Page 162 - Revista da Armada
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Um inquérito célebre
om a decadência provocada peta independência do anos na Escola Politécnica e só depois disso iniciavam o curso
Brasil, onde ficou a sua maior parle. a Marinha portu- da Escola Naval.
guesa possuía, cm meados do século XIX, reduzido Todavia, a solução adoptada não agradou a muitos oficiais
C número de navios, todos obsoletos, que urgia substi- de Marinha que preferiam um ensino mais prático e a controvér-
tuir por outros modernos. Era o período cm que os navios de sia continuou durante muito tempo. São muito curiosos os de-
madeira cediam lugar aos de casco de ferro com máquinas a poimentos dos oficiais ouvidos pela comissão de inquérito. so-
vapor. bre esta questão. Transcrevemos do rclat6rioe) publicado pela
Foi nestas circunstâncias que, cm 1853. foi proposto um in- comissão, esses depoimentos. O primeiro oficial a ser ouvido foi
quérito parlamentar às Repartições de Marinha. A comissão de o barão de Lazarim. vice·almirante c major-general da Armada:
inquérito foi eleita pelo Parlamento em Abril do ano seguinte.
Constituíam-na sele deputados, dois dos quais oficiais da Arma- Sr. Ávila - Passemos ao segllinte quesito: Se slio suficiellfes
da: Augusto Sebastião de Castro Guedes c Joaquim Pedro Cc- as acmais habilitações teóricas e práticas dos oficiais da Armutla
lestino Soares. O primeiro era licenciado em Matemática. excr- e seoseu suviçosatisfaz.
ceu mais tarde as funções de dircclOrda Escola Naval e foi agra- O Sr. Barão de Lazar;", - Eu entendo qlle o nosso sislema
ciadocom o titulo de visconde de Castro Gucdcs, tcndo sido rc- de ensino dos Aspirames de Marillha é IIwito defeiwoso e que se
formado no posto de vice·almirante. O último era contra-almi- o lião alterarmos dentro em muito pOI/CO tempo potleremos ter
rante c um conhecido escritor naval. exercendo na época do in- bOlls matemálicos e bOlls filósofos, do que dlwido mIlito, mas
quérito as funções de director da Escola Naval. Grande patriota, muito pouco hábeis oficiais de Marillha. Digo qlle poderemos ter
verbcrava nos seus escritos o estado lastimoso da Armada. O bons matemáticos e bOlls filósofos, do '1111' duvido muito, porque
presidente da comissão de inquérito era António José de Ávila acho que é muilO difícil que um jovem de catorze alias possa lia
que foi várias vezes ministro e presidente do Conselho. Natural espaço tle dois allos I'ellcer os estudos de Matemálica, Física,
da Horta, foi mais tarde agraciado com o título de duque de Á vi· Qllímica, História Natural, Botânica. Desenho, etc. O resulUldo
la e Bolama. O relator. Augusto Xavier Palmeirim. era oficial provável é que a maior parte (Ieles /)OIlCO ou /1(1(111 fica sabelldo
do Exército. tendÇl atingido o posto de general-de·divisão. Foi deslas matérias, principalmente de Matemática. Demais, os Aspi·
várias vezes deputado e par do reino. O secretário da comissão rantes (Ie Marillha quando chegam a completar os cursos já têm
era o já referido Augusto Sebastüio dc Castro Guedes. mui/a idade, são raros aqueles a qlle isto lião acomece, são só os
Alguns dos mais distintos oficiais da Armada daquela época que são dotados (Ie sllperior inteligência. Para completarem os es,
fizeram os $Cus depoimentos no inquérito e analisaram a situa- wdos da Escofa Politéc"ica têm os Aspirames qllOtrO aliaS, a
ção dos diferentes organismos da Armada: Escola Naval, Corpo maior parte deles "ão os comple/am em mellos de cillCO allOS ou
de Marinheiros, Cordoaria, Hospital da Marinha, etc. seis lIIlOS, de maneiru que quando vão para o mar estão em uma
Um dos assuntos mais contrOversos era o da selecção e ins- idade em que é milito difícil o acostwnarem·se àqllela vida. às
truçãodo pessoal, principalmente de oficiais. Em 1825. reabrira SI/as privaçôes, aos trabalhos, em Sllma, a abraçarem a vida mari-
em Lisboa a Companhia de Guardas-Marinhas. nas suas antigas timo com interesse e gosto, sem o que /lllI/ca hão-de vir a ser bons
instalações da Sala do Risco. Os alunos frequentavam ali as ca- oficiais de Marinha ( .. .).
deiras de formação militar c as de Matemática na Academia Por issso a milll/O opilliiio é qlle os estudos deviam ser reduzi·
Real de Marinha. instalada no antigo edificio do Colégio dos dos a dois 0// três anos, ser/do obrigados os Guardas·Marillhas.
Nobres. Mas. cm 1837, foi extinta aquela Academia c criada a depois de três aI/Os de embarque, a 11m exame prático a bordo ele
Escola Politécnica e os alunos da Companhia passaram a fre· 11111 navio perante lima comissão de oficiais sllperiores de Mari-
quentar esta escola. Passavam assim parte do dia fora da vigilân· Ilha, fazelldo as mallobras que se indicarem, respol/del/do com
cia dos seus oficiais, o que estes consideravam inconveniente acerto às pergumas que se fizessem sobre oserviço a bordo; e ~'efl'
para a disciplina. Além disso, as cadeiras de Matemática. embo- do-se (/ue estavam capazes de comandar 11m quarto li vela e de
ra permitissem 141110 instrução /rallscendeme e sllperablllldame, exercer as [I/IIções de SegUI/dos· Tellellles. poderem emão ficar
na opinião do comandante Gucrmack P.>ssolo que dirigiu a habilitados para saírem Segundos-tellentes.
Companhia de 1841 a 1843, era (Ieficiente para a profissão a que O Sr. A vila: - Uma das dificuldades que V. Exa. acha fiO mé-
se destinllva('). Este oficial propôs, por isso, li criação de uma todo acwal de ellsillO é saírem os alullOS dos estlldos em idade já
escola na Sala do Risco c salas anexas. onde funcionara an terior- 11m pOI/CO avançada. Até qlle idade julga elltão V. Exa. que deve·
mente a Academia dos Guardas-Marinhas. A Politécnica foi ou- riam entrar para oserviço'!
vida sobrc esta proposta e não concordou que fosse prejudicial O Sr. Barão de Lazarim: - Acho que a maior idade para e/l-
para a disciplina c frequência das suas aulas e considerou, por trar 110 serviço deveria ser a de catorz~ allos; começariam os estll-
outro lado. as matérias que lecdonava indispensáveis para a for- dos lI~ssa idade. AdiO que seria cOllveniente fazer também como
mação dum oficial da Armada. Em 1842 foi nomeada uma co- era algl/m dia. Algl/m dia os jovens qlle se destinavam a oficiais
missão para estudar este assunto que propôs que o curso de Ma· de Marillha eram mandados embarcar fiO primeiro alio da sI/a
temática fosse reduzido C independente dos da Escola Politécni· admissão, para se cOIII,ecer se tinham robllstez e aptidâo lIecessá·
ca. O ministro da Marin ha de então não homologou este parecer rias.
e nomeou uma nova comissão. composta desta vez por oficiais O Sr. Ávila: - E mesmo gosto para a vida do mar.
de Marinha e lentes da Politécnica e do seu parecer resultou a O Sr. Barão de Lazarim: -Sllcei/e mIlitas vezes qlle por mais
criação da Escola Naval, em 1845. Os aspirantes de Marinha gosto que tenham nâo possuem a/gil/Is a CO/Is/illlição própria,
passaram a frequentar como alunos ordinários os dois primeiros porqlu elljoam sempre, etc. A millha opinião seria qlle aos cator-
(') V. documl'ntaçiJo da Academia dos Glmrdas·Marül!rus (oficio
de 20dt 'u/hode 1841), lIoArqui~o Gtral da Marinha.
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