Page 8 - Revista da Armada
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Antologia do Mar
e dos Marinheiros
Camilo Pessanha Pejo cap.-frag. Cristóllio Moreira
e Camilo Pcssanha escreveu José Régio que .. tinha
um sentido musical porventura incxcedido na nossa
poesia. Urna musicalidade que se revela no jogo dos
D sons - evoquemos essas breves maravilhas que são
'Chorai Arcadas' ou 'Ao Longe OS Barcos de Flores' - como
nas frequentes quebras do discurso, no vago e misterioso das
alusões, na riqueza das sugestões»,
Esse raro dom poélicode Pcssanha, a sua poesia-música, ex-
pressa-se ao longo do único livro de versos em sua vida publica-
do (<<Clepsidra», 1920), ao qual edição póstuma veio juntar ai·
gumas oulras poucas poesias. Mas a escassez quantitativa do seu
legado foi IOdavia bastanle para o situar como um dos grandes
líricos da nossa literatura, que com o simbolismo dos versos que
compôs veio a influenciar indiscutivelmente a geração do Or-
pheu, e a ter como discipulo nada menos que o génio de Pessoa.
Nascido a 7 de Setembro de 1867, em Coimbra, onde foi con-
discípulo de António Nobre e fez o curso dos Liceus e estudou
Direito. ali aconteceu aos 18 anos a primeira poesia que de Ca-
milo Pessanha se conhece (<<Lúbrica», 14-10-1885). Concluída a
formatura, parte em 1894 para Macau, a ocupar um lugar de
professor do liceu, e mais tarde também o de conservador do
Registo Civil. O resto da sua vida, que se extingue em 1 de Mar- Comilo Pessanha- Desenhode João Abel Manta.
ço de 1926, irá consumi-lo na pequena cidade do Extremo- pela bebida, despreocupado da glória literária, da deslumbrada
-Oriente: quatro viagens esporádicas à Metrópole serão em re- expectativa que começava a envolver uma figura que pela vida
gra para tratamento dos seus achaques. E foi só na última delas, sentia já o desapego:
em 1915, quando o seu nome começava a sair do anonimato em
queo deixara o desejo de na vida «deslizar sem ruído», que Pes- «6 morte, vem depressa,
sanha se deixou convencer, por João de Castro Osório, a reduzir acorda, vem depressa,
a escrito os versos que na memória guardava, e que assim se sal- acode-medepressa,
Wl1"8m para a posteridade; foram finalmente publicados em livro vem-me enxugar o suor,
cinco anos depois -altura em que vieram a lume os seus .. Esbo- que o est~rtor começa.
ço Critico da Civilização Chinesa... e .. Ensaio Sobre a Literatura E cumpnr a promessa.
Chinesa», editados em Macau nesse mesmo ano de 1920. Já o sonho começa ..
Quando da sua última visita à Metrópole, Camilo Pessanha Tudo vermelho em flor.»
fez oferla, ao museu das Janelas Verdes, de cem peças da sua
colecção de arte chinesa (mais tarde transferidas para o Museu Do livro único do Poeta, para a nossa antologia extraímos
Machado de Castro), recebidas pelo Estado com uma indiferen- amostra ligeira: escolha limitada pelo critério das sugestões do
ça que amargurou o Poeta, e contribuiu para antecipar o fim da lema, do mar, das naus, dos mareantes, em símbolos aflorados.
sua licença, que gastou cm Lisboa, contra o seu costume de per- Em todo o caso, são pontos representativos de uma obra singu-
manecer em casas de famil iares do norte, em Braga, Leça, ou lar: do génio que em Macau viveu ignorado, com a alma flutuan-
no lugar transmontano de Marmelos. Na capital, refere João do por entre a névoa de suas desistências e os fumos do ópio que
Gaspar Simões como o Poeta passou esses meses em constante esse mesmo génio não puderam apagar, sobreviveu para além
inquietação, pelos cafés do Cais do Sodré e pelo Martinho do dos destroços finais do seu corpo, da vontade de sua alma, de
Rossio: privado do ópio. da «divina droga». tentava substituí-la estar debaixoda lerra, "sem lhe doer nada».
De «CLEPSIDRA"
SAN GABRIEL Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos rilmos que as ondas embalaram)
I Queeilada que os ventos nos armaram!
A quefoi que tão longe nos trouxeram?
Inútil! Calmaria. Já colheram
As velas. As bandeiras sossegaram, San Gabriel, arcanjo tutelar.
Qlle tão altas nos topes tremularam, Vem outra vez abençoaromar,
- Gaivotasque a voar desfaleceram. Vem-nos guiar sobre a planteie azul.
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