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UM PORTUGUÊS DE “OURO”


                         Ferreira do Amaral
                         Ferreira do Amaral




           e a reabilitação de Macau
           e a reabilitação de Macau






         Sempre que, ao longo da sua História, Portugal enfrentou              holandeses que, em 1601, lançaram um
         graves períodos de crise, surgiram homens (ou mulheres,               ataque ao território, através de uma
                                                                               esquadra comandada pelo Almirante Van
         honra lhes seja!) capazes de “remar contra a maré” e,                 Neck. Esse tipo incursões repetiu-se por
         vencendo o desânimo e as adversidades, restituir à sua                diversas vezes até 1615. A fraca resistência
         Pátria o prestígio perdido.                                           dos ocupantes encorajou os mandarins e o
                                                                               próprio imperador chinês, mais interessa-
         João Maria Ferreira do Amaral, distinto oficial de Marinha,           dos em obter proveitos do que no domínio
         chefiou os destinos de Macau numa altura                              territorial, a impor cada vez mais a sua
         em que a presença portuguesa no extremo Oriente                       hegemonia. Exigiram, assim, maiores tribu-
                                                                               tos, proibiram novas edificações na área da
         era sujeita aos maiores vexames e provações, conseguindo,             cidade e a entrada de novos habitantes,
         à custa do seu valor e sacrifício pessoal, reabilitá-la,              estabelecendo uma porta no istmo de
                                                                               Macau (Porta do Cerco). Impuseram, além
         dar-lhe um novo fôlego e conduzi-la a uma nova,                       disso, uma alfândega sua (Ho-Pu) e um
         conquanto efémera, fase de regeneração.                               mandarim seu (Tso-Tang).
                                                                                 Entre 1660 e 1752 procuraram os por-
                                                                               tugueses, através do envio de embaixadas,
         A SITUAÇÃO NO TERRITÓRIO           domínio espanhol, entre 1580 e 1640, fez  que o governo de Pequim acabasse com
                                            com que grande parte das possessões ultra-  estes vexames mas, apesar da cordialidade
              ara melhor se compreender a obra de  marinas portuguesas fossem deixadas ao  com que todas elas foram recebidas, reve-
              Ferreira do Amaral como governador  abandono e, entre elas, naturalmente,  laram-se, na sua essência, infrutíferas.
         Pé indispensável conhecer a situação  Macau. Dessa situação se aproveitaram os  Nestas condições se foi tornando cada vez
         no território antes e à data da sua                                          mais confusa a situação política ma-
         chegada e, acima de tudo, há que                                             caense: a governadores autoritários
         desfazer um equívoco em que cer-                                             sucediam-se senados absorventes
         tamente laborarão muitos leitores:                                           do poder, sempre sob pressão dos
         ao contrário do que é maldosa-                                               mandarins e da sombra da ascen-
         mente defendido por inúmeros                                                 são inglesa. Vitoriosa da primeira
         autores estrangeiros (nomeada-                                               Guerra do Ópio (os ingleses haviam
         mente ingleses) e, inclusive, alguns                                         descoberto naquele produto uma
         portugueses, Macau foi, desde o iní-                                         moeda de troca mais rentável para
         cio, uma legítima possessão por-                                             os produtos chineses), a Inglaterra
         tuguesa. Tendo batido e expulso, a                                           havia imposto à China, através do
         pedido dos mandarins de Cantão,                                              Tratado de Nanquim – 1842 – a
         os piratas da península de Heung-                                            cedência de Hong-Kong e prepara-
         San, os portugueses aí se insta-                                             va-se para tornar a cidade um forte
         laram, tendo-lhes a referida penín-                                          ponto de atracção comercial no
         sula sido cedida, num gesto de gra-                                          Sueste asiático, fazendo dela um
         tidão, sem limites de prazo nem de                                           porto franco. Cedo, porém se verifi-
         autoridade. É certo que lhes foi                                             caria o malogro desta solução pois,
         exigido um tributo, que mais não                                             ressentidos com a recente humilha-
         era do que um acto de vassalagem                                             ção, os chineses viriam, deliberada-
         que o imperador, como “Filho do                                              mente, a afastar daquele território
         Céu”, considerava ser-lhes devido                                            os seus investimentos e mesmo
         por todas as nações da Terra. Assim                                          grande parte dos mercadores ingle-
         sendo, a nossa presença por aquelas                                          ses preferiria manter-se em Macau.
         paragens esteve sempre longe de                                               Não desejando, porém, ver-se
         ser uma situação precária, apenas                                            ultrapassada (eis um flagrante caso
         tolerada pelo governo de Pequim.                                             de precipitação!), a Coroa Portu-
         O que houve, sim, foram abusos                                               guesa decreta, em 1845, que Macau
         graduais consentidos ao longo dos                                            seja, igualmente, um porto franco
         tempos.                                                                      (administrativamente saíra, já, em
           Como é do conhecimento geral, o  Comandante Ferreira do Amaral.            1844, juntamente com Timor, de
         8 AGOSTO 99 • REVISTA DA ARMADA
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