Page 263 - Revista da Armada
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UM PORTUGUÊS DE “OURO”
Ferreira do Amaral
Ferreira do Amaral
e a reabilitação de Macau
e a reabilitação de Macau
Sempre que, ao longo da sua História, Portugal enfrentou holandeses que, em 1601, lançaram um
graves períodos de crise, surgiram homens (ou mulheres, ataque ao território, através de uma
esquadra comandada pelo Almirante Van
honra lhes seja!) capazes de “remar contra a maré” e, Neck. Esse tipo incursões repetiu-se por
vencendo o desânimo e as adversidades, restituir à sua diversas vezes até 1615. A fraca resistência
Pátria o prestígio perdido. dos ocupantes encorajou os mandarins e o
próprio imperador chinês, mais interessa-
João Maria Ferreira do Amaral, distinto oficial de Marinha, dos em obter proveitos do que no domínio
chefiou os destinos de Macau numa altura territorial, a impor cada vez mais a sua
em que a presença portuguesa no extremo Oriente hegemonia. Exigiram, assim, maiores tribu-
tos, proibiram novas edificações na área da
era sujeita aos maiores vexames e provações, conseguindo, cidade e a entrada de novos habitantes,
à custa do seu valor e sacrifício pessoal, reabilitá-la, estabelecendo uma porta no istmo de
Macau (Porta do Cerco). Impuseram, além
dar-lhe um novo fôlego e conduzi-la a uma nova, disso, uma alfândega sua (Ho-Pu) e um
conquanto efémera, fase de regeneração. mandarim seu (Tso-Tang).
Entre 1660 e 1752 procuraram os por-
tugueses, através do envio de embaixadas,
A SITUAÇÃO NO TERRITÓRIO domínio espanhol, entre 1580 e 1640, fez que o governo de Pequim acabasse com
com que grande parte das possessões ultra- estes vexames mas, apesar da cordialidade
ara melhor se compreender a obra de marinas portuguesas fossem deixadas ao com que todas elas foram recebidas, reve-
Ferreira do Amaral como governador abandono e, entre elas, naturalmente, laram-se, na sua essência, infrutíferas.
Pé indispensável conhecer a situação Macau. Dessa situação se aproveitaram os Nestas condições se foi tornando cada vez
no território antes e à data da sua mais confusa a situação política ma-
chegada e, acima de tudo, há que caense: a governadores autoritários
desfazer um equívoco em que cer- sucediam-se senados absorventes
tamente laborarão muitos leitores: do poder, sempre sob pressão dos
ao contrário do que é maldosa- mandarins e da sombra da ascen-
mente defendido por inúmeros são inglesa. Vitoriosa da primeira
autores estrangeiros (nomeada- Guerra do Ópio (os ingleses haviam
mente ingleses) e, inclusive, alguns descoberto naquele produto uma
portugueses, Macau foi, desde o iní- moeda de troca mais rentável para
cio, uma legítima possessão por- os produtos chineses), a Inglaterra
tuguesa. Tendo batido e expulso, a havia imposto à China, através do
pedido dos mandarins de Cantão, Tratado de Nanquim – 1842 – a
os piratas da península de Heung- cedência de Hong-Kong e prepara-
San, os portugueses aí se insta- va-se para tornar a cidade um forte
laram, tendo-lhes a referida penín- ponto de atracção comercial no
sula sido cedida, num gesto de gra- Sueste asiático, fazendo dela um
tidão, sem limites de prazo nem de porto franco. Cedo, porém se verifi-
autoridade. É certo que lhes foi caria o malogro desta solução pois,
exigido um tributo, que mais não ressentidos com a recente humilha-
era do que um acto de vassalagem ção, os chineses viriam, deliberada-
que o imperador, como “Filho do mente, a afastar daquele território
Céu”, considerava ser-lhes devido os seus investimentos e mesmo
por todas as nações da Terra. Assim grande parte dos mercadores ingle-
sendo, a nossa presença por aquelas ses preferiria manter-se em Macau.
paragens esteve sempre longe de Não desejando, porém, ver-se
ser uma situação precária, apenas ultrapassada (eis um flagrante caso
tolerada pelo governo de Pequim. de precipitação!), a Coroa Portu-
O que houve, sim, foram abusos guesa decreta, em 1845, que Macau
graduais consentidos ao longo dos seja, igualmente, um porto franco
tempos. (administrativamente saíra, já, em
Como é do conhecimento geral, o Comandante Ferreira do Amaral. 1844, juntamente com Timor, de
8 AGOSTO 99 • REVISTA DA ARMADA