Page 350 - Revista da Armada
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VI quiseram obsequiar, oficiais e marinheiros, e onde o
nosso homem prometeu solenemente que ia acabar com
Para isto tudo tfnhamos dois marinheiros de mano- o bicho, o dito cujo jacaré. Decorreram quase quinze
bra, a que podemos chamar os marinheiros A e B para dias em que inventou anzóis, cada vez mais grossos,
continuar a manter o anonimato. O manobra A era donde galinhas mortas, coelhos e até macacos foram
encarregado dos acampamentos, do pessoal adstrito e limpos de noite, com a maior desfaçatez, pelo possante
também do pessoal que durante a triangulação princi- jacaré que ainda por cima deixava lisos como fusos os
pal manteve acesos, durante toda a noite, os 14 mar- enormes anzóis dobrados na forja pelo nosso caçador.
cos geodésicos ao longo de 220 quilómetros. Se Finalmente, engendrou um processo complicadfssimo
pensarmos que para estes 14 marcos foram necessá- para caçar o Jacaré. No meio dum laço de cabo forte
rios 42 homens, comida para 15 dias para uma equipa colocou um bocado de carne podre prendendo o chicote
de três, 24 .. pelromax- e latas de petróleo em quanti- do cabo à extremidade duma vara que se levantaria se
dade suficiente, podemos aquilatar da responsabilidade o animal tocasse numa trave e disparasse o sistema.
das suas funções. Isto sem falar que passados os 15 Rimos a bom rir desta armadilha complicadlssima que,
dias da salda de cada equipa, era necessário entretanto, funcionou logo na primeira noite esganando
reabastecê-los. o jacaré de mais de 5 metros e que foi abatido a tiro.
Segundo nos contou o comandante Tripp, chefe da
Missão Hidrográfica congénere. lhe Lake Nyassa
Hydrographic Survey (LNHS), que na altura fazia o VII
levantamento dos portos e águas da Niassalândia, o
espectáculo da nossa margem, vista do lago, com os O outro marinheiro de manobra, o que convencio-
picos dos montes todos iluminados, era fantástico. námos chamar-se marinheiro a, era um auxiliar de
Este marinheiro A era um homem bom. sempre hidrografia precioso. Assentava na caderneta as direc-
pronto a ajudar o seu semelhante e, por vezes, crédulo ções observadas e ia fazendo as médias na própria
demais pelo que se dava ao desfrute, mas a desfrute altura, o que não era fácil se pensarmos que na trian-
saudável da gente do mar que, isolada, inventa brinca- gulação principal medíamos 32 vezes cada ângulo entre
deiras ingénllas para se divertir. dois pontos, em várias zonas do limbo do teodolito. Mas,
Não me esqueço do dia em que um Jacaré pretendeu mais: a bordo da lancha, em sondagens, observava com
comer um vitelo da Missão dos Santos Anjos, no Cobué. o sextante o ângulo da direita e, com prática, com tal
O vitelo morreu e quem o comeu, realmente, fomos nós. rapidez que duvido que alguns oficiais, mesmo os que
Foi pretexto para uma jantarada com que os padres nos tivessem praticado hidrografia o conseguissem suplan-
tar. Para o fim, começou até a ter a noção se nos mantl-
nhamos na fiada, pela variação do seu ângulo à medida
que enchia.
A propósito de nos mantermos na fiada, nAo quero
deixar de contar uma última história.
Como se sabe, nós, portugueses, sondámos sobre
fiadas pré-programadas para manter uma densidade de
sondagem Igualmente espaçada e coerente com o tipo
de fundos que se esperava na região. Uma vez, no ano
de 1959, vlnhamos na fiada para terra, a meio do lago,
ao largo da ilha de Chisumulo quando, inexplicavel-
mente. a .. Mina_ começou a sair da fiada. Por mais
correcções de rumo que se dessem para norte na altura
dos .. foras .. , a lancha teimava em descair para sul.
O telegrafista que lentamente .. cantava .. a sonda com
250 metros de fundo há um certo tempo, foi atacado de
nervosismo e começou a .. cantar_ 100, 70, 50, 25, 20,
10, 5, e, levantou-se, pegou na pasta do dinheiro, que
nunca largava, e preparou-se para se lançar à água.
lfnhamos atingido. sem querer, o único baixo do
lago. com apenas 2.7 metros de profundidade e situado
sensivelmente no meio deste. Na altura fizemos logo ali
uma exploração hidrográfica do baixo e, pasm&-se,
nunca conseguimos encontrar uma profundidade infe-
rior. Voltámos para terra e o nosso esquema de sonda-
gem programado para terminar ao pôr do Sol ficara um
pouco alterado. Ainda Unhamos duas a três horas de luz.
Então, o telegrafista e o marinheiro de manobra
propuseram-me fazer mais uma fiada. E era tão estra-
nho os marinheiros a .. puxarem- pelos oficiais, que não
pude deixar de fazer o sacriffcio. Não nos esqueçamos
Observando tIS prlJm8da dum observatório hidrográfico. que a alvorada era às 04.30 da manhã para se estar na
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