria ter perdido, que vales- respectiva hora, o mesmo fazendo
caso de justiça, em que ele se viu en-
se, nos contactos que mantivera com quando ete se retirou pela escada de
volvido. Sucedeu que uma dama de O oficial de marinha, pois conhecera, bombordo.
nome Carlota, bem conhecida, na no passado, sucessivos amores a No fim do quarto, ao registar o
(0) ln .. ReInado FIorescsnte .. , José quem ela concedera as graças da serviço, escreveu: .. Às 13.50, paspa-
Romano Torres, Usboa s/do sua apetecida intimidade. Ele pró- lhão pela proa; às 14.35, o paspa-
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