Page 123 - Revista da Armada
P. 123

desde  o  Beato a  Belém.  Os navios  que o  demandavam
        fundeavam ao largo, a carga e a descarga a fazer-se pelas
        tão simpáticas faluas e  fragatas, que em certas marés pa-
        reciam bandos de gaivotas na exibição de rasteiros voos.
           Tardia e pachorrenta foi, sem dúvida, a modernização
        deste porlo. Arrastando-se com ela veio, todavia-preço
        assaz pesado-o seu entaipamento. Sobre a margem nor-
        te do rio desceu pesada cortina, que o escondeu dos olhos
        ua cidade.  Ficaram, felizmente, alguns miradouros - de
        Montes Claros, do Jardim Botànico, do Castelo, de S.  Pe-
        dro de Alcântara, das Portas do Sol, da Graça, de Santa
        Justa, quase em cada relevo, encosta íngreme, com exten-
        são de vista por sobre os tectos do casario, aí se preserva-
        ram espaços abertos, para diversos miradouros. Voltam-
        -se uns panl os transbordos nane da cidade, onde erupçõe~
        dos novos caixotes de muitos andares sobressaem do bri-
        que patinado dos telhados; mas é vista parada, cliché de
        pose permanente, demasiado estática. Para sul , pelo con-
        trário, é o rio,  mais a jeito de grande lago, com pano de
        fundo distante, nos tons cinzentos da Arrábida e de  Pal-
        mei .. , ganhando em  definição e colorido nas terras mais
        próximas da Outra Banda , em crescente de  lua  nova  do
        Montijo  até  Cacilhas.  No  meio,  O  estuário,  O  Mar  da
        Palha , navios  fundeados,  navios que navegam,  osferrys
        de vaivém, vida incessante, vida que anima a vista.
           Mas, tirante os miradouros (e as janelas ou varandas
        de prédios mais sobranceiros, mas particulares) donde vé
        o transeunte lisboeta essa panorâmica maravilhosa que o
        espaço rasgado do rio lhe pode oferecer? Das poucas cen-
        tenas de metros que correspondem ao Terreiro do  Paço
        e parte do jovem corredor da Ribeira das Naus (quase ex-
        clusivo  de  veículos) só lá  para  Belém se abrem de novo
        horizontes mais extensos, aqui, porém , amuralhados pe-
        las  arribas da margem sul, onde o  rio estreita.  De resto,
        quer  a  montante  quer  a  jusante,  a  paisagem  ribeirinha
        confina-se  a  armazéns,  estaleiros,  docas,  velhos  barra-
        cões, velhas fábricas , lotas, estações marítimas, tudo ali-
        nhado,  tudo  em  fileira  cerrada,  como  taipal  onde  nem
        uma fresta deixa ocidadãoespreitar.
           Que pena! É certo que já não se pode usufruir o espec-
        táculo  de golfinhos em  sahos acrobáticos  rio  acima, de
        fraga tas e faluas disputando regatas de carregas, mas, ain-  tada de História, e fazer um  pouco de melhor justiça, por
        da assim,  como é  desempoeirado, aberto,  livre e  fresco   que não implantar ali, sobressaindo da relva, plataforma
        esse Tejo alfacinha! Como se  vê que o  procuram e dele   de quatro ou cinco degraus, onde se erguesse aquele mo-
        querem registar recordações, turistas que se detêm pelos
                                                            numento tão modestamente recolhido por detrás do gra-
        lanços de murete ao Terreiro do Paço e Cais das Colunas!   deamento do antigo Centro de Aviação Naval de Lisboa,
           Pois bem, parece de propósito (conquanto se nos afi-  no Bom Sucesso?
        gure aqui  tão forte  a dúvida como a esperança), parece
                                                               Que remate melhor para essa janela sobre o rio, e para
        de propósito aquele aterro acabado de fazer aqui mesmo,   recordar ao mundo que nos visita dois ilustres e heróicos
        frente  ao  Edifício  da  Marinha.  De  propósito  a  quanto   oficiais da nossa Armada, Gago Coutinho e Sacadura Ca-
        aqui se deixou abordado, e a mais do que isso. O tal ater-  bral? Não seria o  lugar para o monumento, mas poderia
        ro, se destinado a parque de estacionamento, não vem re-  ser o monumento a completar o lugar.
        solver grande coisa: é pingo de chuva num charco. Se des-
        tinado a cais de paquetes com  turistas, é curto, tanlO em
        área como em  fundos.  Agora, o que  ali  ficava a primor
        era uma  janela para o  rio:  um  pavilhão de frente aberta
        para o Tejo, onde houvesse balcão para café e refrescos,
        para uma refeição ligeira, talvez até mesas para almoço,
        pequenas lojas vendendo artesanato, vinho do Porto, mas
        sobretudo oferecendo grátis extensa galeria aberta donde
        se pudesse admirar, em conforto, o fluir tranquilizante da                             SOllsa Machado,
        vida  do  estuário.  Em  volta, e  nos acessos, relva, algum                                  cap."m."g.
        buxo, umas flores, e já agora, por que não juntar uma pi-  ••••••••••••••••••••••••••••••

                                                                                                           13
   118   119   120   121   122   123   124   125   126   127   128