Page 339 - Revista da Armada
P. 339
HIS7i 'RIAS DE MARINHEIRQSi 88'----.....
Percalço natural
uns exames médicos de cano
didatos à Escola Naval- já lá
Nvão muitos anos - apresen-
tou-se um rapaz oriundo da provín-
cia, lá bem do interior, com saúde de
ferro, imune, que fora sempre, ao as-
salto de mazelas. Bem conslitufdo,
criado nos ares puros da serra e com
farta mesa em casa de pais lavrado·
res, jamais tivera precisão de assis-
tência clínica, ao longo dos seus ver-
desanos.
Era, pois, aquela, a primeira vez
que ia ser examinado, dos pés à ca-
beça, na precaução elementar de sa-
ber-se se poderia aguentar a vida
rude do mar alto. Já no Hospital da
Marinha lhe fora extraído o sangue,
para múltiplas análises, e tirado ra-
diografias em diversas posições -
para ele experiência inédita, que se-
guira curioso. E, agora, desnudado
perante uma equipa médica, ia ser
submetido a um exame final, decer-
to decisivo para o seu futuro mari-
nheiro.
Após várias provas chegou, por
fim, a auscultação. E um dos médi-
cos, aplicando o estetoscópio sobre
o peito do candidato, intimou seca-
mente:
- Oiga33!..
O rapaz, ignorando o fundamen-
to da ordem, repetiu em voz baixa,
um tanto indeciso:
- 33 .. Falando de médicos talvez venha Findo o curso, já há muitos anos, ja-
- Mais alto!. .. - ordenou o clíni- a propósito recordar uma velha histó- mais, desde então, abrira um livro da
co, de novo imperativo. ria que se contava a bordo, no meu especialidade ou praticara em hospi-
- 33!!! - quase gritou o candi- tempo. Decerto que, ao contrário da tais. Lidando com guarnições dimi-
dato. que narrei anteriormente, que foi ve- nutas, em geral gente nova pouco
- Continue! ... - insistiu o mé- rídica, esta, embora pudesse ter fun- atreita a doenças, a experiênciaclini-
dico. damento no proceder ocasional de ca de que dispunha era bem escas-
E o moço, agora já mais familiari- um qualquer eventual personagem, sa. Demais, conhecia de há muito as
zado com o exame, clamou em voz creio bem que nunca poderia rema- manhas dos marujos daquele tempo,
sonora: tar no desenlace trágico que a cul- muita vez simulando mazelas, que
-341. .. 351. .. 361.. mina. não tinham, na tentativa de se livra-
Médicos e enfermeiros soltaram Mas, o melhoré contar. rem temporariamente das maçadas
uma gargalhada unissona, que Pois a bordo de um antigo navio do serviço. E foi assim que, com o
ecoou fortemente no gabinete. E o de guerra em longa comissão no Ul- correr dos anos, se fixou num recei-
candidato, na sua ignorância, ainda tramar, ainda no século passado, o tuário simples, que repetia por igual,
levou um certo tempo a compreen- médico da guarnição, com largos quaisquer que fossem as queixas
der a causa de tanta hilariedade .. anos de embarque, não era homem das praças na consulta. A um que,
• .. com a sua formação profissional. coxeando, se lamentava de um reu-
de estudo que se preocupasse muito
matismo teimoso a prender-lhe as
13