Page 15 - Revista da Armada
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Ihão desfez-se pela alheta de bom- Ignoro se naquela altura já vigo- dor - decerto que o «paspalhão» se
bordo ... Referia-se, obviamente, à rava o preceito da Ordenança do teria convertido em .. aguaceiro gros-
chegada e retirada do comandante, meu tempo que exigia, por parte do SO» sobre a cabeça do Gonzaga Ri-
usando, dubiamente, o termo " pas- comandante, o exame e o visto diá- beiro, e a notrcia da .. refrega .. teria
palhão», no significado duplo de rios do livro do registo da navegação. seguramente chegado até nós ...
«palerma» e de .. nuvem pesada e Creio bem que não. Pois se vigoras- Sifva Braga,
baixa». se - e o comandante fosse cumpri- vlalm.
A guerra de 1762 e o conde de Lippe
m 1762 Portugal foi arrastado melhores vencimentos, procuravam em-
para um conflito, que de nenhum , barcar em navios estrangeiros, principal-
modo nos interessava, cm que se mente ingleses e franceses, apesar de es-
E digladiavam as principais nações tarem proibidos de o fazer pelo alvará de
da Europa e que ficou conhecido pelo 27 de Setembro de 1756, ficando sujeitos
nome de Guerra dos Sete Anos. No início à perda da nacionalidade e dos seus bens.
deste conflito o nosso país declarara a sua Foi apenas quando a entrada do nosso
neutralidade mas, em 15 de Agosto de país na guerra se tornou inevitável que o
1761, tendo sido celebrado o Pacto de Fa- marquês de Pombal se apressou a tomar
mília entre Espanha e a França que conti- as medidas que de há muito se impu-
nha uma disposição secreta pela qual a nham. Os soldos foram pagos, novos regi-
Espanha entraria em guerra contra a In- mentos foram criados e aumentados os
glaterra no dia I de Maiode 1762, e tendo efectivos das companhias em cada regi-
Portugal sido convidado a adcrir àquele mento. O nosso Exército ficou assim com
pacto, consequentemente entraria em o efectivo de 40 mil homens.
guerra contra o nosso velho aliado. O marquês de Pombal procurou
Em 15 de Março de 1762 os ministros também que o comando-em-chefe do
francês e espanhol em Lisboa entregaram Exército fosse entregue a um oficial gene-
notas diplomáticas ao nosso governo em ral com prestígio e capacidade para levar
que se exigia que Portugal entrasse na as nossas tropas ao sucesso. Convidou
aliança, devendo permitir que o exército para este cargo Wilhelm Schaumburg-
espanhol ocupasse os nossos portos, OcondedeLippe. -Lippe, parece que por indicação do rei
como precaução contra qualquer ataque dos ingleses. O.José Jorge III da Inglaterra. Filho do conde deste título, foi destinado
recusou aceder a este ultimato e pediu à Inglaterra que nos en- para a carreira das armas, servindo primeiro na Marinha real in-
viasse socorros com urgência. Mas o estado de preparação das glesa e depois no Exército, tendo tomado parte na campanha de
nossas forças armadas era muito deficiente. Os soldados, recru- Itãlia, sob as ordens do conde de Schulemburg, seu primo. Fora
tados entre os camponeses, não tinham uniformes nem arma- comandante da artilharia de Hanovcr, em 1757 e, dois anos de-
mento e durante muitos meses não recebiam o soldo. Em No- pois, de toda a artilharia dos exércitos aliados, na Alemanha.
vembro de 1761 o atraso no pagamento dos soldos era de dezoito Mais tarde herdou o título de conde reinante de Lippe.
meses('). Alguns estrangeiros que estiveram em Portugal nesta Quando Lippc chegou a Portugal tinha 36 anos. Muito culto.
época fazem referências desprimorosas às nossas forças armadas afável no trato, inflexível na disciplina , a sua vinda foi providen-
que, embora talvez exa~e radas, não deixam de revelar a nossa cial. A 3 de Julho de 1762, data da sua chegada, D.José nomeou-
fraca preparação militar. Segundo o inglês Costigan, os soldados o marechal-general do Exército português. Com Lippe vieram
andavam nuse pediam esmola pelas ruas, com um enorme rosá- para Portugal o príncipe de Mecklemburg-5trclitz e alguns ofi-
rio numa das mãos e um chapéu roto na outra. As armas, quan- ciais alemães de infantaria, uma força de carabineiros, um porta-
do as tinham, estavam enferrujadas('). Outro estrangeiro diz -estandarte, cinco oficiais inferiores e 33 praças. Além destes ale-
que cinquenta anos de paz tinham feito desaparecer os poucos mães, vieram para o nosso pais o coronel Hamilton, o major Hill.
militares portugueses formados du rante a guerra da Sucessão de o capitão Ferrier e o dr. Schmidt.Lippe fez-se ainda acompanhar
Espanha (1701-1713). As tropas, pouco numerosas, mal pagas, do seu «maitre-de-hotel», de criados de quarto. cozinheiro c es-'
mal vestidas, mal armadas e ainda pior disciplinadas, eram cons- cudeiros(').
tituídas pelo que da ralé da nação se podia apanhar. Os oficiais, Foram também contratados dois batalhões de tropas suíças.
oa maior parte criados dos generais, serviam-nos à mesa de uni- e os ingleses enviaram em nosso auxílio seis batalhões de infanta-
forme. As fortificações, a artilharia, os arsenais, os armazéns, ria, um dedragões eoitocompanhiasde artil haria.
a Marinha mesmo, tudo estava no estado mais deplorável('). A Mas o Exército espanhol, embora com o efectivo de 40 mil ho-
baixeza das nossas tropas chegou ao ponto de um grupo de sar- mens, não estava melhor preparado do que o nosso. Os espanhóis
gentos ter ido à embaixada da França, em Novembro de 1761, não tinham um plano de operações e enlraram cm Portugal sem
pedir esmola, e com eles estava um capirão('). Não era melhor cartas, guias e espiões. Eram comandados pelo marquês de Sá r-
a situação dos marinheiros quanto a pagamento e, para obterem ria, septuagenário, incapaz e com pouco vigor, que foi depois
substituído pelo conde de Aranda, mas este também não se reve-
lou melhor. Segundo lord Tirauley que foi o primeirocomandan-
te das tropas inglesas que vieram para Portugal. 10 mil homens
(') ,,0 Marquls de Pombal e CI SUCl Época,., por Jodo Lucio de
Auvedo. de boas tropas na nossa fronteira tanto podiam marchar com êxi-
(') «CtmlU de Portugal, 1778-1779,., por Arlhur William Co.!ligCln. to sobre Lisboa como sobre Madrid (").
(') «Coruspondance Secrt,ede Louis XV,., por M. E. BoU/aric. Os espanhóis começaram as operações contra o nosso país
(') Oficio do minis,ro francls O'Dunne, de 23 de Fevereiro de 1762, (') "O Conde de Lippe em Porl/lga/,., por Ernl'SlO AlIgwlO Perâra
in "QuCldro Elemen,ardllS Re/açóes Po/(ricllS e Diplomá/icllSde Porruga/ SCI//!!J.
com lU Divli!rsllS Po/lncillS do Mundo,., pelo vircondedeSanlarém. e) "O MClrqllês de Pomba/e a sua Época», ob. ci/.
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