Page 414 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS/90
Encontro marcado
OS bons velhos tempos de ou-
trora, o cinema Central, em
NLisboa, situado nos Restaura-
dores, era muito frequentado pelos
aspirantes de Marinha. Nas noites de
estreia, alguns havia que eram es-
pectadores habituais. Entre estes
destacava-se um, de cabelos loiros,
bem besuntados de brilhantina, de
que as luzes eléctricas, suspensas
no alto, arrancavam reflexos doira-
dos. Ocupava sempre uma posição
central na primeira fila dos balcões a,
nos intervalos, ficava-se sentado,
sem sair, esquadrinhando à volta as
moças interessantes que lhe calam
dentrQ do raio de acção.
De entre todas, a sua atenção fi-
xou-se numa que, de vez em quan·
do, ocupava uma frisa na companhia
de umas senhoras de idade. Foi ela
que, sempre que aparecia, passou a
ser o único objecto do seu olhar inte-
ressado. Era um amor platónico,
sem quaisquer contactos pessoais.
No fim das sessões, ele seguia-a de
perto, na sarda, mas a presença das
velhotas jamais lhe consentira uma
aproximação. Também lhe ignorava
a morada, pois logo após o espectá-
culo seguia para a Escola Naval. no
cumprimento rígido do horário da en-
trada.
Um noite, acompanhou-o ao ci-
nema outro camarada. a quem, indi-
cando discretamente a moça. con-
fessou. confiado. a inclinação amo-
rosa que o consumia.
Era de facto uma rapariga encan-
tadora. loira, como ele. rasgavam-
-se-Ile na face assetinada uns iarg)s
olhos verdes, de uma terna luminosi- um encantamento mútuo que os lar-lhe e que, se ele quisesse. pode-
dade. que sobrancelhas finamente alheava de tudo e de todos que os riam ter oportunidade de se encon-
arqueadas não chegavam a ensom- envolviam. trarem pela primeira vez. Ela iria ao
brar. De porte elegante, apontavam- Dois dias antes de uma nova es- cinema, na próxima estreia, com
-se-lhe no peito dois seiozinhos túmi- treia, o aspirante loiro recebeu, na uma tia -a mais compreensiva-,
dos que, impacientes, pareciam em- Escola. uma carta de envelope desta vez para a plateia. para um
purrar para a frente o tecido de um oblongo, cor-de-rosa e ligeiramente contacto mais fácil. Deixaria marea-
vestido branco, a envolvê-Ia toda perfumado, como era de uso naque- da na bilheteira, e em nome dele.
numa graça ligeira. les tempos. Era dela. Principiava por uma cadeira junto a si. Bastaria ele
Nos dois intervalos daquela ses- explicar. num cursivo elegantemente levantá-Ia. Pedia-lhe, ainda, descul-
são, sem se desfitarem, aqueles pa- feminino. que soubera, por acaso, do pa de tanta ousadia. Mas que com-
res de olhos penetravam-se tanto de seu nome; que muito gostaria de ta- preendesse que a sua enorme sim-
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