Page 336 - Revista da Armada
P. 336

Antologia do Mar



                                  e dos Marinheiros






            Benito Pérez Galdós





                                                               Pi!lo cap.-trag.  Crist61'iio Moreira
                  cnito PérczGaldós nasceu cm Las Palmas, na maior das
           B
                  ilhas Canárias, a  10 de Maio de 1843, c de lá saiu ainda
                  jovem para o continente; desembarcado cm Cádis, se-
                  guiu de diligência  para Madrid. que seria a sua cidade
           adoptiva. cujos ambientes populares deixou rCHalados cm suas
            páginas, c onde morreu a 4 de de Janeiro de [920, Tinha 77 anos,
           eslava cego. soltciro c sozinho. Próxima ficava a recordação des-
           se vel ho que passeava com crianças, que ele não via mas que o
            adoravam. Já o mesmo não pode dizer-se dos críticos seus con-
            temporâneos, que tardaram a recon hecer a Galdós o lugar que
            lhe perlencia nas letras espanholas, fruto de uma obra infatigá-
            vcl: vários foram os imos cm que publicou três ou quatro livros.
            Assim  juntou, ao longo da  sua  vida, 46  «episódios nacionais ..
            (série de novelas históricas cm que pôs o acento patriótico e um I
            selo pessoal. e que lhe deram grande popularidade), 31 roman-
            ces (a mais autêntica vocação de G .. ldós, manifestada nos perso-
            nagens cheios de vida com q ue povoou a Madrid do século deza-
            nove), e 21 obras teatrais (onde por vezes se manifesta a influên-
                                                            I
            cia  de  Ibsen,  mas  cm  que  acaba  predominando  a  técnica  do '
            romance que está na base dos seus sucessos).
              Personagem ma rcado por uma  introversão donde transbor- ,
            dava a melancolia, e por um sentimento republicano em que se,
            manifestava um  violento anticlericalismo, motivado talvez pela
            sua ascendência (onde havia um avô inquisidor, um tio que era '
            cura e  uma mãe muito  religiosa),  Benito  Pérez Galdós foi  um
            escritor profundamente cspanhol, apesar das influências quc rc-
            eebeu da Europa, c em particular da paixão que sentia por Bal- :
            zac: quando em 1867 foi a Pilris, e numa barraca à borda do$ena·
            comprou o «Eugénie Grandet .. , já não parou enquanto não leu
            todos os outros livros do francês cuja glória sonhava para si. Três
            anos depois publicava o seu primeiro romance (<<La  Fontana de'
            Oro .. ), que anunciava O autor de «Angel Guerra .. e de «Deshe-
            redada», o escritor que iria construir essa pintura insuperável de
            costumes que é «Fortunata y Jacinta .. , que iniciou mal regressa-
            do de uma viagem a Portugal, livro que Menéndezy Pelayocon-
            sidera  como  «um  dos  maiores  esforços do  engenho espanhol   (Foto do Só'TI'iço dó' Do<.."umó'lIIuçl;O tio ~ Diário 1ft' Noticias~)
            contemporâneo»: com o csplendor desse livro, don Benito con-
            firma-se, entre os restau radores do romanee espanhol. como o
            primeiro e o maior. o mais fecundo e de mais rica inventiva. ser-  Para a antologia da nossa Revista, cem busca de tema naval.
            vida por uma entrega total ao seu oficio: para Galdós, viver era   traduzimos dos «Los Episódios Naeionales» aquele que foi o pri-
            eserever.                                           meiro e será talvez o mais famoso:  «Trafalgar ...  Escrito num es-
              Ao absorvente amor ao trabalho, ao olhar céptico e ama rgo   tilo inovadoramente simples, é  um exemplo da História escrita
            lançado sobre a  vida,  ao sentimento  que lhe exaltava a  pena.   para toda a gente. Postil na boca de Gabriel Amceli (protagonis-
            junta  Galdós  a  espontaneidade  e  a  improvisação.  Começa   ta que Galdós criou, inspirado nas suas conversas eom um velho
            «Dona Perfecla» sem saber como desenvolver o assunto, e avan-  mari nheiro que encontrou certa vez cm Santander. e que tinha
            ça nela «aosempurrôcs». «Gloria», o romance que o lançou, foi   sido grumete na «Santísima Trinidad»). a grande batalha naval,
            obra de um entusiasmo de quinze dias: a primeira parte apare-  vista do outro lado de Nelson. do lado da derrota. do abatido
            ceu-lhe «escrita» na cabeça. um dia em que passava pela Puerta   orgulho espanhol. ganha uma expressâo de emocionante drama-
            deI Sol, entre a «cal1e ...  da Montera e o Café Universal. A amar·   tismo. sem que se percam os primores da observação e da gr<.ça.
            gura de «Misericórdia». dessas almas torturadas que  parecem   Dessa obra. que Galdós escreveu febrilmente em  dois me-
            trazidas da pintura «esperpentica» de Goya, nasce dos mendigos   ses,  pena é que nos obrigue o espaço aos limites de dois breves
            que pedem  esmola, em  vez  da  perdida esperança, à porta da   trechos: O primeiro. quando Gabriel descreve como embarcou,
            igreja madrilena de San Sebaslian.                 com religioso assombro. subjugado por navio de tanta grandeza.
               Nos romances de Galdós, em meio das desigualdades que a   no «Santísima Trinidad»: o  segundo. quando já não podia ser
            paixão por vezes acentua. sentimos a irresistível atracção das fi-  mais do que uma corajosa mas impotente testemunha da derrota ,
            guras quc o grande escritor espanhol foi arrancando à vida, e as-  e rendição.  Acabado estava o mito da Invencível Armada. que
            sim  para além dele ficaram.  locadas pelo sopro do seu talento.   nas páginas de Galdós encontram uma nova e trágica grandeza.

            10
   331   332   333   334   335   336   337   338   339   340   341