Page 309 - Revista da Armada
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marinheiros, que é o seu caso,  e grandes jogadores da   de calcular a posição, partir para o porto que lhe desse
         bola, casos de Pelé, Eusébio, Matateu, etc.         ma/sjeito.
            Foi então, diz ele, que foi mordido pelo bicho do mar   Entretanto, casou com uma senhora de nacionalida-
         que o marcou para toda a vida, traçando o seu destino.   de holandesa, que por sorte também gosta do mar e de
            Aos 16 anos veio trabalhar com barcos de recreio em   navegar, tendo o casal um filho, actualmenle com 2 anos
         Vilamoura e dali seguiu para a Grécia, onde velejou mui-  deidade.
         to, transportando embarcações de recreio de todos os ti-
                                                                Com  29  anos, e decorrendo  as  comemorações do
         pos, de uns portos para outros, por conta dos proprietá-  500.° aniversário da viagem de Bartolomeu Dias, enten-
         rios que pagavam generosamente os seus serviços, per-  deu ser altura de navegar até Portugal. Era a sua contri-
         mitindo-lhe viver com um certo desafogo.
                                                             buição  nessas  comemorações.  Nada  havendo  contra
            Aprendeu assim a navegar junto a terra mas, queria   essa iniciativa, nem sequer por parte da famma, aí vem
         mais, queria navegar ao largo. E então, comprou um sex-  ele,  mar fora, sozinho, num barco de série, de  26  pés.
         tante e aprendeu a utilizá-lo para determinar o ponto do   Construído em fibra de vidro, duplo casco, com os entre-
  "      navio. A princípio fazia-lhe muita confusão trabalhar com   cascos cheios de polietileno, o barco não se afunda. Tem
         tábuas náuticas, logaritmos, tirar alturas do Sol e das es-  um motor auxiliar, essencialmente destinado a carregar
         treias. Mas a sua força de vontade venceu todas as difi-  baterias, com  hélice que  lhe permite  navegar a 3 nós,
         culdades e acabou por saber. Aprendeu também a co-  para manobras nos portos.  Nesta viagem,  porém,  ape-
         lher as indicações que o mar dá a quem o sabe observar   nas o utilizou para as baterias.  Tem um leme de vento,
         - os ventos, as correntes,  o tempo,  as vagas ...  enfim,   com comando eléctrico automático e um conjunto de pai-
         a melhor forma de navegar de acordo com as circunstân-  néis solares para as baterias, tudo desenhado e cons-
         cias de momento.                                    trurdo por si.
            Tinha 17 anos quando fez a que considera a sua pri-  Saiu de Mossei Bay em 3 de Fevereiro, com manti-
         meira viagem como navegador solitário, de Atenas, na   mentos liofilizados, água e mais o necessário para fazer
         Grécia, para Génova, em Itália.                     a viagem directa,  mas,  devido ao temporal, leve de re-
            Verificando  que  no  Inverno,  muitos  pr.oprietários   gressar ao ponto de partida e aguardar melhoria de lem-
         transferiam os seus iates para as Antilhas, o que lhe rou-  po, largando dias depois.
         bava a freguesia, aproveitou a maré e levou ele próprio,   Fazendo escala na cidade do Cabo, saiu para Walvis
         sozinho, um deles, fazendo assim a sua primeira traves-  Bay no dia 28. Na primeira noite encontrou muita nave-
         sia do Atlântico, com uma única escala nas ilhas Caná-  gação tendo de usar todas as luzes para assinalar a posi-
         rias.
                                                             ção.  Por isso, gastou as baterias, tendo de permanecer
            O barco era de 22 pés e estava equipado com agulha   ali 3dias para as carregar.
         magnética, rádio e radiogoniómetro. Levava ainda o seu   Novamente a caminho, apanhou uma violenta tem-
         sextante e um relógio de quartzo, como cronómetro.
                                                             pestade, tendo ido ao mar, entre outras coisas, um bidão
            A viagem decorreu sem  novidade, aportando são e   de água doce que lhe faria muita falta. Decidiu, por i~so,
         salvo à ilha de  Antigua,  nas  Antilhas Pequenas, onde   arribar à ilha de Santa  Helena, na qual  permaneceu  2
         continuou a ganhar a vida fazendo chartercom embarca-
                                                             dias.
         ções.
                                                                Com ventos favoráveis, largou dali navegando a pas-
             Veio  algumas vezes ao  Mediterrâneo de  avião, em
                                                             sar ao largo da ilha de Ascensâo, e a atravessar o Equa-
          curtas estadias, regressando às Antilhas. Tinha 23 anos   dor cerca de 150 milhas a leste dos rochedos de S. Pedro
          deidade.
                                                             e S. Paulo, afim de evitar a zona de calmarias.
            Porém, a navegação de pequenos percursos que ali
         praticava nâo o satisfazia. As grandes viagens e o mar   Recorda que, ao atingir esta posição, se lembrou que
                                                             55 anos atrás ali amarou, e se perdeu, o hidroavião «Lu-
         largo chamavam  por ele. E assim, depois de subir o rio
         Amazonas, desceu para S. Salvador da Baía e dali lar-  sitânia», no qual Sacadura Cabral e Gago Coutinho fa-
                                                             ziam  a primeira travessia aérea do Atlântico  Sul, entre
         gou  em  direcção  ao  Cabo, sua segunda  travessia  do
         Atlântico, sempre como navegador solitário.         Lisboa e o Rio de Janeiro.
            Nesta viagem, certa noite, abalroou com um objecto   Navegou então para Norte, na intenção de dar o devi-
         flutuante, que não identificou mas supõe ter sido um con-  do resguardo à zona de anticiclones dos Açores, passan-
  ...    tentor, que produziu importantes avarias no barco, inun-  do 600 milhas a oeste de Cabo Verde e atingindo os 37"
         dando-se o porão. Durante cerca de 22 dias teve que dar   de  longitude, para apanhar ventos  favoráveis, embora
                                                             sabendo que iria encontrar correntes contrárias.
         à bomba manual para esgotar a água. Para saber, quan-
         do estava a dormir, a altura em que devia actuar, utilizou   Mas, a ânsia de alcançar a costa portuguesa o mais
         um processo muito curioso. Deixava um braço pendente   depressa  possível  levou-o  a não  cumprir  o que  havia
         e quando a água molhava a mão acordava e ia para a   planeado e a guinar para leste demasiadamente cedo.
         bomba!                                              Esta decisão custou-lhe caro,  pois apanhou muito mau
            A experiência adquirida servia-lhe agora para vencer   tempo, o que não sucederia se  tem  andado mais para
         melhor as dificuldades que iam surgindo, chegando mais   Norte.
         uma vez a porto de salvamento, neste caso à cidade do   Chegou a Lisboa no dia 22 de Maio, depois de percor-
         Cabo. Aqui continuou a navegar muito, tornando-se co-  rer 7800 milhas em 78 dias de navegação, sozinho, entre
         nhecedor dos mares adjacentes. A  sua prática era já sufi-  o céu e o mar, naquele seu pequeno mas magnífico bar-
         ciente, diz ele, para que se o largassem de olhos venda-  quinho. Os momentos mais felizes eram aqueles em que
         dos em qualquer ponto do mar, tirar a venda e,  depois   estabeleceu contacto, todos os dias às 06.30 horas, com

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