Page 308 - Revista da Armada
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Conversa entre Marinheiros ...
o "Timabel Dias~, com o navegador solilário Azevedo Mendes, sobe o Tejo acompanhado por uma unidade da Marinha de Guerra e uma
lancha da Po/{cia Marrtima, concluindo a viagem do cabo da Boa Esperança a Lisboa.
noticia chegou à nossa Redacção pela voz amiga
do capitão-de-mar-e-guerra Leiria Pinto. Ferre-
A nho radioamador que é, tinha entrado em contac-
to com o veleiro .. Timabel Dias», tripulado por um nave-
gador solitário português que, para comemorar o desco-
brimento do cabo da Boa Esperança, efectuava a viagem
de regresso de Bartolomeu Dias, de Mossei Bay para
Lisboa.
Claro que a «Revista da Armada», sempre atenta às
coisas do mar, não podia ficar indiferente ao aconteci-
mento e pediu-lhe que nos proporcionasse uma conver-
sa com esse destemido compatriota.
E foi assim que, no dia 27 do passado mês de Maio,
se sentaram à volta de uma mesa os contra-almirantes
Malheiro do Vale e Rocha Calhorda, da Revista, o co- Conversa entre marinhe/ros ... Da esquerda para a direita, o c/a/m. Ro-
cha Calhorda, o navegador solitário Azevedo Mendes, o c/a/m. Malhei-
mandante Leiria Pinto, a funcionar como oficial de liga- rodo Valeeocomle. Leiria Pinto(/olo .. RA,,-JÚlio T/lo).
ção, e ... Manuel Maria Azevedo Mendes, 29 anos de ida-
de, natural da cidade de Luanda, Angola. Curioso, que ele não tem qualquer qualificação oficial
Ar sadio, tez morena e barba arruivada, os seus olhos das que são atribuídas aos homens do mar. O que sabe
escuros têm um leve tom de azul, talvez de tanto olharem aprendeu-o por si, estudando em livros de navegação e
o mar. Simples, comedido, exprimindo-se com muita fa- esclarecendo dúvidas com quem lhas podia tirar.
cilidade, nota-se nele qualquer coisa que faz lembrar os Desde muito novo teve inclinação para o mar. E, a
nossos antigos navegadores. A mim, pelas imagens que baía de Luanda, segundo ele, e nós, um verdadeiro pa-
guardo na memória de velhas gravuras de antanho, tive raíso, deve ser dos melhores locais do mundo para se
a impressão de que estava ali uma versão actualizada de aprender a gostar dele.
Gil Eanes, Diogo Cão ou até do próprio Bartolomeu Dias, Por isso, não é de admirar que ainda menino, 7/8
que, segundo disse, é o seu ídolo bem como da grande anos, tenha improvisado um barco à vela - um colchão
comunidade lusfada que vive na África do Sul. de praia, de borracha, um pau a fazer de mastro, com um
E todos lhe fizemos perguntas, a que respondia com lençol «roubado" em casa a fazer de vela, umas tábuas
a simplicidade e modéstia de quem mais não fez que co- a servir de patilhão ... Tal como nós, os que brincávamos
memorar, à sua maneira, o feito do navegador que abriu em terra, faziamos de uma meia velha, cheia de trapos,
as portas para Vasco da Gama chegar à índia. uma bola para jogar o futebol. Assim se têm feito grandes
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