Page 12 - Revista da Armada
P. 12
As escalas
dos instrumentos náuticos (I)
Q uando o piloto de um navio, usando um mo-
dema sextante, faz coincidir o limbo inferior
do Sol com o horizonte e lê a altura do astro- .
-rei, não realiza como foi difieil chegar a um instru-
mento tão rigoroso e de tão fácil manejo. É por esta
razão que gostaríamos de apresentar ao leitor o artis-
ta, pOis era assim que se designavam os artffices,
Agostinho de Gces Raposo, de que conhecemos pou-
co da sua vida mas que fabricou durante o segundo
quartel do sêculo xvn os últimos astrolábios náuticos
que chegaram até aos nossos dias.
Sabemos que Agostinho recebeu carta de mestre
em 31 de Agosto de 1630, tendo sido examinado por
Valentim de Sá. que então exercia as funções de cos-
mógrafo-mor, e pelos mestres João Dias e Pero de Le-
mos. Aquele artista ficou assim aprovado para fazer
relógios, agulhas de marear e astrolábios, só se co-
nhecendo por ele assinados alguns exemplares deste
último instrumento, entre eles o astrolábio náutico
Sacramento B que foi encontrado na Baía, Brasil, nos
restos do galeão do mesmo nome e que se encontra
no Museu de Marinha, por ter sido oferecido pela Ma-
rinha do Brasil.
Apesar de liA Arte de Navegar)) composta por Si-
mão de Oliveira e publicada em Lisboa em 1606, indi- Colocado o anel de suspensão com dois lIengon-
car a forma de fabricar alguns instrumentos náuticos, ços», era depois montada a medeclina, dispondo de
entre eles os astrolábios, o conhecimento dos artistas pínulas igualmente distanciadas do centro, tendo ori-
daquele tempo era normalmente transmitido de pais tidos com o diâmetro adequadO para a observação do
para filhos, de mestre para aprendiz. Solou das estrelas.
Assim, para se fazer um astrolábio, Agostinho co- Pronto o astrolábio, haveria que fazer um certo nú-
meçava por fazer um molde de madeira, com cerca de mero de verificações para se saber se o instrumento
170mm de diãmetro(') e de faces paralelas, como en- estava correctamente graduado. Para o efeito Agosti-
tão se usava, fundia o astrolábio em latão, torneando- nho suspendia o astrolábio pelo anel, usando uma li-
-o em seguida de maneira a que ficasse o mais perfei- nha delgada cujo prolongamento deveria passar pelo
to que lhe era possível. centro do instrumento.
As divisões dos graus deviam ser também todas
Fundida a medeclina, torneado o eixo e feita a
grande porca de orelhas que, na face oposta, compen- iguais o que era verificado com o compasso de pon-
sava o peso da medeclina, o astrolábio estava pronto tas. A linha que passava pelos orifícios das pínulas
para lhe ser gravada a escala, que era sem dúvida o quando aqueles apontavam os 90°, teria de ser para-
trabalho mais delicado a realizar para que o instru- lela à linha de confiança, isto é, ao diâmetro horizon-
mento medisse os ãngulos correctamente. Para o tal onde acaba a escala de 0-90°, dado que os astrolá-
bios portugueses estavam preparados para a leitura
efeito Goes Raposo traçava numa folha de papel uma
circunferência com o mesmo diâmetro do astrolábio de distâncias zenitais_ De facto , deste modo, era me-
e dividia-a em quatro quadrantes. Desenhava depois nos uma operação que se tinha de fazer quando se
dois circulas concêntricos, de menor largura, que ser- calculava a latitude (qI ) usando a distância zenital (z)
viam para, alternadamente, gravar os graus de 5 em da meridiana do Sol e não a altura (a) de que é com-
5ede 10em 10. . plemento, como se pOde ver para o caso do observa-
Em seguida dividia cada quadrante em 3 partes, dor e o Sol estarem no hemisfério Norte e a sombra
a dizer para Norte:
cada uma destas noutras 3, e estas ao meio, e já são
18 que divididas por 5 davam os 90 graus desejados. Ip = ô + (90-a)
Depois transferia o desenho para o astrolábio de la- = ô+z
tão, usando um compasso de pontas de aço.
Estes cuidados tinham que ser rigorosamente to-
mados em consideração porque o l/Regimento do
Cosmógrafo-Mar», publicado em 1592 exigia a perfei-
(') o diiJm etro dos astrolábios náuticos que no séc. XVI era su-
perior a 200 mm fixou·se no séc. XVII entre J 60 mm e 180mm. ção dos instrumentos náuticos e impunha que estes
10