Page 411 - Revista da Armada
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Os Marinheiros
e ali. Agricultura
uito se tem dito e escrito acerca da simpatia
dos marinheiros pelos animais e da amizade
M que dedicam a alguns deles. Embora sejam
os cães os privilegiados, embarcando como mascotes
em navios de guerra, muitos outros têm tido essa
honra também. Pessoalmente, já vi gatos, bodes. ca-
tatuas, macacos ... um pinguim e uma focal
Mas, os marinheiros têm outra predilecção que
ninguém revelou ainda - a agricultura, Reacção ins-
tintiva à vida que levam no mar? Talvez ... A verdade
é que, pedaço de terreno que caia sob a alçada de
qualquer marinheiro, nunca fica por cultivar.
Lembro-me, a propósito, de um caso bem elucida-
tivo. Era eu segundo-tenente aviador no Centro de
Aviação Naval de Lisboa. no Bom Sucesso. Uma das
minhas múltiplas obrigações, quandO estava de ofi-
cial de dia, era passar frequentes revistas às instala-
ções para verificar se tudo estava em ordem. Por isso,
conhecia-as como aos dedos das minhas mãos. Pelo
menos assim o julgava ...
Um día, gerou-se grande algazarra numa estreita
faixa de terreno que existia por detrás de um granda
hangar metálico cujas traseiras davam para o rio.
Tentava-se retirar da água o corpo de um afogado
que ia sendo levado pela vazante, o que só foi conse-
guido com auxilio de uma embarcação que acorreu ao
Plantas interiores espl'flitando pelas janelas ...
local.
Nunca ali tinha ido porque julgava ser um lugar E foi até à sombra dessas velhas palmeiras que fo-
absolutamente morto. E foi só então que verifiquei ram instalados uns grandes caixotes que tinham tra-
estar completamente enganado. O que lá vi encheu- zido, por mar, alguns aviões pequenos (os maiores
-me de espanto. Naquela nesga de terra, com cerca vieram pelo ar) e dentro deles óleos, sobressalentes,
de cinquenta metros de comprimento e três ou quatro ferramentas, etc., etc.
de largura, havia várias hortas impecavelmente tra- No fim da guerra, deixei os aviões e regressei aos
tadas e separadas por caniços ou pausinhos artistica- navios. A agricultura tomou-se impossível, como é
mente cruzados. Em cada uma delas existia uma cha- óbvio, mesmo porque ter plantas em vasos ou bidons,
pa metálica com o nome ou número de matricula do a bordo, era impossível porque o ar do mar as
proprietário. Havia de tudo: pepinos, pimentos, alfa- queimava, como aconteceu a uma tangerineira anã,
ces, cebolas, alhos ... Um regalo de verl carregada de frutos miniaturas, que tentei trazer de
A certa altura, em plena Segunda Grande Guerra, Macau para Lisboa e morreu ingloriamente no cami-
fui destacado para uma esquadrilha que operava no nho, antes de atingirmos o Mediterrâneo.
Aeroporto Intemacinoal da Portela de Sacavém. As Até que ... vim parar à «Nau de Pedral!, último navio
instalações eram todas de carácter provisório e situa- em que embarcam os que estão à beira da reforma,
vam-se numa antiga quinta com residência apalaça- antes de começarem a ser pagos pela Caixa Geral de
da, estando tudo em completo estado de abandono. Aposentações. Também aqui o fraquinho dos mari-
No meio do matagal que tinha invadído os terrenos nheiros pela agricultura se tem vindo a manifestar
desenhava-se ainda, embora mal, uma rua ladeada progressivamente. Antes do Arsenal passar para a
de palmeiras que fora certamente magnifico logra- margem sul do Tejo apenas existia a ((Palmeira do Ar-
douro. senal)), cuja história já foi contada nas páginas desta
Pois, apesar da azáfama diária, própria duma uni- Revista, além de uma ou outra planta de interior es-
dade operacional de aviação, a marujada - oficiais, preitando por dentro das janelas. A concentração de
sargentos e praças - arregaçou as mangas, cavou, oficinas, materiais de construção, docas, embarca-
podou, alisou ... deixando-a tal como era, se não ções, aprestos navais, etc., não deixava espaços onde
melhor! se pudesse plantar fosse o que fosse. Depois, liberto
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